Título: Buenos Aires prepara seu próprio índice de inflação
Autor: Felício , César
Fonte: Valor Econômico, 05/06/2012, Internacional, p. A11

Desacreditado desde 2007, o índice oficial de inflação na Argentina volta a se transformar em uma arma política da oposição contra o governo da presidente Cristina Kirchner. O principal líder oposicionista, o prefeito de Buenos Aires, Mauricio Macri, prepara para os próximos meses o lançamento de um índice de preços ao consumidor da cidade de Buenos Aires. Segundo informação da prefeitura, os estudos estão sendo desenvolvidos pelo Banco Ciudad, controlado pelo governo municipal.

O cálculo da inflação portenha vai se somar assim aos de cinco Províncias que fazem a divulgação da inflação paralela com regularidade mensal: San Luís, Córdoba, Neuquén, La Pampa e Tierra del Fuego. O alinhamento com a Casa Rosada fez com que algumas Províncias, como as de Entre Ríos, Mendoza e Santa Fé, descontinuassem a divulgação.

Em comum, todas apontam para um índice mensal acima do divulgado pelo instituto oficial, o Indec. No mês de abril, o cálculo oficial foi de apenas 0,8%, inferior ao IGP-M brasileiro. Nas Províncias, o cálculo variou entre 1,4% e 3%.

A relação entre Macri e Cristina é de hostilidade aberta. O partido macrista PRO foi o único da oposição que votou contra a expropriação da petroleira YPF no mês passado. Desde 2007 os dois mantiveram uma única reunião. "Cristina é a presidente menos federalista de toda nossa história. Ela está promovendo um estrangulamento financeiro dos governos regionais", afirmou Macri ao Valor. Na Argentina, a capital é uma cidade autônoma, e seu prefeito tem status de um governador.

A subestimação da inflação tornou-se um problema mais agudo neste ano para as Províncias, já que houve uma redução do repasse dos impostos federais para os governos locais. A queda desses repasses fez com que diversos governadores lançassem mão de aumento de impostos para diminuir déficits orçamentários, com alto custo político.

O problema afeta menos a prefeitura de capital, com menor dependência de repasses. Macri busca viabilizar a sua candidatura presidencial, e a criação do índice faz parte da estratégia. "Transparecer a inflação real nos fortalece ao negociar com o governo federal e também nos proporciona uma ferramenta política", admitiu um assessor direto do prefeito.

Do ponto de vista econômico, a iniciativa da prefeitura entusiasma pouco os formadores de opinião. "Estamos sem um termômetro dessa variável econômica e os índices disponíveis, sejam os das Províncias ou os de consultorias, têm elemento claro de subjetividade. Para se chegar a uma estimativa da inflação, todo consultor precisa tomar mais de uma fonte", comentou o ex-presidente do Banco Central Martín Redrado, que é árbitro da OMC e milita na oposição ao kirchnerismo: foi derrotado como candidato a deputado na cidade de Buenos Aires pela dissidência peronista. Segundo Redrado, um índice da cidade só se tornará uma referência caso possa ser auditado de forma independente. "Caso contrário, se juntará aos demais."

A inflação encoberta era um tema que pouco interessava à opinião pública argentina até o início deste ano. A questão não apareceu, por exemplo, nos debates eleitorais do ano passado. Agora já é o segundo tema em preocupação em Buenos Aires, depois da insegurança.

Segundo levantamento do Instituto Poliarquia, que monitora quinzenalmente a opinião pública na cidade, a inflação era citada em meados de maio como o principal problema do país por 14% dos pesquisados, ante 8% que o faziam em dezembro. A insegurança foi mencionada por 25% e o desemprego por 12%.

"A preocupação aumentou porque as negociações salariais deste ano estão atrasadas em função da disputa pela presidência da CGT [principal central sindical do país]. No ano passado e em anteriores, os aumentos pactuados ultrapassavam as perdas inflacionárias. Dessa vez, os pesquisados estão com salário velho e se defrontam com preços novos", disse o cientista político Sérgio Berensztein, coordenador da pesquisa.

Berensztein afirmou que um sintoma do aumento da preocupação é a procura pelo dólar paralelo, que subiu 20% no último mês. "A diferença entre o paralelo e o oficial é da ordem de 30%, que não por acaso é a expectativa de inflação da mediana dos pesquisados para 2012", afirmou.