Título: Governo estimula construção civil
Autor: Ribeiro, Alex
Fonte: Valor Econômico, 13/09/2006, Finanças, p. C1

O governo anunciou ontem um pacote de medidas para estimular o setor da construção civil, sobretudo por meio de financiamentos imobiliários. As principais novidades são os juros prefixados no Sistema Financeiro da Habitação (SFH), a retirada de entraves que impediam o uso do crédito consignado na aquisição da casa própria e uma nova tentativa de fazer deslanchar, na Caixa Econômica Federal, o financiamento à produção.

As medidas foram anunciadas no Palácio do Planalto, com a presença do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O pacote é voltado sobretudo para a classe média e tem forte apelo eleitoral. "O setor da construção civil permaneceu estagnado muitos anos no Brasil", discursou o ministro da Fazenda, Guido Mantega. "O crédito está avançando de forma excepcional. A cada ano estamos duplicando ou triplicando o volume de crédito na economia."

Embora as novas contratações de crédito tenham aumentado 92,2% de janeiro a julho, comparativamente ao mesmo período do ano passado, o estoque de crédito avança a taxas mais modestas. Segundo o Banco Central, o crédito habitacional cresceu 22,2% nos 12 meses encerrados em julho, e o crédito total da economia aumentou 21,8%.

Hoje, será publicada uma medida provisória (MP) que permite que sejam usadas taxas de juros prefixadas no SFH. Até então, era autorizado apenas o uso de juros pós-fixados, representados pela taxa referencial (TR) acrescida de até 12% ao ano. Agora podem ser usados os dois sistemas.

O governo decidiu, porém, fixar um teto para os juros prefixados. Os bancos não poderão cobrar mais do que a TR do dia, anualizada, acrescida de 12%. Exemplo: se hoje a TR anualizada equivale a 2,3% ao ano, o banco irá travar essa taxa e somará a ele 12%. Assim, neste exemplo, cobraria um juro prefixado de 14,3% ao ano. Na próxima reunião ordinária do Conselho Monetário Nacional (CMN), marcada para o dia 21, será definida com detalhes a fórmula de cálculo da TR anualizada.

Na verdade, houve um recuo do governo, que pretendia fixar um teto puro de 12% para os juros prefixados, sem a TR travada. Os bancos eram contra. Pela regra atual, a taxa de 12% pode ser usada, mas não é um teto.

Segundo o secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Júlio Sérgio Gomes de Almeida, também irá valer para o crédito com juro prefixado a regra do multiplicador, que concede incentivos para os bancos financiarem imóveis de menor valor com juros mais baixos. Por essa regra, bancos que, por exemplo, cobrarem taxas equivalentes à TR travada mais 10% ao ano poderão contar mais vezes o financiamento para fins de cumprimento da exigência de aplicação em financiamentos imobiliários de 65% dos recursos captados em caderneta de poupança.

Também está sendo modificado o decreto nº 10.820, que regulamenta o crédito consignado, para permitir que esse tipo de operação seja feita com parcelas variáveis nos financiamentos à casa própria. Hoje, o crédito consignado na habitação já é permitido. Mas os bancos não faziam essas operações porque a regra obrigava o uso de parcelas fixas, enquanto a prática do mercado é usar parcelas variáveis.

A maior parte dos contratos é indexada à TR e, por natureza, tem parcelas que variam. Mesmo nos casos em que os bancos cobram juros prefixados as parcelas não são necessariamente fixas. Quando o contrato usa o sistema de amortização Sacre, por exemplo, as prestações são mais altas no início do contrato.

Gomes de Almeida disse que o crédito consignado deverá ser usado sobretudo por categorias que têm maior estabilidade no emprego. Mesmos em casos em que há maior rotatividade, porém, é esperado algum impacto positivo. "Os primeiros anos de um contrato são os que têm maior risco para os bancos", afirma o secretário-adjunto de Política Econômica, Otávio Damásio. Essa seria, portanto, uma segunda garantia, que seria empregada ao lado da alienação fiduciária ou da hipoteca.

O principal problema da medida é que a regra do crédito consignado prevê que, nos casos de demissão, as verbas rescisórias sejam usadas para quitar a dívida. Nos financiamentos imobiliários, geralmente com valores relativamente altos, o risco de o trabalhador ser demitido e sair sem dinheiro é bem maior.

A Caixa está fazendo uma nova tentativa de deslanchar sua linha de apoio á produção. Depois da crise do setor imobiliário da década de 1990, marcado pela quebra da Encol, a Caixa passou a financiar diretamente os compradores de imóveis. Desde 2002, porém, tenta retomar os empréstimos às incorporadoras. Mas, segundo empresários da construção civil, as exigências operacionais da Caixa vinham inviabilizando essa linha.

A Caixa colocou R$ 1 bilhão à disposição dos empresários, e acena com condições mais flexíveis. Para 2007, estão sendo orçados R$ 3,5 bilhões. Antes, o banco financiava apenas 50% do custo da obra, e agora passará a financiar 85%. A Caixa diz ainda que as operações serão customizadas, atendendo as características de cada empreendimento.

Também foi anunciada uma linha de crédito do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para empresas que fazem projetos de investimento que incluam também moradias para os funcionários. Essas operações vão ser enquadradas nas linhas de investimentos sociais do BNDES, com juros equivalentes à TJLP (hoje em 7,5% ao ano) mais um spread de 1%. Não está definido quanto no total será emprestado nessa linha. Os pleitos serão analisados caso a caso para checar se têm cunho social. Outra linha do BNDES, no valor de R$ 100 milhões, financiará projetos de pesquisa, desenvolvimento tecnológico e inovação na construção civil.

O governo também decidiu ampliar em três itens a cesta básica da construção civil, beneficiada com IPI reduzido. Foram incluídos os chuveiros elétricos, bidês, vasos sanitários e revestimentos plásticos de pavimentos, cujas alíquotas caem de 10% para 5%. A renúncia de arrecadação é estimada em R$ 37 milhões.

No pacote, também foi incluída a criação de um portal na internet - ainda em fase de formatação - para aproximar mutuários e agentes e crédito imobiliário. Faz parte do pacote ainda a inclusão do setor de construção civil na Lei Geral das Micro e Pequenas Empresas, que já havia sido anunciada anteriormente.

Ficou adiada a criação da portabilidade do crédito nos financiamentos imobiliários, que é a possibilidade de o mutuário renegociar sua dívida em uma instituição financeira que oferece condições mais favoráveis. Segundo Gomes de Almeida, o governo deverá estudar o tema com maior profundidade porque hoje os custos com cartórios inviabilizam a portabilidade.