Título: O euro à espera do veredito
Autor: Johnson , Simon
Fonte: Valor Econômico, 24/05/2012, Opinião, p. A15

A criação do euro há pouco mais de dez anos foi um experimento único e corajoso. Hoje, existem sérias dúvidas se o euro vai sobreviver e se os europeus estão corretos em mantê-lo. Se a região do euro sobreviver, no entanto, promete grandes benefícios para os países-membros - e talvez para o mundo.

O euro é uma moeda ultrafixa para seus membros: os países participantes se prenderam a uma taxa de câmbio inicial vis-à-vis com suas moedas pré-existentes e jogaram as chaves pela janela no gramado. Hoje, um número cada vez maior de europeus vem esquadrinhando a grama, discretamente tentando encontrá-las.

O euro compartilha características importantes com o antigo padrão-ouro, em que os países fixavam suas taxas de câmbio em relação aos outros, determinando o preço pelo qual a moeda doméstica podia ser resgatada em ouro. Hoje, algumas pessoas sustentam a ideia - muitas vezes ruidosamente - de que o padrão-ouro era sinônimo de estabilidade financeira e econômica. Isso, contudo, está em total dissonância com os registros históricos: a era do padrão-ouro está repleta de episódios de ascensão e queda, alimentados por excessos de captações de governos, empresas, pessoas ou de todos eles.

A má gestão dos políticos europeus provocou danos que permanecerão por décadas. Talvez uma união fiscal mais forte, um Ministério das Finanças central e o compartilhamento de dívidas reduzam as dificuldades e desequilíbrios para a sobrevivência da moeda.

Há três diferenças entre o euro e o padrão-ouro, e nenhuma delas é particularmente tranquilizante no atual momento.

Primeira, a premissa central do padrão-ouro é que há uma quantidade finita do metal no mundo; não se pode criar ou descobrir mais, pelo menos, não rapidamente. Em contraste, o Banco Central Europeu (BCE) pode criar mais euros, se assim o desejar. Os países não podem ficar sem liquidez, porque o BCE pode sempre fornecer mais dinheiro.

Governos e investidores, contudo, sabem disso e o resultado vem sendo proporções entre dívidas e Produto Interno Bruto (PIB) muito maiores do que seriam possíveis sob o padrão-ouro. A região do euro como um todo tem relação entre dívida e PIB de 90%, o que é alto sob qualquer padrão.

Esses níveis de endividamento são sustentáveis desde que os investidores continuem presumindo que há outro pacote de resgate financeiro chegando logo mais à frente. Se o BCE ameaça cortar seu apoio, por exemplo, porque um governo não cumpre com o que os alemães consideram uma boa política econômica, todo o castelo de cartas pode desmoronar.

Segunda, os mercados financeiros se tornaram imensos em comparação a qualquer coisa já vista no padrão-ouro. Os bancos europeus puderam crescer, em grande parte porque se presumiu que seus respectivos governos os garantiam. Esses bancos não apenas são grandes demais em relação a algumas economias nacionais, como também agora está em dúvida a qualidade creditícia de alguns governos na chamada periferia da região do euro - chegando até a incluir a Itália. O termo "ativo livre de risco" tornou-se contraditório na Europa contemporânea.

Os bancos europeus vêm operando sob um grande fardo de dívidas e com bem pouco capital acionário - o amortecedor básico contra possíveis perdas. Qualquer choque sobre os títulos de dívidas soberanos ou agravamento nas retrações das economias locais será transmitido ao longo de um sistema bancário subcapitalizado e sobrealavancado para outros países europeus e - bem possivelmente - mais além, incluindo os Estados Unidos.

Por fim, apesar de toda a conversa sobre a disciplina que o padrão-ouro supostamente traz, países que o adotaram acabaram suspendendo regularmente a conversibilidade - o que significa que a moeda não podia mais ser convertida livremente em ouro. Os europeus de hoje, entretanto, não têm moeda doméstica - apenas o euro. Se qualquer país -por exemplo, a Grécia - abandonasse o euro, todos os contratos nesse país teriam de ser reescritos. A ruptura, particularmente do crédito, seria profunda.

O funcionamento adequado do padrão-ouro exige um maior grau de flexibilidade nos preços e salários. Se as taxas de câmbio não podem desvalorizar-se, os preços e salários precisam cair quando um país apresenta déficit insustentável em conta corrente. Como a Europa periférica pode atestar agora, no entanto, essa é uma forma complicada, dolorosa e politicamente impopular de ajuste econômico. Podem esperar uma intensificação na reação contrária ao ajuste nos próximos meses e anos.

O novo foco está atualmente no grau de dificuldade que a periferia da região do euro terá para ajustar-se e voltar ao crescimento, uma vez que há uma combinação de alto endividamento público e medidas de austeridade, sejam reais ou aparentes. Há, porém, outro lado nesse problema: o capital flui para a Alemanha, como porto seguro regional, o que traz maior disponibilidade de crédito no país. A dinâmica do ajuste dentro da região do euro amplifica os desequilíbrios básicos - a Alemanha vem se tornando mais competitiva, enquanto a periferia continua pouca competitiva.

As recentes eleições gregas deixaram em primeiro plano partidos mais radicais. Alexis Tsipras, chefe da Coalizão da Esquerda Radical (Syriza), tem um argumento válido: a "desvalorização interna" - cortar salários e preços - vem fracassando como estratégia. Sua alternativa parece ser abandonar o euro. Se a Grécia não conseguir fazer algo melhor do que vem fazendo, então, é melhor sair, argumenta.

A questão, contudo, não se trata mais da Grécia. Itália, Espanha, Portugal e até a Irlanda deparam-se com os mesmos problemas, mas estão em um estágio mais inicial da reação contrária. O desemprego está em alta, suas economias não vêm se tornando mais competitivas e as taxas de juros exigidas em seus títulos de dívidas continuam a subir. Esses países, em algum momento, também podem decidir sair. E, mesmo se não escolherem essa alternativa, só o medo de que isso aconteça pode facilmente se tornar autorrealizável.

O sistema do euro foi elaborado para trazer prosperidade e estabilidade a todos. Claramente, falhou em alguns países e pode falhar em muitos. A profunda má gestão dos políticos europeus provocou danos que permanecerão por décadas.

Talvez, uma união fiscal mais forte, um Ministério das Finanças central e o compartilhamento de dívidas reduzam as dificuldades e desequilíbrios de forma suficiente para permitir a sobrevivência do euro. Talvez, o ajuste comece a funcionar no momento exato. Há muita balbúrdia no tribunal neste momento. Esperem um veredito em breve. (Tradução de Sabino Ahumada)

Simon Johnson foi economista-chefe do FMI e é cofundador do blog sobre economia BaselineScenario.com, professor da MIT Sloan, membro sênior do Instituto Peterson para Economia Internacional e coautor de "White House Burning: The Founding Fathers, Our National Debt, and Why It Matters to You" (Casa Branca em chamas: os pais fundadores, nossa dívida nacional e por que isso é importante para você, em inglês), com James Kwak.

Peter Boone é presidente da Effective Intervention, no Center for Economic Performance, da London School of Economics, e diretor da Salute Capital Management Ltd. Copyright: Project Syndicate, 2012.