Título: Grécia tem janela de 46 horas para deixar o euro
Autor: Randow , Jana
Fonte: Valor Econômico, 24/05/2012, Finanças, p. C14

A Grécia poderá ter uma janela de oportunidade de apenas 46 horas se precisar organizar uma saída do euro. É o tempo que os líderes do país provavelmente terão para executar uma saída da moeda única europeia enquanto a maior parte dos mercados globais estiver fechada, do fim dos negócios em Nova York na sexta-feira à abertura do mercado em Wellington, Nova Zelândia, na segunda-feira. Essa é a síntese dos cenários de saída do euro considerados por 21 economistas, analistas e acadêmicos.

Ao longo dos dois dias, os líderes teriam que tentar evitar distúrbios nas ruas, ao mesmo tempo em que estariam administrando um possível calote soberano, planejando uma nova moeda, recapitalizando os bancos, contendo a fuga de capital e buscando uma maneira de pagar as contas assim que o socorro financeiro da União Europeia for cortado. Essa tarefa poderia devastar qualquer novo governo em um país que já teve que ser resgatado duas vezes desde 2010 por não ter conseguido gerenciar suas finanças públicas.

"Sair é difícil e complicado, de modo que aqueles que pensam que isso é fácil estão errados", disse em uma entrevista por telefone Lorenzo Bini Smaghi, que deixou o conselho executivo do Banco Central Europeu (BCE) no ano passado. "Os gregos precisam ser racionais e se proteger de decisões precipitadas das quais eles poderão se arrepender. Sair do euro não é a solução de seus problemas." Ele não quis dizer se acredita em uma saída da Grécia da união monetária.

O espectro da saída da Grécia do euro foi evocado quando Joerg Asmussen, membro do conselho executivo do BCE, disse ao jornal alemão "Handelsblatt", em uma entrevista publicada em 8 de maio, que a Grécia não terá como renegociar os termos da ajuda financeira que está recebendo, se quiser permanecer no euro. O presidente do BCE, Mario Draghi, respondeu em 16 de maio, que o banco tem uma "forte preferência" pela permanência da Grécia no euro.

O comentário foi feito após as eleições de 6 de maio, que deram a segunda maior votação ao partido Syriza, que prega uma renegociação dos acordos de ajuda. Segundo três pesquisas de intenção de voto, o Syriza poderá conseguir mais apoio a essa proposta nas eleições de 17 de junho, complicando os esforços da Grécia para evitar ficar sem caixa no começo de julho.

A oposição do Syriza aos termos do programa de ajuda financeira à Grécia não significa que o país terá de abandonar o euro se o partido formar um governo após as eleições, disse em 20 de maio o líder do partido, Alexis Tsipras. O partido socialista Pasok e o Nova Democracia, que vêm se alternando no governo nas últimas quatro décadas, são a favor do cumprimento das condições do plano de ajuda financeira.

"Esta é a primeira vez desde o começo do século passado que não se trata de a esquerda ou a direita vencer, e sim dos que são à favor do socorro financeiro e os que são contra", diz Aristotle Kallis, professor de história moderna e contemporânea da Lancaster University, do Reino Unido.

Líderes europeus estiveram reunidos ontem em Bruxelas para tentar manter a Grécia entre as 17 nações que compartilham o euro, ao mesmo tempo em que o novo presidente da França, François Hollande, e a premiê da Alemanha, Angela Merkel, discordam sobre o grau de austeridade necessário para conter a crise. No fim, a Grécia vai cumprir seus compromissos, disse em Londres Bill O"Neill, diretor de investimentos da Merrill Lynch Wealth Management para a Europa, Oriente Médio e África.

"Não achamos que a Grécia sairá, mesmo que o resultado das eleições de 17 de junho seja desfavorável para os partidos que apoiam a ajuda financeira", disse ele em 21 de maio em uma entrevista à Bloomberg Television. "Não acreditamos que eles vão desistir deliberadamente da ajuda. Haverá um processo de negociação envolvendo um cenário mais pessimista, mas não acreditamos que a saída da Grécia vá acontecer."

