Título: Lula ameaça veto se Congresso mexer no mínimo
Autor: Lyra, Paulo
Fonte: Valor Econômico, 28/12/2006, Política, p. A8

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva pressionou o Congresso, ontem, a não alterar a política e o valor do salário mínimo que o Executivo acertou com os sindicatos, embora estas iniciativas estejam nas atribuições do parlamento. Diante de ministros e representantes de seis centrais sindicais, Lula exaltou o acordo fechado entre governo e trabalhadores - à revelia do ministro da Fazenda, Guido Mantega -, que fixou o salário em R$ 380, e avisou que qualquer elevação será vetada. O governo optou por encaminhar a proposta ao Congresso por meio de um projeto de lei.

"Se alguém tentar extrapolar o limite do que foi acordado, não tenham dúvida que eu veto, como vetei, antes das eleições, a demagogia daquele aumento que quiseram dar", afirmou. Era uma referência clara ao reajuste de 16,6% que a oposição pretendia conceder aos aposentados que ganhavam acima de um salário mínimo e também ao aumento de R$ 300 para R$ 384 aprovado, no Senado, no final de 2005. Já no ano passado o governo considerou absurda a tentativa do Congresso de usar sua prerrogativa de fixar um mínimo diferente daquele que foi acertado com os sindicatos.

O discurso do presidente irritou a oposição. O líder do PFL na Câmara, Rodrigo Maia (RJ), acusou o governo de fazer um acordo com "sindicalistas vendidos" e não respeitar a democracia. " Ele está querendo impor uma decisão ao Parlamento e isso é um desrespeito", disse. Para o tucano Gustavo Fruet (PR), a declaração de Lula soa como uma provocação. "O governo errou ao não negociar com o Congresso e será inevitável a reabertura dessa discussão", disse.

Apesar de celebrar com os sindicalistas a assinatura do acordo que serviu de base ao projeto de lei que será enviado ao Congresso, Lula disse que, durante muito tempo, o mínimo foi "peça de ficção" para inflamar discursos de dirigentes sindicais. "Isso valia para o Marinho (Luiz Marinho, ministro do Trabalho) quando era presidente da CUT, para mim, quando era presidente do Sindicato dos Metalúrgicos no ABC e para todos vocês. A gente fazia um discurso no 1º de Maio, até porque a maioria das nossas categorias não representa o trabalhador de salário mínimo".

Mas o presidente defendeu o acordo com os sindicalistas. Pela segunda vez, governo e centrais sindicais - inclusive as de oposição, como a Força Sindical - definiram o percentual de reajuste do salário mínimo. "Se esse padrão novo estiver consolidado, continuaremos estabelecendo um padrão de tamanha civilidade que as pessoas terão que acatar um acordo feito como esse quase como uma lei, uma decisão de instância superior", acrescentou.

Lula convocou seus parceiros para debater as reformas que o país precisa, também uma atribuição do Congresso. O presidente repetiu a intenção de criar fóruns de debate, envolvendo políticos, empresários e trabalhadores. "Temos que discutir quais são as soluções que cada um de nós quer deixar para os nosso filhos no mundo do trabalho e da Previdência Social e em tantas outras áreas". Reiterou que não foi reeleito para fazer a mesmice e pediu apoio dos sindicalistas. "Desburocratizar o país às vezes mexe com estrutura corporativa, o que vai precisar da compreensão de vocês", pediu Lula.

O presidente também aproveitou a cerimônia de ontem para alertar que, no seu governo, desenvolvimento tem de estar acompanhado de distribuição de renda. "Fui reeleito e não quero fazer o mesmo que já fiz nos primeiros quatro anos. Agora temos que fazer uma coisa nova. E, pelo amor de Deus, não cometam o erro de usar a palavra desenvolvimento ou crescimento econômico sem combinar a palavra distribuição de renda", alertou. Lula afirmou que, em 1973, quando o PIB cresceu 13,94%, o salário mínimo teve perda real de 3,4%.

O ministro do Trabalho, Luiz Marinho, negou que o aumento real de 5,3% dado ao salário mínimo tenha reduzido o alcance das medidas de estímulo ao crescimento que o governo deve anunciar em janeiro. Na sua explicação, não houve "troca" nem "acomodação" porque "tudo já estava previsto". Para Marinho, se o governo falasse em R$ 380 no início das conversas com as centrais sindicais, não haveria negociação, mas apenas um "comunicado" do governo.

O ministro ressaltou que uma reforma trabalhista não vai significar perda de direitos, mas a modernização da negociação entre trabalhadores e empresários reduzindo a participação do Judiciário na resolução dos conflitos, o que, diz, é uma espécie de interferência do Estado. A decorrência da reforma trabalhista, de acordo com essa interpretação, é a reforma sindical, que tem de ampliar a proteção de direitos coletivos.

Com os R$ 380 valendo a partir de abril, o poder de compra do salário mínimo voltou ao nível de 28 anos atrás, segundo Marinho. Vai poder comprar 2,42 cestas básicas, um ganho real de 85,2% em quatro anos. Em março de 2003, o mínimo comprava apenas 1,3 cesta. O aumento também vai injetar R$ 8,5 bilhões na economia em 2007 e permitir um aumento de R$ 2,1 bilhões na arrecadação.

Marinho agradeceu a todos os ministros presentes e fez uma referência direta a Guido Mantega, defensor dos R$ 367. Disse que o ministro da Fazenda "contribuiu decisivamente". O presidente da Força Sindical, Paulo Pereira da Silva, disse já na primeira reunião, menos de um mês atrás, que essa posição estava "isolada" no governo.

"Ganhamos no debate. O ministro Guido Mantega representa o atraso. Tenho um cumprimento especial para ele, que puxou o aumento para baixo", criticou Paulinho, diante de um Mantega constrangido. Além do novo valor do mínimo e de uma política permanente de reajuste até 2023, o acordo de ontem antecipou as mudanças de valores para janeiro e promoveu uma correção de 4,5% na tabela de retenção do Imposto de Renda até 2010.