Título: México deve mudar o governo, mas manter a política econômica
Autor: Katzumata , Suzi
Fonte: Valor Econômico, 25/05/2012, Especial, p. A16

Depois de um intervalo de 12 anos, o tradicional Partido Revolucionário Institucional (PRI), que governou o México de 1929 a 2000, prepara-se para voltar ao poder em julho, com Enrique Peña Nieto, que lidera as pesquisas de intenção de voto com ampla vantagem sobre os demais candidatos. Contudo, ao contrário de eleições passadas, a possibilidade de mudança de governo no México não alimenta preocupação ou estresse entre investidores e analistas. Isso porque a percepção geral é de que não haverá mudanças na condução da política econômica. No entanto, também não se esperam muitos avanços na economia para os próximos seis anos.

Na avaliação de Paulo Vieira da Cunha, chefe de pesquisa para mercados emergentes e sócio da Tandem Global Partners, uma possível vitória do candidato do PRI seria uma transição positiva para o México, uma vez que Peña Nieto é integrante da ala mais moderna do partido.

Segundo a mais recente pesquisa "El Universal"/Buendía&Laredo, de 14 de maio, realizada na sequência de um debate entre os principais candidatos, Peña Nieto segue na frente na disputa, com 49,6% das intenções de voto (os números excluem os eleitores que não declararam opção por nenhum nome), com larga vantagem sobre os rivais Andrés Manuel López Obrador (24,8%), do Partido da Revolução Democrática (PRD), de centro-esquerda, e Josefina Vázquez Mota (23,1%), do governista Partido da Ação Nacional (PAN), de centro-direita, ambos tecnicamente empatados na segunda posição.

A empresa de análise de risco Standard & Poor"s - que no fim de abril publicou uma série de relatórios abordando a eleição mexicana - avalia que o ambiente tranquilo desta eleição reflete, em parte, "uma agenda política estável e previsível e uma ausência de grandes desequilíbrios macroeconômicos". O analista da S&P Mauricio Tello observa que a economia do México está mais forte em comparação com anos eleitorais anteriores, apesar da crise econômica global. "Portanto, não esperamos que a nova administração queira colocar em risco a estabilidade desta vez através de uma mudança radical na política econômica", diz o analista.

"Durante os últimos 15 anos, vimos um compromisso às políticas econômicas prudentes do Ministério das Finanças, do Banco Central e do Congresso do México. Além disso, o crescimento da classe média do México tem reforçado essa ênfase em políticas estáveis e previsíveis com objetivo de preservar e avançar nos padrões de vida do país", diz a S&P.

Outro elemento que contribui para tranquilizar os investidores é o fato de o mandato do atual presidente do Banco Central do México (Banxico), Agustín Carstens, terminar apenas em 2016. Ele foi nomeado pelo presidente Felipe Calderón (PAN) em 2010 e ratificado pelo Senado com amplo apoio do PRI. Carstens, um ex-ministro das Finanças e ex-vice-diretor-geral do Fundo Monetário Internacional (FMI), prega o equilíbrio das contas públicas como uma obrigação e considera a estabilidade de preços como a melhor contribuição que o BC pode fazer para a prosperidade do país.

Desde que assumiu a presidência do Banxico, Carsten não promoveu nenhuma alteração na taxa de juro básica, que se mantém estável em 4,5% desde julho de 2009. O Banxico tem como principal mandato preservar o poder de compra do peso mexicano e, para alcançar tal objetivo, usa a política de meta de inflação.

Se Peña Nieto confirmar o favoritismo e for eleito presidente em 1º de julho, tudo indica que Carstens não terá dificuldade em manter o atual rumo da política do BC. Em entrevista à Dow Jones Newswires no início do mês, Luis Videgaray, gerente de campanha e estreito colaborador do candidato do PRI, afirmou que seu grupo tem três metas: primeira, total respeito à autonomia do Banxico; segunda, estabilidade de preços como prioridade; e, terceira, evitar uma valorização excessiva do peso.

