Título: Atritos entre Argentina e Brasil diminuem
Autor: Rocha, Janes e Landim, Raquel
Fonte: Valor Econômico, 12/09/2006, Brasil, p. A4

Os acordos entre os setores privados ajudaram a reduzir o nível de atrito comercial entre Brasil e Argentina, ao mesmo tempo em que ambos os países aumentaram as barreiras contra os produtos chineses que estão invadindo as lojas dos dois principais países do Mercosul.

Segundo dados da Secretaria de Comércio do Ministério da Economia argentino, de 40 processos por direitos antidumping, compensatórios e medidas de salvaguardas abertos pelo país contra produtos estrangeiros e vigentes no dia 1º de julho de 2006, nove envolviam o Brasil isoladamente ou com outros países. Do restante, 16 processos eram contra produtos chineses, o país com mais processos abertos pelos argentinos.

A China também é o alvo preferencial dos empresários brasileiros. Das 50 medidas antidumping ou de salvaguardas aplicadas pelo Brasil em vigor em agosto deste ano, 11 eram contra produtos chineses, aponta o Departamento de Defesa Comercial (Decom), do Ministério do Desenvolvimento. Os Estados Unidos são o segundo país mais punido pelos brasileiros, com quatro processos. Contra a Argentina, existem apenas três medidas em vigor: leite em pó, resinas de PET, e fosfato monocálcico, matéria-prima usada pela indústria alimentícia.

De acordo com um levantamento da consultoria especializada em comércio exterior Abeceb.com, a "superfície de atritos" entre Brasil e Argentina hoje é menor, com apenas seis setores em disputas abertas entre os anos de 2003 e 2005 que ainda não encontraram um acordo favorável a ambas as partes, de um total de 22 setores sob acompanhamento da Comissão de Monitoramento do Comércio Brasil-Argentina.

Estão sem solução divergências envolvendo aparelhos de ar-condicionado, cilindros de gás, colheitadeiras, carne suína, fios e tecidos de algodão. Em dois setores - calçados e linha branca (fogões, geladeiras e lava-roupas) - os acordos de restrição voluntária expiraram e a situação atual é de impasse.

A Argentina abriu apenas um processo antidumping contra o Brasil em 2002, dois em 2003, quatro em 2004 e dois em 2005 (sete contra a China em 2005). Neste ano, os argentinos iniciaram três investigações antidumping contra o Brasil: transformadores elétricos, móveis e copos de vidro.

No setor automotivo, o mais sensível da relação comercial entre Brasil e Argentina, as discussões foram amenizadas, ao menos temporariamente, pela renovação do mecanismo que regula o comércio no setor até 2008. Os dois países também assinaram, no início do ano, o Mecanismo de Adaptação Competitiva (MAC), espécie de salvaguarda, a pedido da Argentina. Até agora, o MAC não foi acionado por nenhuma das partes. "As disputas comerciais diminuíram porque houve o acordo automotivo e hoje o câmbio é muito mais favorável à Argentina", comentou o economista Miguel Ángel Broda, do Estudio Broda & Associados.

"O clima hoje está mais distendido", diz Maximiliano Scarlan, analista da área de comércio exterior da Abeceb.com. Para Scarlan, ajudou a "distensão" o fato de que, depois da crise que abateu a Argentina em 2001 e 2002, o país vem recuperando seu comércio, melhorando os níveis de exportações, enquanto do ponto de vista político, houve uma maior aproximação entre os dois países.

Em um relatório divulgado semana passada, a consultoria aponta que a crise argentina ampliou as diferenças com o Brasil nas diversas variáveis econômicas e produtivas, mas nos últimos dois a três anos, a recuperação da economia argentina - que entre 2002 e 2005 cresceu 29,5% diante de apenas 7,9% do Brasil - permitiu um estreitamento das diferenças.

Um histórico das medidas antidumping e de salvaguardas aplicadas pelo Brasil deixa claro quais são os principais temores do empresariado nacional. Entre 1988 e 2005, o Brasil implementou 122 medidas contra a prática de comércio desleal. A China foi alvo de 25 medidas - líder absoluta. Depois aparecem os Estados Unidos, com 33 processos, e a Índia, com 10. Em quase 20 anos, o Brasil aplicou apenas quatro medidas antidumping contra a Argentina.

Ao contrário do que se poderia imaginar, a Argentina não é o país que mais incomoda o Brasil com medidas antidumping. Segundo o Decom, em 31 de dezembro de 2005, os argentinos aplicavam seis medidas antidumping contra o Brasil. Já os Estados Unidos tinham em vigor 19 medidas contra o país.

"A China é o principal alvo de defesa comercial do mundo. E os Estados Unidos são o país com mais tradição em utilizar esse tipo de mecanismo", diz Rabih Ali Nasser, professor de direito internacional da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e sócio do escritório Albino & Advogados Associados, que acompanha de perto as investigações antidumping. Na sua avaliação, dois fatores explicam o baixo número de processos antidumping do Brasil contra a Argentina. As exportações argentinas para o país estão concentradas em poucos setores, como automotivo, trigo e derivados de petróleo. Além disso, o Brasil, em seu papel de líder do Mercosul, tende a ser brando com a Argentina.

Se o Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil cresceu menos que o da Argentina nos últimos anos, as exportações brasileiras registram taxas muito superiores em relação ao vizinho. Depois da desvalorização do real em 1999, as exportações brasileiras cresceram 146%, atingindo US$ 118,3 bilhões atualmente e as importações, acumuladas em US$ 73,5 bilhões, cresceram 49%, permitindo ao Brasil ter saldo positivo da balança comercial de US$ 44,8 bilhões em 2005.

Já na Argentina, enquanto as vendas ao exterior cresceram 56% depois da desvalorização do peso em 2002, atingindo US$ 40 bilhões em 2005, as importações aumentaram 219%. O saldo comercial do país foi superavitário em 2005 em US$ 11,3 bilhões. No entanto, esse resultado foi 32% menor que em 2002. Em agosto, o déficit comercial da Argentina com o Brasil atingiu US$ 424 milhões.