Título: Região tenta frear germanodependência
Autor: Rittner, Daniel
Fonte: Valor Econômico, 28/05/2012, Internacional, p. A10

Diante dos prenúncios de catástrofe em seus vizinhos mediterrâneos, os países da Europa Central nem se queixam tanto: a maioria ainda está crescendo, em boa parte graças aos vínculos com a Alemanha, responsável por absorver até um terço de suas exportações e única entre as grandes economias europeias a manter uma expansão robusta.

No entanto, o temor de uma crise profunda na zona do euro acendeu o alerta nesses países para o risco de "germanodependência" cada vez mais forte, levando suas empresas a buscar os mercados emergentes como tábua de salvação para suas exportações. "Qualquer movimento na União Europeia é capaz de nos sacudir", diz Iwona Chojnowska-Haponik, diretora da Invest in Poland, a agência de promoção de investimentos da Polônia. "Por isso, estamos tentando abrir novos mercados, como a China e a América Latina."

Nos últimos cinco anos, apesar de uma recessão global no meio do caminho, as vendas de seis países da Europa Central - Áustria, Eslováquia, Eslovênia, Hungria, Polônia e República Tcheca - ao Brasil aumentaram de 74% a 113%, dependendo da origem. Altamente competitivos em manufaturas, como autopeças e máquinas, eles veem o mercado brasileiro e latinoamericano como destino ideal para remeter a produção que já não encontra mais aumento da demanda nos clientes tradicionais.

Bens de capital, produtos químicos e equipamentos ferroviários foram alguns dos setores com maior participação em uma conferência de negócios entre a América Latina e a Europa Central, que reuniu mais de 300 representantes empresariais em Viena, na semana passada. "Eles sabem que a Europa vai ficar nesse "rame-rame" durante um bom tempo e encaram o Brasil como um mercado gigantesco", afirma Hildete Vodopives, da Brazil Global, consultoria especializada em ajudar empresas europeias a entrar no país. Em três dias de reuniões, Hildete diz ter sido muito procurada por companhias, especialmente da Hungria e da Eslovênia, interessadas em exportar máquinas e fornecer materiais para uso na construção civil.

Na empresa eslovaca Regada, que produz equipamentos para usinas geradoras de energia elétrica e para estações de tratamento de água, a América do Sul tornou-se uma das novas prioridades. O foco está principalmente em Brasil, Chile, Argentina e Venezuela. As exportações atuais, que somam € 50 milhões por ano, concentram-se na Europa Ocidental e na Rússia. "Queremos diversificar os nossos destinos de exportação, mas a China tem muitos concorrentes, a Índia exige a construção de uma fábrica local e o esforço que fizemos na África do Sul ainda não deu nenhum resultado", diz a gerente de comércio exterior, Viera Ormosova. "O Brasil é um mercado imenso e começamos a exportar há dois anos, mas com vendas de apenas € 10 mil por mês. Se tivermos um distribuidor importante, podemos aumentar os negócios."

Por incrível que pareça, mesmo tendo a Alemanha como fronteira, há companhias de médio porte que já transformaram o Brasil no maior destino de suas exportações. É o caso da polonesa Medcom, especializada em sistemas elétricos para equipamentos ferroviários, onde 15% do faturamento de € 36 milhões obtido em 2011 vieram de um contrato para a modernização de 25 trens da Linha 3-Vermelha do Metrô de São Paulo. As primeiras composições foram entregues no ano passado, pelo consórcio do qual a Medcom faz parte, e o contrato dura até 2014.

"O mercado brasileiro está crescendo extremamente rápido para desconhecê-lo", afirma o diretor comercial da Medcom, Piotr Wronski, referindo-se aos projetos de mobilidade urbana nas grandes cidades. "Estamos procurando negócios também em Santiago", completa o executivo, lembrando que a capital chilena já tem quatro linhas de metrô em operação e outras duas sendo licitadas.

O embaixador da República Tcheca no Brasil, Ivan Jancárek, tem uma visão realista. "Muitas empresas tchecas já começaram a entender que é imprescindível diversificar as exportações, mas a distância e o idioma são problemas, sem dúvidas", comenta o diplomata. O país destina 84% de suas vendas externas à UE e quase 32% à Alemanha, especificamente.""O Brasil é visto como um lugar com alto potencial de negócios, mas ainda na fila de trás dos Brics. Quando se organiza uma feira comercial, enquanto aparece um pedido das empresas relacionado ao Brasil, há cinco na Índia e dez na Rússia."

Apesar disso, as exportações tchecas ao Brasil dobraram em cinco anos, alcançando um recorde de US$ 547 milhões em 2011. A Czech Trade, agência de promoção comercial ligada ao governo, se prepara para reforçar a estrutura no Brasil e no México. Também pretende abrir o terceiro escritório na América Latina, provavelmente na Colômbia, até o fim de 2013.

O que ainda falta, na avaliação do embaixador, é um "investimento estruturante" que possa fortalecer de vez o comércio bilateral. Jancárek tem esperanças de que projetos como o desenvolvimento conjunto do cargueiro KC-390, da Embraer, cumpram esse papel. A República Tcheca encomendou duas aeronaves e fornecerá partes do novo cargueiro, na parte traseira e nas asas. Cerca de 20 engenheiros tchecos já foram para a Embraer. Outra possibilidade é uma joint venture entre uma empresa brasileira e a Czeska Zbrojovka, tradicional fabricante de armas leves (pistolas), para produção no Brasil.

"Antes o Brasil era visto como um lugar muito distante e até perigoso, mas hoje é alvo de investimentos e há muito interesse até de profissionais altamente qualificados em trabalhar no país. Mas não é fácil de se fazer negócios, portanto é sempre bom ter uma filial ou, pelo menos, um parceiro local", diz Stefan Nemetz, do departamento comercial do consulado da Áustria em São Paulo. Por sua localização estratégica, com voos diários a 47 destinos de toda essa região, Viena se coloca como ponte para os antigos países do bloco socialista. A capital austríaca já funciona como sede, para as subsidiárias da Europa Central e do Leste, de mais de 400 multinacionais.