Título: Justiça é favorável ao Bradesco em ação de filhas de Amador Aguiar
Autor: Watanabe, Marta
Fonte: Valor Econômico, 14/09/2006, Finanças, p. C1

O Judiciário deu uma decisão favorável à Fundação Bradesco e à Cidade de Deus Companhia Comercial de Participações, holding do Banco Bradesco, numa disputa por ações escriturais com duas das filhas de Amador Aguiar. A ação judicial foi movida por Lia Maria Aguiar e Lina Maria Aguiar, filhas do fundador do banco, Amador Aguiar. Elas foram à Justiça para tentar desfazer uma venda de ações feita em 1983 por Amador Aguiar à empresa Participações Comerciais Rio S.A., do grupo Almeida Braga.

Procurado, o advogado Arnoldo Wald, que representa a Fundação Bradesco e a Cidade de Deus, diz que o processo envolve participação de 5,6% do capital votante da holding do grupo. As ações escriturais pleiteadas por Lina e Lia significam, segundo o advogado, em torno de 2,408% do Banco Bradesco S.A. "Em termos de participação acionária não é muito, mas o valor é relevante." Segundo ele, as ações têm hoje valor aproximado de R$ 1,5 bilhão.

A Segunda Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça (TJ) do Estado de São Paulo rejeitou o pedido das filhas de Aguiar. Segundo os desembargadores, a compra das ações foi feita em boa-fé e como permaneceram em nome dos compradores por mais de cinco anos, sem interrupção ou oposição, houve direito à aquisição por usucapião. "Essa é uma decisão juridicamente inovadora porque o tribunal aplicou o usucapião em ações escriturais", diz Wald. Procurado, o advogado que representa as irmãs Lina e Lia, Fernando Tóffoli, não retornou as ligações.

A ação judicial movida por Lina e Lia para a recuperação das participações acionárias trouxe à discussão operações que se iniciaram na década de 60. Em 22 de maio de 1964, Lina e Lia receberam, cada uma, 200 mil ações ao portador da Companhia Comercial Café São Paulo Paraná, denominação anterior da atual holding Cidade de Deus. As participações foram doadas pelo pai, Amador Aguiar, e a esposa, Elisa Aguiar.

Por determinação do fundador do banco e sua esposa, as ações ao portador foram convertidas em ações nominativas. Cada uma das filhas se tornou detentora de 390,145 milhões em ações ordinárias nominativas.

Embora estivessem em nome de Lia e Lina, as ações ficaram sob usufruto dos doadores. Ou seja, Amador Aguiar e sua esposa ficaram com o direito de desfrutar, enquanto vivessem, dos resultados e vantagens gerados pelas ações ordinárias nominativas.

A doação ainda continha uma outra cláusula que estabelecia a inalienabilidade. Ou seja, as ações não podiam ser vendidas ou ter sua propriedade transferida de qualquer outra forma. Em 24 de fevereiro de 1983, porém, Lina e Lia passaram uma procuração na qual conferiam ao pai poderes para vender as participações acionárias. Com base na procuração, Amador Aguiar, vendeu, a partir de fevereiro de 1983, parte das ações doadas às filhas. O comprador foi a Participações Comerciais Rio S.A., do grupo financeiro Almeida Braga, e mais tarde, revendidas à Fundação Bradesco e à holding do grupo.

Lina e Lia foram ao Judiciário para tentar anular as vendas de ações feitas pelo pai. Elas alegaram que não houve renúncia à cláusula que determinava a inalienabilidade e que a procuração passada ao pai não anulava as cláusulas contratuais da doação.

Nem a Justiça de primeira instância ou o Tribunal de Justiça, porém, acolheram os argumentos das filhas do fundador do maior banco privado do país. Pesou na decisão do Judiciário o fato de que Lina e Lia demoraram muito para ir aos tribunais. Embora as vendas de ações questionadas tenham se iniciado em fevereiro de 1983, a ação para anular as operações foi ajuizada apenas em novembro de 2002, mais de 19 anos depois.

Depois de aberto o processo judicial, Lia Maria chegou a pedir uma liminar, mas o juiz de primeira instância negou. O magistrado entendeu que a urgência não fazia sentido, já que, apesar de pleno conhecimento das operações, Lina e Lia demoraram para tomar a iniciativa de discutir a venda no Judiciário. Foi exatamente esse lapso de tempo que teria permitido o domínio pelo usucapião.

Os magistrados também levaram em consideração que a procuração passada pelas duas filhas a Amador Aguiar mencionava especificamente o poder de vender as ações da então Companhia Comercial Café São Paulo Paraná. "Ou seja, houve expressa concordância das autoras com a alienação das ações", disse o juiz de primeira instância, cuja decisão foi mantida pelo TJ. "A alienação é logicamente incompatível com a cláusula de inalienabilidade", concluiu.