Título: Telecom Italia diz adeus à convergência
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 12/09/2006, Empresas, p. B2

O aparelho telefônico Unico, da Telecom Italia, é um exemplo perfeito de como os mundos tecnológicos distintos das telecomunicações móvel e fixa podem hoje ser utilizados para oferecer aos consumidores um aparelho bastante útil.

Em casa, o Unico é um fone sem fio interligado à linha fixa doméstica. Fora de casa, ele funciona como um telefone celular interligado a uma rede de telefonia móvel.

Mas as agências fiscalizadoras do setor de telecomunicações decretaram que, por enquanto, somente um máximo de 30 mil italianos podem experimentar o Unico, e possivelmente somente durante seis meses.

A Telecom Italia quis fazer um grande lançamento, meses atrás, mas em vez disso nasceu um Unico emasculado, cambaleante, com grande atraso em relação ao cronograma.

As agência regulamentadoras receiam que a ex-monopolista possa conquistar uma vantagem injusta ao oferecer produtos que suas concorrentes encontrariam dificuldades para igualar.

O Unico é, portanto, uma parte da possivelmente menos citada e mais frustrante razão por trás do extraordinário comunicado de reestruturação divulgado ontem pela companhia. A convergência das telefonias móvel e fixa foi o mantra da companhia durante dois anos.

Por diversos motivos, entre eles os impedimentos regulatórios, essa convergência não se materializou tão rapidamente ou tão amplamente quanto previsto. Em março deste ano, a Telecom Italia anunciou que seu crescimento de receita diminuiria até 2008, e que suas margens permaneceriam inalteradas no mesmo período.

Isso aconteceu apesar de a companhia ter-se tornado mais eficiente internamente. Um compartilhamento limitado de funções permitiu que a Telecom Italia e suas subsidiárias em telefonia móvel reduzissem seus custos combinados em 3 bilhão de euros (US$ 3,8 bilhões) entre 2001 e 2003. Outro corte de 1,7 bilhão de euros foi assumido como meta entre 2005 e 2007, em parte resultante de uma redução líquida de até 1,5 mil postos de trabalho.

Agora, a convergência está sendo destronada. A companhia deverá concentrar-se em banda larga e em mídia, e poderá até mesmo vender no todo ou em parte suas subsidiárias de redes locais e de telefonia móvel.

Durante algum tempo, Marco Tronchetti Provera, o presidente da Telecom Italia, confiava em ser visto no comando de uma empresa de mídia, embora sem ter de vender as atividades da empresa fora do setor de mídia.

Em março, ele disse ao "Financial Times": "Mais cedo ou mais tarde, quando tiver passado a turbulência resultante de regulamentação, telefonia pela internet [e outras mudanças], o mercado compreenderá que continuamos incrementando nossa produtividade, e aplicará um múltiplo diferente [na avaliação das ações da Telecom Italia]".

Mas recados tranqüilizadores, ou mesmo paciência, já eram habilidades não comprovadas na Telecom Italia. Tronchetti, como presidente da Pirelli, fabricante de pneus, adquiriu a Telecom Italia por um preço extremamente alto, em 2001, em um negócio fortemente alavancado. De lá para cá, ele teve de monitorar constantemente a complicada interação de compromissos financeiros, endividamento, dividendos e juros.

Em março de 2004, Tronchetti disse que a compra dos 50% da Telecom Italia no setor de telefonia móvel que ainda não estavam sob seu controle não fazia sentido do ponto de vista estratégico.

No dezembro seguinte, em parte porque pôde fazê-lo sem colocar em risco a classificação de crédito da companhia, Tronchetti mobilizou 20 bilhões de euros para absorver a Telecom Italia Mobile em sua companhia, dizendo: "Uma reorganização é necessária para nos apropriarmos plenamente, em um período de importantes mudanças tecnológicas, dos benefícios da integração entre plataformas e serviços, e para garantir uma política consistente na gestão dos negócios".

A Telecom Italia é apenas uma entre muitas a mudar sua estratégia, mas analistas dizem que Tronchetti poderá ter de melhorar a credibilidade.

O Morgan Stanley informou ontem que "os administradores incorrem em algum risco para sua reputação, ao descartar a 'convergência' pouco mais de um ano após concluída a compra da TIM".

Mas outros concordam com Tronchetti: era necessário algo radical. A família Benetton, famosa por sua companhia no setor do vestuário, foi uma parceira no negócio fechado em 2001 e viu seu investimento de 1,5 bilhão de euros reduzido a apenas um terço de seu valor.

Gilberto Benetton foi excepcionalmente franco numa entrevista concedida ao jornal "Financial Times" neste ano, ao questionar, sobre a atual Telecom Italia: "Podemos dizer que essa é uma companhia que tende a crescer? Não. Não podemos afirmar isso atualmente".

Agora, os Benetton pelo menos receberão de volta algum dinheiro, se forem pagos aos acionistas da Telecom Italia dividendos especiais em função da venda de ativos como a TIM.

E, embora nenhuma decisão formal tenha sido tomada sobre vendas de ativos, Tronchetti provavelmente terá a oportunidade, afinal, de dirigir uma companhia no setor de mídia.