Mesmo assim, economistas do Citigroup disseram em 7 de maio, em uma nota de análise, que o resultado das eleições na Grécia aumenta a possibilidade de o país abandonar o euro nos próximos 12 a 18 meses para até 75%. Mais de 50% dos investidores consultados pela "Bloomberg" preveem a saída de um membro do euro neste ano.

Líderes estiveram reunidos em Bruxelas para tentar manter a Grécia entre nações que compartilham o euro

Um abandono do euro poderá ocorrer assim que o novo governo for formado, se os novos líderes não quiserem aceitar as condições do plano de socorro de corte nos gastos públicos e modernização econômica, diz Marco Annunziata, um ex-executivo do Fundo Monetário Internacional (FMI) que hoje trabalha como economista-chefe da General Electric em San Francisco.

"O tempo é essencial", disse ele em uma entrevista por telefone. "Os acontecimentos poderão se desdobrar mais rapidamente do que esperamos. O principal risco é que as declarações antirreforma de um novo governo poderão provocar uma corrida aos depósitos bancários."

Tal corrida poderia induzir o BCE a cortar, já depois de sexta-feira, novos financiamentos aos bancos gregos no momento em que o governo não tem dinheiro para recapitalizá-los, diz Carsten Brzeski, um ex-economista da Comissão Europeia que hoje trabalha para o ING Group em Bruxelas.

Com novas parcelas da ajuda financeira suspensas pelos líderes da União Europeia, para aguardar a direção a ser tomada pelo governo, e com os cofres do país devendo ficar vazios em dois meses, as opções da Grécia começarão a diminuir.

Um novo governo poderá ter de responder com controles de capital para impedir que os cidadãos, diante da possível desvalorização de suas poupanças, saquem seu dinheiro dos bancos, diz Dawn Holland, analista sênior do National Institue of Economic and Social Research de Londres.

"Isso terá de acontecer muito rapidamente, uma vez que já houve fuga de capital", acrescenta ela. "É aí que as coisas também poderão ficar feias, já que individualmente você não pode culpar as pessoas de querer garantir a segurança de seus euros."

Os depósitos bancários caíram cerca de € 23 bilhões (US$ 29 bilhões) na Grécia em nove meses até março, ou cerca de 13%, para cerca de € 160 bilhões, segundo dados do banco central grego. O presidente Karolos Papoulias disse em 14 de maio que cerca de € 700 milhões foram sacados, sem especificar em quantos dias.

O ex-primeiro-ministro grego Lucas Papademos disse que a saída seria "catastrófica" para o país e teria implicações para a região do euro, informou o "The Wall Street Journal", mencionando uma entrevista.

"É improvável que esse cenário se materialize e ele não é desejável nem para a Grécia, nem para outras economias, mas não se pode excluir que preparações estão sendo feitas para conter as potenciais consequências de uma saída da Grécia do euro", disse Papademos ao "The Wall Street Journal". Separadamente, a rede de televisão CNBC informou que Papademos disse que não há preparações em andamento para uma saída da Grécia do euro.

Mas, se o governo acabar decidindo seguir essa direção, a Grécia terá de solicitar uma reunião dos ministros das Finanças e líderes da zona do euro para estabelecer as condições de saída.

As preparações para a saída começariam tão logo o mercado de bônus de Nova York fechasse para o fim de semana, por volta das 17 horas de sexta-feira. A essa altura, seriam 23 horas em Frankfurt e Bruxelas, lar da maior parte das instituições europeias, e meia-noite em Atenas.

"Precisamos assumir que alguns planos já foram feitos", diz Gabriel Stein, um diretor da Lombard Street Research em Londres. "Caso não, as pessoas no FMI e no BCE não estão cumprindo com seus deveres junto a acionistas e contribuintes."

