Título: Rombo da Previdência pode ir a R$ 50 bi
Autor: Lyra, Paulo
Fonte: Valor Econômico, 28/12/2006, Política, p. A8

De olho nos dividendos eleitorais e no aumento do consumo proporcionados pelos sucessivos aumentos do salário mínimo, o governo deve seguir com a política de valorização do piso da remuneração nacional no segundo mandato de Lula, segundo expectativa de especialistas em contas públicas. Apesar dos benefícios trazidos especialmente para a população de renda mais baixa, o impacto dessa política nas contas da Previdência não é desprezível. O reajuste dos atuais R$ 350 para R$ 380 vai onerar em R$ 7 bilhões a Previdência, pelos cálculos da MB Associados. Se ficasse em R$ 367, o déficit seria R$ 2 bilhões menor.

Com essa nova alta, o rombo anual da pasta chegará a R$ 50 milhões. Os gastos preocupam analistas e podem atrapalhar os planos de expansão dos investimentos, já que para bancar esse reajuste será preciso cortar gastos de alguma outra rubrica, dizem os economistas.

"Ou o governo deixa de fazer algumas desonerações que poderiam estar no pacote (que deverá ser anunciado em janeiro), ou então outro gasto terá de ser cortado", diz Fábio Giambiagi, economista do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea). Caso contrário, o superávit primário ficará abaixo dos 4,25% do Produto Interno Bruto (PIB) previstos para o próximo ano.

O acordo fechado entre o governo federal e as centrais sindicais foi a primeira sinalização de como Lula conduzirá a questão do salário mínimo. Ficou acertado que o reajuste será equivalente à inflação acumulada nos 12 meses anteriores mais a variação do PIB de dois anos antes. Então, em 2008, por exemplo, o aumento será balizado pela inflação de 2007 e pelo PIB de 2006. A cada ano os aumentos serão concedidos com um mês de antecedência até quem em 2010 seja concedido em janeiro.

"É como aumentar de pouco em pouco a temperatura da água de um aquário. Em um primeiro momento, nada acontece. Mas com o passar do tempo, os peixes morrem", resume Giambiagi. Ele diz que de um ano para o outro é possível absorver os impactos, mas que no longo prazo a política de valorização terá efeitos dramáticos sobre as contas.

Quando assumiu o cargo de presidente, em 2003, Lula recebeu uma Previdência com déficit de R$ 17 bilhões. Em quatro anos, com os sucessivos aumentos reais no salário mínimo e, de quebra, nas aposentadorias, o rombo subiu para R$ 40,4 bilhões, segundo dados que vão até novembro deste ano. É um crescimento de 137,6% no período. Pelas estimativas de Sergio Vale, economista da MB Associados, o déficit chegará a R$ 43 bilhões ao final de 2006, o que significará um aumento de 152% só na primeira gestão Lula.

Essa expansão dos gastos, contudo, não foi uma exclusividade do governo petista. No seu segundo mandato, Fernando Henrique Cardoso também viu o rombo da Previdência crescer. De 1998 a 2002, o déficit teve um crescimento não muito diferente do visto no governo Lula: 139,7%.

Para Vale, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, não teve forças para sustentar a proposta inicial do governo, de um mínimo em R$ 375. Na sua avaliação, agora ficou muito claro que Lula vai continuar fazendo transferência de renda para os mais pobres por meio da aposentadoria e, quem sabe, incrementar essa ação com novo aumento no benefício concedido pelo Bolsa Família. "E o que se esperava era que o governo primasse pela restrição fiscal para manter o superávit em 4,25%", diz. Ele argumenta que não adianta tentar incentivar investimentos quando não se contém gastos correntes: "É dar de um lado e tirar do outro".

O professor da Faculdade de Economia e Adminsitração (FEA) da Universidade de São Paulo (USP), Helio Zilberstajn, alerta que ao definir uma política de valorização do mínimo com as centrais sindicais, o governo retira atribuições do Congresso. "Essa é a função primordial dos congressistas: definir como será usado o dinheiro público", ressalta.

Ele acredita que, agindo dessa forma, o Congresso dá um tiro no pé, pois permite que a composição do gasto público vá ficando engessada de forma definitiva. "Já existe vinculação dos gastos da saúde e da educação. Agora querem criar mais uma." Zilberstajn acredita que o reajuste do mínimo deveria ser decidido a cada ano, de acordo com a situação da economia do país e das contas da Previdência Social.

Há, contudo, quem aplauda a decisão do governo. "É razoável corrigir o mínimo pela inflação mais a evolução do PIB", diz o especialista em contas públicas, Amir Khair. Para ele, economistas e políticos só analisam a Previdência pelo lado da despesa e esquecem de medir o impacto positivo sobre a economia. "Aumentar o mínimo reflete nos outros salários e irriga o poder de compra das pessoas", diz o ex-secretário de Finanças da Prefeitura de São Paulo na gestão de Luiza Erundina.

Mais consumo resulta em mais arrecadação de impostos, não só para a União, mas também para Estados e municípios. Khair diz que é preciso lembrar que o principal gasto do governo é com o pagamento de juros. "E juros sim são despesas. As pessoas se esquecem disso intencionalmente porque somos o país do rentismo", afirma.