Videgaray, que está entre os cotados para ser o ministro das Finanças de Peña Nieto, discorda dos críticos que defendem que o Banxico deve ter um mandato duplo, para incluir o crescimento, como o Federal Reserve, dos Estados Unidos. Para ele, o BC deve se ater à estabilidade de preços como único mandato.

Analistas preveem que problema da concentração da atividade em poucas empresas não acabará

"Em um país em desenvolvimento, que pode ser vítima de ataques especulativos dos mercados globais de capital, a prioridade da política monetária é proteger a moeda. Parte de nossa credibilidade vem disso e quando a política monetária se torna difícil de prever, isso pode criar alguns incentivos para a especulação financeira", diz Videgaray.

Dois temas que têm dominado o debate nesta eleição são a violência provocada pela guerra declarada pelo atual presidente, Felipe Calderón, contra os cartéis de drogas e como elevar a taxa de crescimento do México.

No lado econômico, as campanhas dos principais candidatos têm como ponto comum a necessidade de modernizar a economia, melhorar a competitividade, gerar mais empregos e crescimento.

Na última década, na média, o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) do México tem sido inferior ao de seus pares emergentes, mas para os próximos vários anos a S&P estima que o país vai crescer a taxas superiores às de economias avançadas, entre 3% e 3,5%.

No primeiro trimestre do ano, o México surpreendeu os analistas com um crescimento anual de 4,6%, impulsionado pelo aumento da produção industrial (4,5%), da atividade no setor de serviços (5%) e da produção agrícola (6,8%). Em relação ao quarto trimestre de 2011, o PIB mexicano cresceu 1,31%, provavelmente acima do ritmo de expansão da economia brasileira nessa mesma base de comparação. O dado oficial brasileiro será divulgado no dia 1º de junho pelo IBGE. Mas o IBC-Br, calculado pelo Banco Central e considerado uma espécie de prévia do PIB brasileiro, mostrou crescimento de apenas 0,15% no primeiro trimestre do ano em relação aos três meses anteriores.

Na semana passada, o Banxico elevou sua projeção de crescimento para 2012 para uma faixa entre 3,25% e 4,25%, de um intervalo entre 3% e 4% anteriormente, citando os dados mais fortes que o esperado apresentados neste ano e melhores perspectivas para o crescimento econômico dos Estados Unidos - seu principal mercado de exportação. O BC classificou suas estimativas de crescimento para 2012 e 2013 como "moderadas", em linha com as expectativas para a economia global e renovou seus apelos para que a classe política mexicana promova reformas econômicas para elevar o potencial de crescimento do país.

Contudo, no geral, os economistas não esperam após as eleições grandes mudanças ou reformas que enfrentem um dos principais defeitos da economia do México: a concentração da atividade em poucas empresas.

"A falta de uma concorrência mais vibrante na economia mexicana é o principal fator que pesa sobre o crescimento" do país, observa a S&P. Segundo a agência, os monopólios e oligopólios, nos setores público e privado, mantêm elevados os custos nas áreas de telecomunicações, energia e serviços públicos, que pesam particularmente sobre as pequenas e médias empresas. "Isso reforça o domínio de grandes companhias na economia formal", diz a S&P.

O México está atraindo investidores interessados em usar o país como plataforma de exportação para os EUA

"O problema não é de legislação, mas de "enforcement" [fiscalização e controle]", observa Paulo Vieira da Cunha, da Tandem Global Partners.

Quanto à questão da violência no México, as expectativas são de mudança na abordagem de confronto adotada pelo presidente Calderón e que resultou em mais de 50 mil mortes desde o início de sua gestão, em 2006. Para Cunha, essa política não deve ter continuidade, porque não tem o apoio da população.

"Não há a menor dúvida de que a abordagem de Calderón exacerbou a situação de conflito, principalmente no norte. Na Cidade do México, no centro e no sul, a situação não é tão grave assim", disse Cunha, que acredita que o novo governo vai tentar "desmilitarizar o problema".

