Título: Previdência: só aumento de idade não resolve
Autor: Mente, Paulo
Fonte: Valor Econômico, 28/12/2006, Opinião, p. A12
Apesar do presidente Lula já ter se mostrado reticente com relação a novas mexidas na Previdência Social, as discussões prosseguem e, mais uma vez, a postergação das idades para a obtenção de aposentadorias surge como pilar de salvação de um sistema que desmorona.
Não há dúvidas de que a mobilidade das idades é um fator importante na gestão dos seguros sociais, necessitando de dinâmica acoplada às mutações demográficas. É verdade que o Brasil envelhece com celeridade e que o volume crescente de idosos aposentados será cada vez mais difícil de ser financiado pela massa de empregados ativos, mas essa é uma questão sócio-estrutural complexa que foge da análise financeira simplória.
Os países europeus, cujas experiências sempre são ensinamentos, ampliaram, nos últimos 30 anos, as idades para entrada em aposentadoria, mas contando com o efeito das baixas taxas de natalidade. Elas geram números cada vez menores de novos trabalhadores e exigem a permanência dos mais velhos no mercado de trabalho.
Tomemos o recente exemplo de Portugal, do primeiro ministro José Sócrates que, também preocupado com o crescimento nos custos do sistema de seguridade, negociou importantes reformas, a partir de 1º de janeiro do próximo ano, nelas incluindo uma dinâmica de longo prazo para a questão etária - o que chamou de fator de sustentabilidade -, mas focando, principalmente, pontos distorcidos das concessões e manutenções das prestações para as soluções dos problemas crônicos.
A característica de longo prazo do novo modelo português foi essencial para conduzi-lo à aceitação negociada. Embora com alguns efeitos imediatos, o plano de adaptação prevê uma redução paulatina de gastos do sistema, na base de 0,5% ao ano até 2030. Os que se aposentarem até 2007, praticamente não sentirão significativas alterações em suas expectativas atuais. Os que se aposentarem a partir de 2008, porém, já sentirão efeitos mais expressivos, dado que suas pensões não só seguirão um novo modelo de cálculo inicial, baseado numa carreira contributiva mais ampla, como também estarão acopladas à esperança de vida, portanto dinamicamente ligadas às mutações demográficas.
Mas, a questão etária cedeu lugar a outros três pontos mais importantes na reforma portuguesa, sendo o principal a quebra de vínculo do reajuste das pensões ao salário mínimo, que não mais servirá de base na formação dos índices. Mas relevantes, também, são as questões de manejo do teto de vencimentos e a já citada nova fórmula de cálculo do benefício inicial, que incrementam a justiça do sistema.
Os pensionistas que recebem acima de 12 salários mínimos (cerca de 4.630 euros) terão um congelamento de aumentos, que será reavaliado a cada cinco anos. As prestações inferiores a esse limite serão reajustadas por um fator que levará em conta o crescimento do PIB, numa fórmula que ata o seguro social à performance econômica.
-------------------------------------------------------------------------------- Números da Previdência são assustadores e a solução do problema não está na postergação das idades de aposentadorias --------------------------------------------------------------------------------
Nas pensões, as prestações mais elevadas levarão em conta um fator redutor quando o cônjuge sobrevivente auferir renda própria e os benefícios novos para os inscritos a partir de 2002 serão calculados com base na média de 40 anos de contribuições. Tudo isso para gerar economias a partir de 2015.
Os números da Previdência Social brasileira são, naturalmente, mais assustadores, e até por isso devemos entender que seu buraco não poderá ser corrigido pela simples postergação das idades de aposentadorias. O debate sobre as melhores soluções para os sistemas previdenciários (no plural, porque aí devemos incluir o regime dos servidores) deve ser ampliado a outros segmentos da sociedade, não apenas restrito aos especialistas e economistas, de modo a buscar uma reforma mais consistente com as generalidades sociais.
O Brasil gasta mais de R$ 200 bilhões por ano com esses regimes integrados e os aposentados do INSS são responsáveis por menos de 50% desse montante. A arrecadação do INSS, em torno de R$ 85 bilhões de reais, embora ainda insuficiente, é muito próxima do valor acima, gasto com esses aposentados, descaracterizando-os, portanto, como os vilões do sistema.
O custo maior está nos demais benefícios, pagos pela Previdência ao meio rural e pagos pelo Tesouro ao funcionalismo, que consomem mais de R$ 100 bilhões por ano. Sem abordarmos a questão do financiamento, há dois fatores importantes na geração dessa despesa, cujo debate deve ser prioritário em relação à extensão das idades. O sistema de seguro social público, financiado pela sociedade, não deve, à primeira vista, pagar benefícios em patamares privilegiados em relação à linha genérica da renda média de todos os brasileiros. É preciso rever tetos. A camada de melhor renda precisa ser deslocada para o regime dos fundos privados e constituir suas próprias poupanças, ao invés de buscá-las, de forma mutual, nos bolsos dos demais brasileiros. E, em paralelo, há a questão dos regimes de reajustes dos benefícios, vinculados ao salário mínimo ou a salários de atividade, que acaba criando distorções, especialmente quando a economia não anda.
Tanto a adaptação de idades a novas realidades demográficas, quanto as reformas dos pontos acima citados devem ser implementadas com cautela, sob a garantia de um desenvolvimento econômico paralelo mais eficaz, que gere novos empregos e permita o aumento da renda média do brasileiro. Isso garantiria uma fase transitória agradável aos beneficiários atuais e potenciais e facilitaria sua implementação. Uma reforma intempestiva, na busca de resultados imediatos, até defendida por certos segmentos mais afoitos com a necessidade de crescimento econômico, pode ter efeitos indesejáveis. Mesmo em Portugal, onde a implementação do novo sistema teve uma pacífica negociação, não faltaram alertas do meio empresarial sobre os efeitos negativos da extensão nas idades de aposentadorias, com envelhecimento dos quadros de empregados e perda de competitividade.
No Brasil, onde a base da pirâmide etária é mais larga que no Velho Continente, esse efeito seria ainda mais perverso, com diminuição de postos para a população jovem que adentra ao mercado de trabalho. É preciso cautela no trato da questão etária no sistema previdenciário. Portugal ensina.