Título: A ciência, a indústria e o desenvolvimento técnico
Autor: Fonseca, José Wladimir Freitas da
Fonte: Valor Econômico, 12/09/2006, Opinião, p. A12

Os economistas reconhecem que as diferentes teorias da firma repousam sobre uma hipótese implícita na qual a mesma é concebida como um dispositivo cujo objetivo é resolver "problemas de informação". Isso se aplica evidentemente nas relações pesquisa-indústria, onde se abre o debate sobre o papel da "produção de conhecimento" e da "tecnologia", considerados como variáveis essenciais na dinâmica das organizações produtivas e, bem entendido, para o desenvolvimento econômico: inovação, transferência, valorização e industrialização, que estão assim associados aos problemas "de informação" e de "produção de conhecimentos e de técnica" e exprimem o vigor desta relação. A incorporação da ciência e da técnica é relativamente recente, e ela se faz principalmente por meio do estudo desenvolvido em economia industrial. Neste quadro redefinido, o objetivo consiste em analisar as relações que se estabelecem entre os laboratórios públicos de pesquisa (ou o pesquisador) e o tecido industrial (ou o empresário) através de sínteses teóricas e/ou de estudos empíricos, tentando determinar as condições de integração da ciência e da técnica nas construções econômicas.

Todavia, mesmo com o testemunho de vários autores, estas tentativas não resultaram em uma resposta razoável para tal processo. Para alguns, e de forma puramente pontual, certas abordagens facilitam a compreensão destas relações, mas geralmente os estudos ficam muito descritivos e parciais e neste sentido eles esclarecem apenas uma parte da problemática do conjunto: sejam os autores que se detêm a uma análise da ciência e as condições de sua integração no discurso econômico, seja o problema posto em termos de inovação que se posiciona a jusante da relação. Em todos os casos, é impossível dispor de uma visão do conjunto do processo que articula ciência e indústria.

Nesse sentido, este artigo emite a hipótese de que os processos de valorização e de industrialização dos conhecimentos repousam sobre a especificidade das ciências modernas, que entra numa relação particular com a técnica - que, por sua vez, vem orientar as ciências modernas, conferindo assim um sentido singular. Assim, a penetração dos processos técnicos na construção dos conhecimentos constitui um lugar de passagem obrigatório para a industrialização.

Na análise da relação específica que existe entre a ciência moderna e a técnica é que podemos encontrar um esclarecimento particular para uma relação que articula ciência-técnica-indústria. O entendimento desta articulação é facilmente percebido nos setores da agricultura e na indústria.

-------------------------------------------------------------------------------- Políticas públicas são ineficientes e a classe empresarial brasileira não valoriza as parcerias público-privadas --------------------------------------------------------------------------------

No entanto, é importante notar que esta relação ciência-técnica-indústria não é linear, na medida em que existe uma comunicação permanente entre os três elementos da articulação. Um exemplo esclarecedor merece atenção. Imaginemos um novo pesticida, desenvolvido pelos laboratórios, que tem como objetivo acabar com as pragas nas lavouras de algodão. Para que este pesticida exista, um grupo de pesquisadores desenvolveu em laboratório o conhecimento necessário para este pesticida. Num passo seguinte, um outro grupo de técnicos e engenheiros vão se apropriar deste conhecimento e testar este objeto de conhecimento colocando-o no ponto, conhecido como etapa técnica. O passo final é a industrialização deste objeto para atender uma demanda do mercado. Até aí nada de novo, mas imagine que o pesticida, mesmo que testado, sofra uma mutação e acabe com a lavoura. A indústria, por sua vez, tem condições de levar o problema ao laboratório ou aos técnicos para verificar qual etapa deste processo teve falha, e corrigir o problema. Logo, esta relação não pode ser pensada de forma linear.

Tentando trazer estes três elementos para a atualidade brasileira, percebe-se que pelo menos dois problemas se revelam: a ineficiência das políticas públicas e o profundo desconhecimento da classe empresarial brasileira sobre a necessidade da parceria público-privada. Concernente às políticas públicas, refiro-me particularmente ao descaso em que o Estado se posiciona quanto ao investimento nas universidades públicas, na medida em que é delas que se subtrai a produção do conhecimento. De um lado do problema temos o pesquisador que precisa ser formado num período não inferior a 12/15 anos (contando a graduação, mestrado e doutorado) e que, ao cabo desse período, seu incentivo financeiro (salário) para continuar na carreira é desestimulante, quando comparamos com outras carreiras que exigem uma formação mais curta e com um grau menor de aperfeiçoamento. Do outro lado do problema, está o investimento em novos laboratórios de pesquisa, materiais de precisão etc. É bastante curioso quando observamos, por exemplo, algumas universidades privadas que estão alguns anos na frente das universidades públicas, quando se trata de investimentos neste quadro geral (mais curioso ainda é que a produção do conhecimento está nas universidades públicas e não nas universidades privadas). Recentemente, o governo federal anunciou aos quatro ventos um reajuste salarial para os professores e pesquisadores de mais de 30%, quando na verdade este aumento representou pouco mais de 7%. A pergunta que faço é: até que ponto o processo de produção de conhecimento para a inovação continuará a ser negligenciado pelo Estado? Talvez uma saída seja aquela implementada na França, em 1999, pelo ministro Claude Allègre, onde foram criados os genopólos, uma sorte de extensão dos tecnopólos, onde o primeiro está relacionado ao quadro das biotecnologias, a partir da iniciativa dos poderes públicos, representando uma sistematização dos centros de transferência locais que concernem a diversos laboratórios públicos e a diversas indústrias locais. Criados sobre nove regiões eles colocam em relação os laboratórios públicos de pesquisa, as universidades e as empresas.

Quanto ao segundo problema, as empresas que apostam em processos de inovação como planos estratégicos devem procurar a técnica e, bem entendido, os processos técnicos como molas propulsoras e dinâmicas para o desenvolvimento, o que se traduz pelo investimento nesses procedimentos. Todavia há um certo desconhecimento da classe empresarial brasileira quanto a esta aproximação, que tem se tornado muito fecunda em outros países. A aproximação aqui é exatamente esta, onde a indústria caminha com os laboratórios de pesquisa, na medida em que, se por um lado a produção de conhecimento está nas universidades públicas, seu processo de industrialização está nas indústrias. Divorciar esta parceria é negar o próprio processo de inovação.

Por fim, e longe de esgotar o tema, é importante notar que, mesmo com a eficiência do setor público (esfera federal), com investimento nas universidades públicas e com a parceria das empresas, é necessário se ter em mente que este processo deve ter uma sorte de sincronia, na medida em que o processo de inovação, como disse anteriormente, não é um processo linear e desconectado com seus elementos, sejam eles o conhecimento, a técnica e por fim o produto dali subtraído.

José Wladimir Freitas da Fonseca é Doutor em Ciências Econômicas pela Universidade de Toulouse I - França, professor do departamento de economia da UFPR e consultor de empresas. E-mail: wladi@ufpr.br