"Vão deixar de entrar tanto nas brigas internas dos cartéis, isso vai melhorar a sensação de segurança interna no México, mas por razões negativas", avalia.

"Pobre México. Tão longe de Deus e tão perto dos Estados Unidos." A frase célebre é atribuída ao ex-presidente do México José de la Cruz Porfirio Díaz Mory, que governou o país de 1876 a 1910. Porém, os tempos mudaram e essa proximidade com a maior economia do mundo hoje é favorável ao México, que está atraindo investidores, de curto e longo prazo, interessados em usar o país como plataforma de exportação para o mercado americano ou simplesmente para aproveitar as facilidades de se investir no mercado local, mais "amigável" ao investimento estrangeiro em comparação com outros emergentes latino-americanos mais valorizados, como o Brasil.

Contudo, esse interesse ainda não se traduz em um aumento significativo no fluxo de investimentos para o México. Em 2011, o país recebeu US$ 19,4 bilhões em investimento estrangeiro direto (IED), um aumento de 10% sobre o ano anterior, e ficou em segundo lugar na lista dos países que mais receberam investimentos na região, de acordo com dados divulgados no início do mês pela Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal). Mas essa soma ainda está distante dos níveis pré-crise financeira internacional de 2008, quando o México recebeu US$ 31,3 bilhões, e é bem inferior aos US$ 66,6 bilhões em IED atraídos pelo Brasil no ano passado.

Uma outra medida de fluxo de investimentos, o MSCI (Morgan Stanley Capital International), uma referência para diversos fundos de investimento, mostra que seu índice para o México exibia até o dia 10 de maio uma alta acumulada de 9,9%, enquanto o índice Brasil apresentava uma queda de 1,84%. Contudo, a escalada da crise na Europa - agravada pelos temores de uma saída da Grécia da zona do euro - reduziu esses ganhos e, até 23 de maio, o índice MSCI México apontava uma alta de 1,03%, enquanto o índice Brasil acentuava a queda para 13,9%.

"Não há uma avalanche de entusiasmo, mas há um sentimento bastante positivo, que tem a ver com a forma como a economia [mexicana] é manejada", diz Alberto Ramos, economista-chefe para a América Latina do Goldman Sachs. "Trata-se de uma economia com uma inflação baixa [de 3,40% ao ano em abril], com um Banco Central de credibilidade muito alta, que não intervém no câmbio, que não tem uma retórica agressiva antimercado", acrescenta.

"Aqui [no Brasil] é um pouco mais incerto e essa incerteza tem um spread, tem um risco... Além disso, a retórica vinda das autoridades brasileiras é bastante agressiva em relação ao mercado, que indica que o capital não é necessariamente muito bem-vindo no Brasil", diz Ramos.

Segundo o economista, a mudança no sentimento em relação ao México começou há dois anos. Antes, há três ou quatro anos, havia uma preocupação muito grande de que o México estava ficando para trás, apesar de o país ter promovido reformas econômicas mais cedo em comparação aos seus pares emergentes.

"O México manejou o quadro macro de uma maneira muito mais responsável, mais cedo que o Brasil, e de repente o Brasil descolou, cresceu bastante, havia muito entusiasmo em relação ao futuro do Brasil e agora a coisa equilibrou um pouco mais", diz Ramos.

Ele destaca ainda os avanços obtidos pelo México na redução dos custos produtivos, especialmente frente à China. Há dez anos, o custo unitário do trabalho no México era quase duas vezes e meia maior do que o da China e hoje alguns bancos internacionais estimam que é mais barato produzir no México do que na China.

"Hoje, com um aumento de salário real muito contido nos últimos anos, cerca de 1% ou menos ao ano, com o preço de transporte alto e com os preços do derivado de petróleo bastante alto, o México fechou muito essa diferença [com a China], ao ponto que tem algumas empresas chinesas pensando em investir no México, porque veem isso como uma oportunidade para ficar perto dos EUA", diz Ramos. (Com agências internacionais)