Título: UE cresce, mas trata novatos como 2ª classe
Autor: Souza, Marcos
Fonte: Valor Econômico, 28/12/2006, Internacional, p. A11

A festa já está armada. No dia 1º de janeiro, búlgaros e romenos comemorarão a entrada de seus países na União Européia depois de seis anos de negociações. Haverá pronunciamentos de autoridades européias, multidões reunidas nas praças e troca de presentes entre soldados na ponte que Bulgária e Romênia. Mas, quando a festa acabar, a população dos dois países dos Balcãs perceberá que a UE não estará de braços tão abertos como já esteve para outros estreantes.

Pelo menos dez países-membros já anunciaram que adotarão algum sistema para restringir o acesso a trabalhadores do 26º e do 27º integrantes do bloco. Até a Hungria, que em 2004 disparava críticas a alguns governos europeus por limitarem a entrada de trabalhadores dos países que aderiam à UE naquele ano, decidiu que fará o mesmo com os novatos búlgaros e romenos.

As restrições aos trabalhadores não serão as únicas dificuldades enfrentadas pelos dois países. Mesmo depois de 1º de janeiro, autoridades da Comissão Européia - o braço executivo da UE - continuarão monitorando e tutelando o que os dois estão fazendo em áreas problemáticas, como o combate ao crime e à corrupção. Em outra área sensível, a do setor de alimentos, autoridades européias devem impor regras mais rigorosas já em janeiro para as exportações de leite, carne e outros produtos de origem animal. A Bulgária ainda terá outro obstáculo pela frente: suas companhias aéreas continuarão sendo tratadas como de um país não integrante da UE, por causa de "deficiências muito sérias" que apresenta, segundo Bruxelas. Na prática, isso significa, que companhias búlgaras não terão autorização automática para voar para ou entre países-membros.

As condições impostas pela UE são consideradas as mais duras já enfrentadas por novos integrantes. Os dez países que entraram para o bloco em 2004 - Hungria, Polônia, República Tcheca, Eslováquia, Eslovênia, Estônia, Letônia e Lituânia, Chipre e Malta - tiveram apenas algumas restrições às suas exportações de certos produtos agrícolas.

O tratamento dado agora à Bulgária e à Romênia levanta dúvidas se alguns membros da UE estão, nas entrelinhas, encarando os cidadãos dos dois países como europeus de segunda classe. Por meio de seu porta-voz, o presidente da Comissão Européia, José Manuel Durão Barroso, descartou que se trate de um rebaixamento de status. "Não há surpresas aqui. Esse é o resultado dos mecanismos de acesso que nós, a comissão, Romênia e Bulgária e os (atuais) Estados membros concordaram."

Ex-repúblicas da antiga URSS, Bulgária e Romênia atravessam um momento de acelerado crescimento econômico. A Bulgária cresce seguidamente há oito anos. Em 2005, a expansão foi de 5,5% , atingindo um total de US$ 13,5 bilhões. A Romênia cresceu 4,1%, para cerca de US$ 37,9 bilhões, em seu sexto ano de expansão. Mesmo assim, continuam sendo países com dificuldades econômicas pouco desenvolvidas e com oportunidades limitadas de emprego. Ao contrário do que se vê em alguns dos países do leste que ingressaram no bloco em 2004. A Eslovênia, por exemplo, cumpriu tão bem a lição de casa que em 1º de janeiro já dá um passo adicional e entra para a zona do euro.

Muitos governantes da UE e analistas acreditam que fatalmente haverá um fluxo migratório importante de búlgaros e romenos para economias mais desenvolvidas. Em 2004, o Reino Unido, a Irlanda e a Suécia foram os únicos "velhos" membros da UE que não impuseram limites a trabalhadores dos então novos integrantes - entre eles Polônia e Hungria.

Mas, então, veio a surpresa. O Reino Unido projetava que 13 mil novos europeus se mudariam para o país atrás de emprego e melhores condições de vida. Mais de 500 mil acabaram entrando desde 2004, a maioria poloneses e geralmente no setor de construção civil e de refeições.

Para evitar, uma fenômeno semelhante, Espanha, Grécia, Alemanha, França, Áustria, Holanda, Dinamarca, Irlanda, Reino Unido e Hungria prometem adotar sistemas de cotas ou outras formas de limitações temporárias à entrada de trabalhadores dos dois novos membros.

A decisão contrariou a Comissão Européia. Para Catherine Drew, pesquisadora do Instituto de Pesquisas de Políticas Públicas, um think-tank britânico, a medida pode ser um tiro no pé. "Se você impõe restrições trabalhistas a um grupo de pessoas habilitadas a entrar de qualquer forma em um Estado membro da UE, você pode simplesmente estar criando oportunidades para essas pessoas caírem no contingente de mão-de-obra ilegal."

Livre circulação de trabalhadores é um dos princípios da UE, mas os países-membros podem adotar medidas temporárias para proteger seus mercados de trabalho de um influxo de mão-de-obra migrante por até sete anos.

Romênia e Bulgária terão direito a receber em forma de subsídios 32 bilhões de euros e 11 bilhões de euros respectivamente até 2013. Mas, como parte do regime de "monitoramento" imposto pela UE, o repasse dos recursos deverá ser adiado até que os dois atinjam os padrões exigidos pelos europeus em áreas problemáticas.