Título: País substitui salvaguarda por dumping contra China
Autor: Landim, Raquel
Fonte: Valor Econômico, 12/09/2006, Brasil, p. A4

O governo brasileiro inicia até o fim desta semana quatro novas investigações de dumping contra a China: óculos, escovas de cabelo, pedivela e alto-falantes. Para evitar um constrangimento diplomático e arrancar alguma concessão, o Brasil desistiu nesses casos de adotar salvaguardas contra o país e preferiu o antidumping.

A circular de abertura das investigações de dumping será publicada no "Diário Oficial da União". Esses processos podem demorar oito meses. E, por enquanto, o Brasil decidiu não aplicar medidas provisórias de restrição das importações.

Os fabricantes de óculos pedem a adoção de uma sobretaxa que garanta que o quilo de armações de óculos chineses chegue ao país por US$ 560. Hoje sai US$ 8. No processo antidumping, foram utilizados como referência os países europeus, onde o quilo de armação de óculos custa mais de US$ 500.

Já os fabricantes de alto-falantes pedem uma tarifa média de antidumping de 173%, variando entre 158% e o pico de 841%. A referência é o preço cobrado na Tailândia. Essas são algumas das demandas da indústria, mas a avaliação do governo brasileiro só será conhecida quando a petição for publicada.

Em abril deste ano, o Brasil informou à China sua intenção de adotar salvaguardas para alguns produtos. Os países tiveram duas rodadas de negociação, em Brasília e em Pequim, com participação do setor privado. Estavam em discussão os casos de óculos, pedivela e escovas. Mas as negociações se arrastaram e os processos de salvaguarda não foram abertos.

Os chineses estão reticentes a aceitar salvaguardas em diferentes setores. Até agora, Pequim se comprometeu apenas com acordos de restrição voluntária no setor têxtil com Brasil, Estados Unidos e União Européia. No caso dos brinquedos brasileiros, foram os setores privados dos dois países que chegaram a um entendimento.

As salvaguardas contra a China fazem parte do protocolo de entrada do país na Organização Mundial de Comércio (OMC), mas Pequim considera uma discriminação. A China queria evitar que os processos do Brasil se tornassem um precedente para parceiros comerciais mais importantes. Segundo fontes do setor privado, o governo dos Estados Unidos observava de perto a iniciativa brasileira.

Para evitar esses constrangimentos, o Brasil optou por utilizar o antidumping, mais palatável para os chineses. A China é o país mais processado do mundo com esse mecanismo de defesa comercial. Além disso, trata-se de uma investigação mais simples. Praticar dumping significa exportar por um preço inferior ao do mercado interno. Já na salvaguarda, o país deve provar que um surto de importações está provocando dano à indústria nacional. Também é necessário adotar um programa de adaptação da indústria.

Os envolvidos nos processos não reclamam das mudanças. "Precisamos é de alguma proteção. Se o processo for andar mais fácil, melhor", diz um empresário. Eles aproveitaram informações que já haviam sido recolhidas e transformaram os pedidos de salvaguarda em petições de dumping.

Apesar dos cuidados do governo brasileiro, os processos de dumping podem desagradar aos chineses. Os cálculos consideram os preços de terceiros mercados, devido à influência do Estado na economia chinesa. Mas a promessa do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de reconhecer o país como economia de mercado, feita em 2004, impediria esse tipo de conta. Mas o Brasil ainda não regulamentou o novo status chinês, argumentando que faltam contrapartidas em investimentos prometidas na época. Somados aos casos já abertos para ferro de passar e chapas de alumínio, serão seis os processos de dumping abertos depois da promessa de Lula.