Título: Governo dá mais clareza às contas da Previdência
Autor: Valor
Fonte: Valor Econômico, 31/01/2007, Opinião, p. A12

A iniciativa do governo de, por medida provisória, separar o que é despesa da previdência social do que é gasto com incentivos e renúncias de contribuições para políticas sociais, é bem-vinda como meio de dar maior transparência às contas da previdência e da assistência social. Isso vai deixar mais clara a compreensão sobre o quanto custa, de fato, a previdência do trabalhador do setor privado urbano e rural, o que é essencial para a discussão do regime geral e da sua sustentabilidade futura.

Segundo dados do Ministério da Previdência, em 2006 a arrecadação líquida do Regime Geral da Previdência Social (RGPS) somou R$ 123,52 bilhões. Desses, os trabalhadores urbanos contribuíram com R$ 119,71 bilhões. Já os rurais, incorporados ao sistema pela Constituição de 1988, entraram com apenas R$ 3,8 bilhões. Como benefícios, os trabalhadores urbanos receberam R$ 133,2 bilhões, gerando um déficit, portanto, de R$ 13,5 bilhões.

Já o déficit produzido pelas contas dos trabalhadores do campo é bem maior - R$ 28,56 bilhões - considerando que no ano passado eles receberam a título de benefícios R$ 32,36 bilhões.

A soma dos subsídios concedidos por meio de renúncias de contribuições previdenciárias em 2006 foi de R$ 18,06 bilhões. Aí estão incluídos R$ 9,71 bilhões em incentivos do Simples às pequenas e micro empresas, os concedidos às entidades filantrópicas e isenção da CPMF para uma parte dos benefícios recebidos pelos aposentados; R$ 1,78 bilhões para a exportação da produção rural com a isenção do pagamento da contribuição previdenciária; mais R$ 4,6 bilhões decorrentes de alíquota menor de contribuição para o produtor rural autônomo; R$ 1,388 bilhão para o empregador rural, além de R$ 512 milhões para o empregador doméstico e R$ 57,3 milhões para os clubes de futebol.

Pelos dados oficiais, enquanto os aposentados urbanos foram responsáveis por 32,1% do déficit previdenciário total de R$ 42,06 bilhões, em 2006, os rurais contribuíram com 67,9% desse resultado. Conclusão: o peso maior do déficit decorre da incorporação dos trabalhadores rurais no regime geral, pela Carta de 88, sem que eles tenham contribuído no passado o suficiente para tal. Sobre isso, não há muito o que fazer.

Já no que se refere às renúncias de receitas previdenciárias, estas não só são políticas de Estado que podem ser reavaliadas, como não faz sentido considerá-las no momento em que se for discutir as contas de longo prazo da previdência social. Esse é, portanto, o mérito da separação contábil que o governo está pretendendo fazer: mostrar que dos R$ 42 bilhões do déficit de 2006, R$ 18,06 bilhões são subsídios do Tesouro Nacional que nada têm a ver com uma política atuarial.

Para se ter maior clareza da dimensão das contas do RGPS, ao se incluir receitas perdidas com os subsídios previdenciários e de CPMF, o déficit produzido pelo trabalhador privado urbano cai para apenas R$ 3,8 bilhões e o do rural, para R$ 18,33 bilhões.

Esses dados, confrontados com o regime especial de previdência do servidor público, indicam que as preocupações mais imediatas do governo federal deveriam estar centradas na regulamentação do fundo de pensão do funcionalismo público e na efetiva aplicação da isonomia entre trabalhadores do setor privado e o funcionalismo. O déficit produzido pelo regime próprio dos servidores públicos atingiu, em 2006, assombrosos R$ 35 bilhões, segundo dados do Tesouro. E a reforma constitucional, aprovada em 2003 para atacar esse privilégio, sequer foi regulamentada até hoje, por divergências inclusive entre os três Poderes que, se não forem superadas, perpetuam uma situação perversa.

A separação contábil entre benefícios e subsídios é, assim, uma medida de profilaxia que não pode ser confundida com as questões mais estruturais da previdência social. Ao desidratar o déficit de gastos alheios a ela, um risco, porém, deve ser evitado: o de considerar que, por ser menor do que se imaginava, a questão de longo prazo está resolvida e não requer reparos substantivos. Ela será útil para as discussões do fórum que o presidente Lula pretende instalar em fevereiro para ser o local do debate sobre a sustentabilidade da previdência diante do aumento da expectativa de vida dos brasileiros.