Título: Mandelson cobra concessões da indústria
Autor: Landim, Raquel
Fonte: Valor Econômico, 12/09/2006, Brasil, p. A3

O comissário de Comércio da União Européia, Peter Mandelson, cobrou mais concessões da indústria brasileira para destravar a Rodada Doha, da Organização Mundial de Comércio (OMC). Ele disse que a UE espera do Brasil um corte da tarifa máxima de importação de produtos industriais de 35% para 10,5%. Mandelson teve um encontro privado ontem pela manhã com representantes da indústria e do agronegócio na Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp).

No discurso de abertura da reunião, Mandelson enfatizou a falta de flexibilidade dos Estados Unidos para a redução de subsídios domésticos nas negociações de Doha por conta das eleições legislativas do país em novembro. Uma fonte presente ao encontro diz que a mensagem era clara: Brasil e UE são aliados, os EUA são o entrave. Os empresários entenderam o recado, mas disseram que queriam discutir o papel da Europa na OMC e a relação bilateral com o Brasil.

Eles reclamaram que era "óbvio" que os europeus estavam mais preocupados com suas relações com a Ásia do que com a América Latina. Disseram também que a UE perdeu o interesse pelo acordo com o Mercosul quando as discussões da Área de Livre Comércio das Américas (Alca) foram interrompidas.

Mandelson negou e responsabilizou a Argentina pelo impasse nas negociações entre Mercosul e UE. "O Brasil não conseguiu convencer a Argentina a fazer uma boa oferta em produtos industriais", disse o comissário, segundo uma fonte presente ao encontro. Ele ressaltou que a UE deseja o acordo, mas que antes é necessário avançar na OMC.

Os empresários perguntaram o que a UE esperava do Brasil na área industrial. Mandelson foi objetivo: o bloco pede que o país aceite a fórmula Suíça 15, o que representa redução da tarifa máxima de 35% para 10,5%. Ele argumentou que o corte não seria tão profundo, porque, com as flexibilidades permitidas, a tarifa média seria de 20%. Os empresários afirmaram que está "fora de questão". Reforçaram que a posição do Brasil é a fórmula Suíça 30, que significa corte da tarifa máxima de 35% para 16%.

Em um discurso na Fundação Armando Álvares Penteado (Faap) ao meio-dia, logo após a reunião na Fiesp, Mandelson deu uma explicação macroeconômica para suas demandas. "Acredito que a economia do Brasil pode confortavelmente absorver alguma liberalização real adicional", disse. "Brasil, Índia e China cortaram suas tarifas ao longo da última década porque faz sentido economicamente".

Mandelson defendeu que a substituição do modelo protecionista dos anos 80 pela liberalização do comércio está garantindo um bom desempenho para as economias desses grandes países emergentes. Segundo ele, a Rodada Doha pede "um passo adicional" nessa direção.

Na Fiesp, os representantes do agronegócio criticaram a proposta da UE para agricultura. Na sua avaliação, a oferta não representará uma abertura significativa. Eles estão preocupados com os produtos sensíveis. Mandelson perguntou qual seria um percentual de sensíveis aceitável para o Brasil. Os empresários disseram 1%. O comissário não respondeu, mas fez uma cara pouco amistosa. Mais tarde em conversa com a imprensa, fez questão de frisar que a proposta da UE é de "mais de 8%".

Outro tema que provocou controvérsia foi a ameaça da UE de reclassificar a carne de frango brasileira para aumentar as tarifas de importação. Os representantes do agronegócio disseram que a mudança elimina os ganhos do painel vencido pelo Brasil na OMC. Mandelson contra-argumentou que a UE está respeitando as regras e oferecendo cotas em compensação.

Em entrevista na Faap, Mandelson classificou a indústria brasileira de "cautelosa". Segundo fontes presentes à reunião na Fiesp, os debates foram acalorados, mas em clima de cordialidade. Ao sair do encontro, o comissário europeu brincou: "Aqui a artilharia é pesada".