Título: Uso da terra fica mais concorrido
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Fonte: Valor Econômico, 29/05/2012, Especial, p. F1

Um número e uma letra, 4F, resumem as complexas questões relacionadas ao uso da terra que devem mobilizar de forma crescente a sociedade na medida em que as mudanças climáticas fiquem cada vez mais evidentes nos termômetros. "Food, fuel, fiber and forest (alimento, combustível, fibra e floresta natural) é o grande dilema hoje", define José Luciano Penido, presidente do Conselho de Administração da Fibria, empresa de produtos florestais, e co-chair do grupo florestal do Conselho Empresarial Mundial para o Desenvolvimento Sustentável (WBCSD).

Esses elementos sintetizam a dificuldade de fazer a produção agrícola crescer para alimentar uma população em curva ascendente, rumo a 9 bilhões de pessoas em 2050, que irá também demandar mais água, energia e bens de consumo. Tudo isso em um cenário que requer redução das emissões de gases de efeito-estufa (GEE), uso racional de recursos naturais e preservação dos biomas, essenciais para evitar catástrofes climáticas.

"Todos os modelos projetados pelo Inpe ou os outros que usamos indicam maior temperatura", afirma o pesquisador Gilvan Sampaio de Oliveira, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais. O aumento das emissões de GEE é um dos motivos dessa alteração, explica. O outro está nas mudanças do uso da terra. "Isso também altera o clima local." E muda datas de floração, plantio e colheita.

Existem razões de sobra para preocupação. Tanto em um cenário otimista, que considera o mínimo de perdas decorrentes de impactos climáticos, quanto em um cenário pessimista, que supõe o máximo de prejuízos, haverá quebras de produção e preços maiores, diz Leila Harfuch, pesquisadora sênior do Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (Icone). Esse futuro emerge das primeiras projeções de um estudo realizado em conjunto pela Embrapa, Inpe e Icone que será apresentado em junho na Rio+20, a conferência da ONU sobre desenvolvimento sustentável.

Em relação a uma linha de base que leva em conta a produtividade atual projetada para 2020 e 2030 sem os impactos climáticos, os cálculos iniciais do estudo apontam, por exemplo, redução de 3% na produção de grãos em 2020, consideradas as culturas de soja, milho, arroz e feijão. "Haverá impacto de aumentos em todas as atividades agrícolas. Em média, um crescimento de 5% no preço real", diz a pesquisadora.

Para que o Brasil desempenhe o papel de "celeiro do mundo" no futuro e aumente em 40% a produção no campo, de acordo com as projeções da FAO, há duas frentes estratégicas: aumento da produtividade e mitigação.

Espaço não chega a ser uma preocupação, pelo menos em médio prazo. "A adoção de medidas para melhorar a eficiência na agropecuária permite aumentar a produtividade sem derrubar uma árvore por décadas", afirma Carlos Rittl, coordenador do programa de mudanças climáticas e energia do WWF. Assim poderia se garantir a conservação de florestas, das beiras de rios e das áreas de proteção permanente, e portanto, a qualidade dos solos e da água e até a polinização, diz.

Não se trata de uma visão ambientalista ingênua e isolada. "Existe terra suficiente para atender essa demanda em expansão por energia e grãos, também crescente pela necessidade de inclusão social. A questão é mais de gestão territorial", afirma Arnaldo Carneiro Filho, diretor de planejamento territorial na Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE) do governo federal.

"É preciso começar pelo feijão com arroz, a capacidade de gestão espacial e a garantia de cumprimento da legislação", defende Ana Cristina Barros, representante nacional da TNC - ONG que concebeu um sistema para fazer o mapeamento ambiental de propriedades rurais e cadastrá-las para permitir o monitoramento das áreas de preservação permanente (APPs) e reservas legais. "O esforço de regularização para reduzir o risco de desmatamento, para nós é parte de uma estratégia para a América Latina para garantir a produção de alimentos com conservação", diz.

A otimização do uso do solo faz parte do arsenal do programa Agricultura de Baixo Carbono, ABC, do Ministério da Agricultura. Na safra 2011/2012, estão previstos R$ 3,15 bilhões para incentivar processos tecnológicos que neutralizem ou minimizem os efeitos das emissões no campo, informa Elvison Nunes Ramos, coordenador do departamento de sistemas de produção e sustentabilidade do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. São seis iniciativas: recuperação de áreas degradadas, fixação biológica de nitrogênio, sistema de plantio direto, integração lavoura-pecuária-floresta (iLPF), plantio de florestas e tratamento de resíduos animais.

Práticas como essas são essenciais para que o Brasil cumpra as metas voluntárias de redução das emissões de carbono entre 36,1% e 38,9% até 2020, diz José Roberto Rodrigues Peres, chefe-geral da Embrapa Cerrados. Se alcançar o objetivo de recuperar 15 milhões de hectares de pastagens até 2020, diz, o país evitará a emissão de 83 milhões a 104 milhões de toneladas de CO2 equivalente.

Há mais um elemento-chave para fechar a equação. "Tudo isso precisa em primeiro, segundo e terceiro lugar de pesquisa e inovação. Só isso vai nos salvar", afirma a senadora Katia Abreu (PSD-TO), presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA).

Mais tecnologia e mais manejo poderiam garantir o milagre da multiplicação. "Temos 236 milhões de hectares disponíveis para produção de alimentos, álcool e floresta. Se toda a tecnologia fosse aplicada em todas essas terras seria como se houvesse 300 milhões de hectares plantados no total."

"A grande palavra na agricultura é a questão da adaptação", avalia Paulo Cesar Sentelhas, professor associado da Esalq/USP, da área de agrometeorologia. O que se tem de fazer para que a produtividade não seja afetada? "A engenharia genética é uma resposta. Pode proporcionar materiais de ciclos mais longos ou materiais genéticos com mais resistência à seca."

"Isso poderia ser feito só com melhoramento genético tradicional, mas da forma como os investimentos foram direcionados nos últimos dez, vinte anos não tem volta, não tem como não manter os transgênicos", diz Cassio Franco Moreira, coordenador do programa de agricultura e meio ambiente do WWF Brasil. Melhoramento genético é só uma das alternativas. "Precisamos menos agrotóxicos, menos desmatamento. Acredito em uma composição de fatores", diz.