Karel de Gucht, comissário de Comércio da União Europeia, disse ao jornal "De Standaard", em 18 de maio, que as autoridades europeias já estão trabalhando em planos contingenciais. Um porta-voz do BCE, que pediu para ficar no anonimato, reiterou a política do banco central de não comentar planos emergenciais ou possíveis cenários.

Banqueiros centrais da Europa já começaram a discutir a possibilidade de uma saída da Grécia da zona do euro e como lidar com as consequências, segundo disse Per Jansson, vice-presidente do Riksbank, o banco central da Suécia, em uma entrevista à "Bloomberg" em 11 de maio.

Uma saída da Grécia do euro poderia ser "tecnicamente" administrada, disse Patrick Honohan, membro do conselho diretivo do BCE - que analisou uma ruptura da união cambial entre a Irlanda e o Reino Unido em um estudo de 1984 -, em um pronunciamento feito em Tallinn, capital da Estônia, em 12 de maio. "Ela não seria necessariamente fatal, mas não seria algo atraente."

Para conter a eventual falta de dólares como resultado de pânico no mercado, outros bancos centrais, incluindo o Federal Reserve (Fed), o Banco da Inglaterra, o Banco do Japão e o Swiss National Bank, provavelmente estariam de prontidão com linhas de swap aumentadas, como aconteceu após a quebra do Lehman Brothers em 2008.

Os ministros das Finanças poderiam se encontrar em Bruxelas num sábado para se preparar para a reunião dos líderes no domingo, em que o plano de saída da Grécia seria finalizado, prevê Brzeski. Segundo ele, o melhor que a Grécia pode esperar é um empréstimo pontual para amenizar o choque econômico, mesmo que a nação busque possibilidades de ajuda junto ao FMI.

"A Europa deverá jogar alguns ossos a eles para garantir que não ficarão sendo chutados de um lado para o outro como um cachorro de rua", diz Brzeski.

Enquanto as autoridades gregas estivessem negociando em Bruxelas, em Atenas legisladores poderiam anunciar, no sábado, a intenção de emitir uma nova moeda, que provavelmente se chamaria dracma. Assim como sua predecessora, ela flutuaria livremente no mercado. Enquanto isso, os bancos seriam instruídos a redenominar todos os seus ativos e obrigações, incluindo contas bancárias, salários e dívidas pendentes, de acordo com a taxa de câmbio escolhida.

Principal risco é que declarações antirreforma de um novo governo provoquem uma corrida bancária

"Um país que saísse da zona do euro deveria introduzir sua nova moeda em paridade com o euro", escreveram economistas da Capital Economics liderados por Roger Bootle, em um estudo submetido ao Wolfson Economics Prize de 2012. "Isso não só evitaria a tentação do comércio de partir para o arredondamento, como também deixaria claro para os consumidores que isso não estaria em questão, e promoveria a aceitação e o entendimento po meio da economia."

A essa altura, o governo também poderia autorizar um novo conjunto de cédulas e moedas. A De La Rue, uma companhia britânica que imprime cédulas para mais de 150 países, já está se preparando para uma reintrodução da dracma, segundo informou em 18 de maio o "Times" de Londres. A companhia solicitou ao staff de produção que escolha potenciais filetes de segurança para uso em novas notas bancárias e recuperou partes de uma velha coleção de moldes de cobre, usados para marcas d"água, informou o jornal, citando fontes não identificadas. A De la Rue não quis comentar o artigo do "Times".

Enquanto as novas cédulas e moedas não forem distribuídas, os euros poderão continuar sendo usados em pequenas compras, ao tempo em que pagamentos eletrônicos, como transferências bancárias, e transações de cartões de crédito ou débito, aumentariam na medida em que as pessoas tentassem salvar seus euros, diz Stein da Lombard Street.

