Título: Setor formal absorve grande contingente de trabalhadores
Autor: Saboia , João
Fonte: Valor Econômico, 28/05/2012, Opinião, p. A12
Desde 2004, o mercado de trabalho no país tem mostrado um grande dinamismo, com forte geração de emprego e consequente redução das taxas de desemprego. O setor formal tem absorvido um grande contingente de trabalhadores com carteira assinada ao mesmo tempo em que a remuneração média dos trabalhadores cresceu substancialmente no período. Apesar da desaceleração da economia a partir de 2011, o mercado de trabalho continua aquecido. A falta de trabalhadores, qualificados ou não, foi a principal reclamação dos empresários na entrega do prêmio "Executivo de Valor" do Valor no início de maio, superando outras questões importantes como demanda fraca, inflação, câmbio elevado, custo do crédito e inadimplência no mercado.
Para medir a performance do mercado de trabalho montamos um indicador que utiliza nove variáveis levantadas da Pesquisa Mensal de Emprego (PME) do IBGE e usamos uma metodologia nova inspirada no cálculo do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) da ONU, que produz valores entre 0 (zero) e 1 (um), representando a pior e a melhor situação, respectivamente. São utilizadas três variáveis associadas a desemprego, três relativas à remuneração e três associadas à qualidade do emprego e da mão de obra.
Desemprego não sobe se crescer 3,5% ao ano, a taxa que absorve as pessoas que entram no mercado a cada ano
As variáveis de desemprego utilizadas são a taxa de desemprego, o desemprego de chefes de família e o desemprego de longa duração. As variáveis de remuneração consideradas são a remuneração média dos trabalhadores, uma medida de sub remuneração e uma de desigualdade de rendimentos recebidos. Finalmente, são usadas informações relativas à presença da carteira assinada, sobre a intensidade de sub ocupação e do nível de escolaridade dos trabalhadores para medir a qualidade dos empregos e dos trabalhadores.
O indicador síntese obtido nas seis regiões metropolitanas cobertas pela PME não passava de 0,493 em março de 2003, subindo para 0,764 em março de 2011 e para 0,810 em março deste ano (ver tabela). Houve uma melhora geral no período em todas as nove variáveis utilizadas nas seis regiões cobertas pela PME - São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Belo Horizonte, Salvador e Recife. O fato do indicador ter continuado a se elevar nos últimos 12 meses confirma que efetivamente o mercado de trabalho continua melhorando apesar da desaceleração econômica.
É interessante verificar o ocorrido nos três grupos de indicadores nos últimos 12 meses. No caso do indicador de desemprego, o aumento foi mínimo, passando de 0,749 para 0,759. Tal resultado não chega a representar uma surpresa, na medida em que o desemprego já se encontrava em nível bastante baixo em 2011 não havendo muito mais espaço para sua redução. Nas variáveis de remuneração, entretanto, o indicador passou de 0,762 para 0,844 indicando que os trabalhadores têm se beneficiado do aquecimento do mercado com melhoria significativa em termos de remuneração. Finalmente, nos aspectos de qualidade do emprego e dos trabalhadores, o indicador também cresceu de 0,780 para 0,827 por conta da forte geração de empregos com carteira assinada e continuação do processo de aumento da escolaridade dos trabalhadores que tem sido verificado nos últimos anos.
A comparação entre os indicadores das seis regiões confirmam a manutenção dos desequilíbrios regionais do país e a situação mais favorável encontrada no Sul e Sudeste comparativamente ao Nordeste. Em março deste ano a região de São Paulo apresentava o indicador síntese mais elevado, chegando a 0,892, bem acima do obtido em Belo Horizonte (0,802), Rio de Janeiro (0,788) e Porto Alegre (0,785). Refletindo o atraso relativo da região Nordeste, o indicador síntese não passava de 0,638 em Salvador e 0,645 em Recife. Cabe notar que houve crescimento do indicador síntese nas seis regiões cobertas pela PME no último ano, especialmente em Salvador e Recife, mostrando que a melhora do mercado de trabalho é generalizada.
Um ponto interessante que merece ser discutido é a comparação entre os indicadores das seis regiões em março de 2003 e março de 2012. Surpreendentemente, se verifica que os indicadores síntese de Salvador e Recife em 2012 superam o valor encontrado em São Paulo em 2003 (0,548). Tal resultado aponta para a dimensão da melhoria observada na última década no mercado de trabalho metropolitano do país. Por outro lado, o fato das regiões mais atrasadas terem avançado proporcionalmente mais do que as demais, poderia estar sinalizando para a formação de um mercado de trabalho urbano mais nacional e menos regionalizado, com redução dos desníveis regionais.
Quanto às perspectivas do mercado de trabalho neste e nos próximos anos, dependem em grande parte do crescimento da economia brasileira no futuro. A taxa média de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) no período 2003/2011 foi de 4,2% ao ano. Portanto, se o crescimento se mantiver nesse patamar seria de se esperar a continuidade da melhoria. Estimativas nossas mostram que a economia brasileira necessita de cerca de 3,5% de crescimento anual do PIB para absorver o número de pessoas que entram no mercado de trabalho a cada ano de modo a não aumentar a taxa de desemprego.
Se as atuais metas governamentais para o crescimento econômico forem alcançadas o mercado de trabalho continuará aquecido nos próximos anos. Dessa forma, programas que contemplem a maior qualificação dos trabalhadores, como o Programa Nacional de Acesso à Escola Técnica (Pronatec), são muito bem-vindos para que não surjam gargalos no mercado de trabalho que prejudiquem o crescimento da economia no futuro.
João Saboia é professor titular do Instituto de Economia da UFRJ. Maiores informações sobre a metodologia utilizada podem ser obtidas com o autor pelo email: saboia@ie.ufrj.br.