Título: Poder nas Assembléias é ameaçado pela cláusula
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Fonte: Valor Econômico, 12/09/2006, Especial, p. A14

Fenômeno recente na Câmara Federal, cujos dois últimos presidentes vieram de partidos pequenos - Aldo Rebelo (PCdoB) e Severino Cavalcanti (PP) - , a força das legendas minoritárias virou tradição nas Assembléias Legislativas. O exemplo mais eloqüente é José Carlos de Oliveira, eleito pelo PSL de Rondônia. Até o mês passado, Carlão, como é conhecido, ocupava a presidência da Assembléia Legislativa do Estado, até ser preso pela Polícia Federal sob a acusação de ter negociado a aprovação de reforços orçamentários ao Judiciário. Em troca, oferecia favores na tramitação de processos, nos quais é réu na justiça rondonense.

Se a cláusula de desempenho, ou de barreira como é mais conhecida, estivesse em vigor na eleição passada, a legenda de Carlão não lhe possibilitaria ser candidato à Presidência da Casa. Os integrantes de partidos que não ultrapassarem a cláusula (5% dos votos nacionais e 2% em nove Estados) não poderão disputar cargos na hierarquia interna do parlamento.

A exemplo de Rondônia, a cláusula deverá afetar fortemente o conjunto das 27 Assembléias Legislativas do país.

Tirando os partidos que estão assegurados na próxima legislatura (PMDB, PSDB, PT e PFL), as legendas que correm o risco de serem barradas pela cláusula congregam a maioria dos parlamentares em nove Estados. Nesse bloco incluem-se Alagoas e Amazonas, onde estão filiados a partidos-alvo da cláusula mais de 70% dos parlamentares. Apenas em seis Estados do país, a presença desses partidos nas Assembléias é minoritária. O Estado com a menor presença proporcional dessas legendas é a Paraíba, onde não se registra a filiação de deputados a partidos nanicos e as legendas médias têm apenas (19,4%) dos votos.

Pela lei, são os votos obtidos pelos partidos na disputa pela Câmara Federal que determinarão sua sobrevivência nas Assembléias, ainda que, em determinados Estados, as legendas nanicas tenham votação expressiva. Na Câmara Federal estão representados hoje 16 partidos. Devem sobrar sete ou oito. No conjunto das Assembléias Estaduais, têm assento 20 partidos. Sobrarão os mesmos sete ou oito da Câmara.

A grita contra a cláusula é geral. Na Bahia, os parlamentares ainda não têm estratégia contra as restrições da nova regra. Deputados de partidos menores não dão sinais de que mudarão de legenda, mas cresce a expectativa de que a troca de partidos poderá se acelerar na próxima legislatura. "Somos completamente contra (as restrições) e vamos tentar lutar contra elas", diz o deputado estadual Javier Alfaya (PCdoB), que tenta a reeleição.

Na atual legislatura, Alfaya presidiu a comissão de emprego e renda da Assembléia Legislativa baiana, posto depois entregue a um correligionário. Se reeleito e seu partido confirmar as dificuldades para ultrapassar a cláusula, não poderá voltar a ocupar cargos semelhantes. "Essa regra vai criar o deputado de segunda categoria e consolidar o status quo. É completamente anti-democrática", diz Alfaya.

Como a regra terá como base a eleição para o Congresso, a migração partidária será muito mais forte nas Assembléias Legislativas que na Câmara federal, avalia o deputado estadual Roberto Muniz (PP). "O bolo de recursos partidários, como tempo de TV, será definido lá em cima (no Congresso). A mobilidade será maior aqui embaixo".

Na Assembléia baiana, o regimento determina que um partido pode formar um bloco se tiver pelo menos seis representantes - o recurso permite, por exemplo, a requisição de mais tempo para a discussão de projetos em tramitação na casa. Esses blocos devem ser a alternativa para a sobrevivência das legendas pequenas. "Agora a guerra é para conseguir cumprir os requisitos para transpor a cláusula. A migração deve acontecer depois", acredita o presidente do PT de Santa Catarina, Nelson Müller.

As estratégias dos partidos pequenos e médios nos Estados têm sido variadas, mas a maioria aposta na eleição "dobrada" de deputado estadual com a federal, transformando os candidatos às Assembléias em puxadores de voto para a Câmara.

Em Santa Catarina, a cláusula de barreira levou partidos como o PTB a aumentar o número de candidatos. O partido também lançou candidato a vice-governador já com a perspectiva de uma maio exposição. A chapa foi lançada em aliança com O PSB, outro partido na linha de risco da cláusula. Embora seu partido esteja ameaçado pela nova legislação eleitoral, Parisotto a defende por considerá-la o início da reforma política no país.

Hoje, os partidos pequenos que têm representação na Assembléia catarinense possuem apenas um integrante cada um. São eles: PL, PSB, PPS, PDT, PTB e P-SOL. Com uma estratégia diferente, o Partido Popular Socialista (PPS) lançou apenas um nome para deputado federal no Estado para tentar concentrar os votos do partido. Ele ainda se integrou a uma chapa forte no Estado, a do governador que tenta a reeleição e é apoiado por PSDB e PFL. O secretário estadual do PPS, Dércio Knop, descarta a possibilidade de não atingir a cláusula de barreira. Segundo Knop, já há negociações para que PV e PHS se coliguem com o PPS. "A cláusula de barreira é uma camisa de força. Querem calar a voz de quem pensa diferente", criticou.

A disputa pela Assembléia gaúcha mostra que os partidos nacionalmente fortes e que têm deficiências pontuais nos Estados podem tentar repará-las a partir de 2007. É o caso do PSDB gaúcho, que tentará atrair parlamentares do PP e do PDT siglas que têm mais tradição eleitoral no Estado, mas que podem cair na malha da cláusula.

Em contrapartida, esses partidos lançaram mão de suas lideranças regionais para tentar ultrapassar os limites da cláusula na Câmara federal, determinante para o resto do país.

No PDT, Carlos Eduardo Vieira da Cunha, eleito para a Assembléia Legislativa com 62,9 mil votos em 2006, concorre agora a deputado federal. O partido também conta com o ex-secretário da Educação no atual governo, José Fortunatti, que em 2000 foi o vereador mais votado em Porto Alegre (40 mil votos) quando ainda fazia parte do PT, para compensar a saída do deputado federal Alceu Collares, que neste ano concorre a governador.

No PP, a tarefa de ajudar a puxar votos para a legenda federal coube a Vilson Covatti, deputado estadual gaúcho mais votado na última eleição, com 94 mil votos. Com ele, o partido tentará minimizar perdas como a dos deputados federais Júlio Redecker, que migrou para o PSDB, João Augusto Nardes, que assumiu como ministro do Tribunal de Contas da União, e Francisco Turra, candidato ao governo do Estado.

O PCdoB gaúcho vai para a disputa da Câmara com a vereadora em Porto Alegre Manuela D' Ávila, de 23 anos, eleita com 9,5 mil votos em 2004. Ela é a esperança para atrair o eleitorado jovem, já que o nome mais forte do partido no Rio Grande do Sul, a deputada estadual Jussara Cony, vai disputar o cargo de vice-governadora na chapa de Olívio Dutra. No PT e no PMDB, nenhum deputado estadual tentará a eleição para o Congresso Federal. (Cristiane Agostine, de São Paulo; Patrick Cruz, de Salvador; Vanessa Jurgenfeld, de Florianópolis; e Sérgio Bueno, de Porto Alegre)