Título: Aprendendo com o México
Autor: Bremmer, Ian
Fonte: Valor Econômico, 12/09/2006, Opinião, p. A13

Em 2 de julho, o México realizou uma eleição presidencial que desencadeou aquilo que se transformou numa amarga batalha política. Depois de o candidato conservador Felipe Calderón ter sido declarado o vencedor por menos de 1% dos votos, seu rival populista, Andrés Manuel Lopez Obrador, imediatamente alegou fraude. Ao longo dos dois meses passados, milhares dos mais fervorosos partidários de Lopez Obrador transformaram o Zocalo, a praça no centro da Cidade do México, num mar virtual de barracas - o centro de gravidade da oposição ao resultado oficial.

Em 1º de setembro, dezenas de parlamentares da oposição produziram um espetáculo, em horário nobre e dentro do parlamento do México, ocupando a tribuna do presidente da Câmara Legislativa e negando ao presidente Vincent Fox a oportunidade de fazer seu último pronunciamento em pessoa sobre a União. Quatro dias depois, a mais alta instância eleitoral do país deliberou que Fox havia interferido impropriamente na eleição, porém reafirmou a vitória de Calderón por unanimidade. Lopez Obrador prometeu obstruir a presidência de Calderón a partir do momento em que este assumir o cargo, em 1º de dezembro.

Aprendemos muito com a estabilidade efetiva de um país observando como ele reage a uma crise. Conflitos eleitorais semelhantes ocorreram nos Estados Unidos, em 2000, e na Ucrânia, em 2004. Na esteira de eleições presidenciais ferozmente contestadas, um grande número de eleitores em cada país questionou a legitimidade do resultado. As mais altas cortes do país foram instadas a deliberar sobre a necessidade de uma recontagem de votos.

A estabilidade política dos EUA, porém, jamais esteve em dúvida em 2000, porque a confiança do público nas instituições que regem o país lhes permitiu solucionar o conflito pacificamente. Estas instituições provaram-se muito mais poderosas que as personalidades políticas envolvidas.

Na Ucrânia, por outro lado, a indignação pública, reforçada pela pressão internacional, imobilizou o governo. Numa segunda votação, o perdedor da eleição foi coroado vencedor. A euforia inicial que acompanhou a chamada "revolução laranja", porém, desapareceu gradualmente, e a Ucrânia ainda está às voltas com as conseqüências políticas e econômicas.

O que, então, devemos deduzir a respeito do México e da sua disputada eleição? Neste caso também um vasto segmento do eleitorado disse aos institutos de pesquisa que eles duvidavam da legitimidade do resultado oficial. O Judiciário rejeitou pedidos de uma recontagem completa, embora tenha examinado praticamente 9% dos votos antes de decretar que a reavaliação não indicava qualquer contestação ao resultado da eleição. A exemplo de Viktor Yushchenko da Ucrânia, que perdeu a eleição inicial na Ucrânia, Lopez Obrador exigiu que o resultado fosse impugnado. Ao contrário do caso Yushchenko, o pedido foi negado.

-------------------------------------------------------------------------------- A volatilidade política e do mercado em vários países emergentes deve continuar, mas parte deles ruma para uma governança sustentável --------------------------------------------------------------------------------

A boa notícia para o México, porém, é que as instituições políticas do país provaram ser mais estáveis que as da Ucrânia. Apesar dos melhores esforços de Lopez Obrador de criar caos nas ruas, com demonstrações públicas envolvendo centenas de milhares de manifestantes, o sentimento de confiança nacional e internacional continua sólido. O peso praticamente não se moveu desde a eleição - numa clara indicação de que os investidores não perderam a fé no país. Sua capacidade de resistência é importante, pois os temores de instabilidade do mercado muitas vezes se transformam em uma profecia que se auto-realiza.

O ponto não é que o sentimento (ou falta) de confiança do público numa eleição não seja importante. Mas o quadro mais amplo - se, como no México, um país é capaz de continuar tocando a vida enquanto as suas instituições colocam a casa em ordem - importa muito mais. Ao contrário do que aconteceu na Ucrânia, os investidores deram de ombros às barulhentas manifestações na Cidade do México e se mantiveram concentrados nas taxas de juros e nas oscilações da economia global. Esta atitude indica que os princípios dominantes e as robustas instituições políticas, e não pessoas influentes, tornaram-se o alicerce da governança mexicana.

De fato, enquanto Lopez Obrador continua denunciando o resultado e ameaça tornar o México ingovernável, a crescente classe média mexicana aceitou o conflito com serenidade. Muitos dentre os que apoiaram a candidatura de Lopez Obrador não apóiam os protestos pós-eleitorais feitos em seu nome. Uma pesquisa recente publicada no jornal "Reforma" mostrou que Calderón agora o derrotaria por uma margem de 19 pontos percentuais. Os eleitores podem preferir Lopez Obrador, mas valorizam a estabilidade do México acima de tudo.

Além disso, durante o impasse político, Calderón atuou por trás dos bastidores para formar um governo e consolidar uma estratégia de governo. Ciente de que ele precisa promover uma sensação mais ampla de legitimidade política, seu gabinete provavelmente incluirá representantes de outros partidos políticos. Ele provavelmente introduzirá medidas para tratar da pobreza e gerar empregos.

A tarefa de Calderón não será fácil. Lopez Obrador e seus partidários deverão atuar incansavelmente para frustrar os seus planos. Eles provavelmente não conseguirão sabotar o seu governo.

A estabilidade subjacente evidenciada pela crise pós-eleitoral do México também está evidente em outros lugares na América Latina. Seja qual for o potencial para uma guinada à esquerda neste ano em alguns países latino-americanos, outros países, incluindo México, Chile e Brasil, são visivelmente menos vulneráveis ao tipo de governo populista que presenciamos na Venezuela e Bolívia. Líderes eleitos nesses países enfrentam limitações institucionais - parlamentos que controlam os poderes do Executivo e tribunais que controlam os poderes de ambos - na sua capacidade de moldar a política.

Certamente, a volatilidade política e do mercado numa vasta gama de economias de mercados emergentes deverá continuar. Parte delas, porém, aparenta ter se "graduado" rumo a uma estabilidade arraigada na governança sustentável. Além da América Latina, vários países da Europa Oriental oferecem exemplos prontos. Nestes países, temas regulatórios e tributários agora afetam a sensação de confiança de forma mais profunda e coerente do que a tensão política. Muitas pessoas nos meios de comunicação podem ainda não ter compreendido isto. O mercados, porém, compreendem. Ainda que a saga da eleição do México continue produzindo manchetes, o seu verdadeiro significado é que ele revela em que lugar politicamente vigoroso aquele país se transformou.

Ian Bremmer é presidente do Eurásia Group, uma consultoria de risco político global; é o autor de "The J Curve: A New Way to Understand Why Nations Rise and Fall" (A curva J: Uma nova forma de entender por que países ascendem e caem). © Project Syndicate 2006. www.project-syndicate.org