Ao mesmo tempo, o país poderia mobilizar os militares já na manhã de sábado e fechar suas fronteiras, preparando-se para carimbar euros com denominações em dracmas como uma solução temporária, assim que o anúncio público tivesse sido feito, afirmam Holland e Brzeski.

Provavelmente, a Grécia declararia quase que ao mesmo tempo uma moratória sobre suas dívidas de€ 280 bilhões e se veria alijada das opções de financiamento que normalmente incluem a ajuda do FMI e dos mercados de capitais, segundo afirma Charlotte Gaitanides, diretora de Estudos Europeus da Universidade de Flensburg da Alemanha.

"A economia da Grécia continuaria não competitiva", disse ela em uma entrevista por telefone. "O baixo valor da nova moeda quase que inevitavelmente resultaria em um enorme déficit da balança de pagamentos. Isso significa que os país teria que recorrer ao FMI."

As negociações com o FMI possivelmente se arrastariam pela maior parte do fim de semana, com a Grécia tentando chegar a acordos sobre a implementação de cortes no orçamento. O FMI provavelmente buscaria as condições mais rígidas possíveis para fornecer ajuda a um país que violou termos do passado, para conseguir o apoio de seus acionistas mais pobres dos mercados emergentes.

O FMI precisa estar "tecnicamente preparado para qualquer coisas, porque esse é o nosso trabalho", disse a diretora-gerente Christine Lagarde em uma entrevista à televisão holandesa em 16 de maio. "Não estou sugerindo que essa é uma solução desejável. Estou apenas dizendo que isso está dentro de uma faixa de múltiplas opções."

Os ministros europeus, que agora estão buscando meios de manter a Grécia no euro, num cenário de saída do país do bloco também se concentrariam em analisar se ele poderia permanecer como uma das 27 nações da União Europeia, o que lhe garantiria o comércio livre de tarifas e a livre movimentação dos cidadãos e da mão de obra.

"A Europa não recuaria completamente", diz Thomas Mayer, principal economista do Deutsche Bank em Frankfurt. "A situação já está extremamente instável e a última coisa que os legisladores iriam querer é a Grécia mergulhando na anarquia."

Os desafios dessa tarefa histórica poderiam se mostrar impressionantes para um novo governo em um país que já luta para cumprir condições básicas impostas pelos socorros financeiros que recebeu, como a coleta regular de impostos.

"Estou totalmente convencido de que eles não conseguiriam orquestrar uma saída ordeira", diz Erik Nielsen, economista-chefe do UniCredit em Londres. "Temos um país que não consegue implementar leis. Portanto, como eles conseguiriam, em segredo, imprimir dinheiro, controlar os bancos, controlar os fluxos de capital e achar que isso estaria sendo feito de maneira ordeira? É completamente impossível."

Independentemente do tempo que o processo demorar, haveria o vazamento de informações de que a Grécia estaria se preparando para deixar a união monetária, fazendo os gregos temerosos com suas economias saírem para as ruas. A partir desse ponto, o governo nacional e as autoridades europeias estariam correndo para encerrar as negociações, conter a especulação e restabelecer a ordem antes de informarem oficialmente o público de que o euro, da maneira como era conhecido, não existiria mais.

"Não há motivo para pensar que não haveria distúrbios e violência", diz Lefteris Farmakis, estrategista da Nomura International em Londres. "Seria uma situação bastante desastrosa. As pessoas não entendem as consequências de uma saída do euro."

Com o domingo chegando ao fim na Europa, e a tarde chegando na costa leste dos Estados Unidos, os operadores em Wellington, Nova Zelândia, seriam os primeiros a enfrentar a abertura dos mercados de bônus e câmbio, às 7 horas, no horário local, da segunda-feira.

"O mundo inteiro vai ficar online quando o mercado abrir na Nova Zelândia", diz Sean Keane, analista da firma de consultoria financeira Triple T Consulting, de Auckland. "No domingo, em Nova York, todos os gerentes de fundos estarão atentos aos acontecimentos."