Título: Crédito restrito explica PIB menor, diz Mantega
Autor: Oliveira, Ribamar
Fonte: Valor Econômico, 21/05/2012, Brasil, p. A6

O ministro da Fazenda, Guido Mantega, está convencido de que o fraco desempenho da economia brasileira no primeiro trimestre deste ano decorreu, em boa parte, de uma restrição do crédito verificada no período. "Uma ação pró-cíclica dos bancos, no sentido de reduzir a disponibilidade de crédito", disse, em entrevista ao Valor.

Segundo ele, essa restrição afetou de forma mais nítida o setor automobilístico, que depende muito do crédito. "De cada dez propostas de financiamento, só duas ou três estavam sendo aprovadas, o que causa uma contração", analisou. Para agravar a situação, os bancos diminuíram o número das prestações dos financiamentos e aumentaram o valor da entrada para a aquisição de veículos. "Isso atrapalhou bastante".

Outro fator que afetou o crescimento neste início de ano foi o agravamento da crise internacional. "Isso acaba afetando as expectativas, embora todos saibam que o Brasil é um dos países mais protegidos da crise."

O Índice de Atividade do Banco Central (IBC-Br) mostrou queda de 0,35% em março na comparação com fevereiro, feito o ajuste sazonal. O IBC-Br é uma tentativa de antecipar o resultado do Produto Interno Bruto (PIB). No primeiro trimestre, o IBC-Br cresceu 0,15% em relação ao trimestre anterior.

A avaliação do ministro sobre os fatores que contribuíram para o baixo crescimento do primeiro trimestre explica a atuação do governo nas últimas semanas, no sentido de ampliar a oferta do crédito e forçar uma redução dos spreads bancários. Para isso, o governo vem utilizando os bancos públicos, que baratearam o custo de seus financiamentos, o que levou os bancos privados a seguir o mesmo caminho, embora de forma mais lenta e comedida.

Para ajudar a ampliar o crédito, vários economistas defendem que o governo reduza os depósitos compulsórios dos bancos no Banco Central. Mantega foi cauteloso ao tratar desse assunto, mas não afastou a possibilidade. "O governo está estudando um conjunto de medidas para viabilizar um crédito maior e mais barato para diversos setores", anunciou.

Mantega observou que o setor de material de construção também foi afetado pela redução do crédito. "Ele cresceu em torno de 5%, porém é menos do que vinha ocorrendo", disse, dando a entender que o governo poderá adotar alguma medida direcionada a este segmento. A hipótese de redução da alíquota do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) nas operações de crédito também não foi descartada. "Tudo isso faz parte do arsenal que temos. Mas não podemos antecipar medidas que podem afetar o funcionamento dos mercados."

Segundo ele, o governo está preparado para utilizar inclusive recursos fiscais para garantir que o crescimento brasileiro vai continuar. Ele disse que mesmo a queda de R$ 10 bilhões na estimativa de arrecadação da receita administrada pela Receita Federal neste ano, anunciada na semana passada, não reduzirá o espaço fiscal para as medidas. "O que será menor é a receita administrada. Outras receitas estão se expandindo, de forma que uma coisa compensa a outra", explicou. "No primeiro trimestre, nós fizemos um superávit primário muito confortável, superamos a meta para todo o quadrimestre e acumulamos poupança. Temos recursos disponíveis".

Ele assegurou que o governo continuará adotando medida para estimular a economia. "Na próxima semana sairão novas medidas e nós vamos tomando medidas diante das necessidades." A entrevista ao Valor foi dada na sexta-feira.

O Brasil tem as bases para a continuidade do seu crescimento econômico, na avaliação de Mantega. Ele lembrou que o emprego continua aumentando e a massa salarial cresce acima de 5%. "O comércio varejista ampliado cresceu 0,6% em março sobre fevereiro. Se pegarmos o acumulado do ano, o crescimento é de 7,3%", informou.

Mantega relativizou a análise que aponta a inexistência de espaço para sustentar a retomada da economia pela via do crédito, por causa do endividamento das famílias. Embora admita que o endividamento aumentou em relação a 2007 e 2008, ele observou que a demanda no Brasil continua em expansão e apenas foi afetada por uma deficiência de crédito. "Se reduzirmos o custo financeiro, e isso vai ocorrer, e aumentarmos a disponibilidade de crédito, recolocaremos no mercado os consumidores, que podem ter saído por causa da elevação do custo financeiro ou por dificuldade de liberação de novo crédito", analisou.

Para ele, não se pode esperar e não é desejável que o crédito e o consumo cresçam às taxas de 2010, quando o crédito teve uma expansão de 30%. "Claro que, com endividamento maior, não se deve esperar isso. Mas se pode esperar um crescimento do comércio varejista de 7% ou 8%, o que é possível para alimentar um crescimento da economia de 4% ou 4,5%", disse.

Desde o final de abril, as empresas brasileiras não tomam empréstimos no mercado internacional. Nas duas primeiras semanas de maio não houve uma única captação. Porém, o ministro da Fazenda colocou em dúvida se essa paralisação das captações já é um sinal do contágio da crise europeia no Brasil. "Não sabemos se foram as empresas que protelaram a tomada de crédito", disse. "Provavelmente, elas estão pensando duas vezes em recorrer ao crédito externo porque ele ficou mais caro", afirmou. Ele lembrou que a desvalorização do real encareceu o crédito externo e tornou o risco cambial mais elevado. "Mas não dá para dizer que está faltando crédito".

O ministro da Fazenda admitiu que alguma restrição maior ao crédito externo poderá ocorrer com o agravamento da situação, mas ele não acredita que a crise chegue ao ponto de 2008, quando o suprimento para o Brasil foi totalmente cortado. "Se houver agravamento, eu acredito que ele será de menor intensidade e de mais curta duração do que em 2008".

Mesmo se faltar crédito externo, Mantega diz que o governo tem condições de suprir com rapidez o mercado interno. "Se houver problema de recursos externos, nós temos hoje mais reservas internacionais (do que em 2008). Nossa situação cambial é sólida e supriremos a liquidez rapidamente", garantiu. "Se faltar crédito, nós temos os compulsórios, temos crédito interno que poderemos disponibilizar. O BNDES [Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social] já tem hoje R$ 150 bilhões para liberar em 2012. O Brasil está preparado para enfrentar o agravamento da crise europeia. Temos vários instrumentos que não foram utilizados ainda. Não usamos nem 10% do arsenal que temos".

O fraco desempenho da economia no primeiro semestre afetará o crescimento projetado para este ano, admitiu Mantega. "Para o ano todo, isso ficou mais difícil [crescer 4,5%]. Estamos aspirando algo em torno de 4%", disse. "Mas com certeza o crescimento deste ano será maior do que o de 2011". Para ele, já há indicadores de uma retomada da economia a partir de maio. "Abril não foi bom, mas em maio houve uma aceleração".

Segundo ele, os dados de venda de veículos nas primeiras duas semanas de maio foram bons, assim como os dados do comércio varejista em geral. Além disso, o ministro lembrou que pesquisa da Confederação Nacional da Indústria (CNI) mostra que a confiança dos empresários aumentou este mês. Mantega chamou a atenção também para o fato de que algumas medidas já adotadas pelo governo, no âmbito do Programa Brasil Maior, ainda não entraram em vigor, como é o caso da desoneração da folha de 15 novos setores, que só começa a partir de julho. Mesmo a redução da taxa de juros realizada pelo BC, lembrou, demora um pouco a ter impacto sobre a economia. "No segundo semestre, nós estaremos crescendo nessa faixa de 4,5% até 5%", disse.