Título: Irrigação é a grande vilã do uso dos mananciais
Autor: Czapski , Silvia
Fonte: Valor Econômico, 05/06/2012, Especial, p. F6

O recém lançado relatório "Conjuntura dos Recursos Hídricos no Brasil 2012", da Agência Nacional de Águas (ANA), expõe a prática da irrigação como vilã nacional do consumo de água, ao responder por cerca de 54% da vazão de retirada do insumo no Brasil. É mais que o dobro do consumo urbano (22%), triplo do industrial (17%), e quase oito vezes a soma dos outros usos rurais: dessedentação animal (1%) e abastecimento (5%). Com 4,6 milhões de hectares irrigados no país, ela ganha o 16º lugar no ranking mundial do setor.

"O nó da irrigação mecanizada é que a água só umedece a camada superficial e logo evapora, gerando impermeabilização do solo", ensina o agricultor Fernando Ataliba, proprietário do Sítio Catavento, em Indaiatuba (SP) e diretor da Associação de Agricultura Orgânica (AAO).

Mas Ataliba questiona a crítica ao consumo. "Desperdício é a água gasta nas indústrias para fabricar descartáveis, que logo viram lixo. Agricultura é necessária à segurança alimentar e boas práticas ajudam-na a promover a filtragem da água no solo para reabastecer mananciais."

Ataliba menciona algumas práticas usadas também na agricultura tradicional, como a irrigação por gotejamento e a aplicação de cobertura morta, camada de material orgânico sobre o solo que ajuda a reter a umidade, reduzindo a necessidade de mais fornecimento de água.

Limitar-se a medidas quantitativas, prossegue ele, é desconsiderar problemas gerados pela poluição industrial e urbana, como o que ele enfrenta enquanto auditor em processos participativos de certificação orgânica. Muitas vezes, tem de negar o selo aos horticultores do cinturão verde de grandes cidades que usam água dos rios para irrigação, pois a carga poluente é tamanha que chega a contaminar os alimentos.

Autor de um manual sobre conservação e reúso de água no setor sucroalcooleiro, o consultor André Elia Neto, que por mais de 30 anos trabalhou no Centro de Tecnologia da Cana, em Piracicaba (SP), acompanhou a redução na captação de água pelo setor neste período. De quase 20 metros cúbicos para processar uma tonelada de cana moída nos anos 1980, o índice caiu para 1metro cúbico nos anos 2000. As maiores economias ocorreram com o fechamento de circuitos no processo de produção.

Com a água cada vez mais rara e cara, buscar práticas que reduzam o consumo torna-se mais interessante. "Isso vale tanto para a escala macro, por exemplo gestão da transposição do rio São Francisco, como para o micro, a gestão de minha casa", diz o engenheiro Oscar de Moraes Cordeiro Neto, professor de hidrologia na Universidade de Brasília e diretor da Global Water Partners.

Só que, além das diferenças de escala e do controle quantitativo, há a exigência por qualidade que, no caso da água, abrange temas de saúde e manutenção da diversidade biológica.

Unir cuidados quantitativos e qualitativos pode gerar a reversão da imagem negativa de todo um setor, raciocina Ricardo Bertelli, sócio da Pirâmide Mineradora e presidente da Associação dos Mineradores de Areia do Vale Ribeira (Amavale). Criada por oito mineradoras, que destinam 3% do faturamento bruto para as atividades, a entidade baseou-se em pesquisas científicas para criar o programa socioambiental.

Pesquisa da Agência Paulista de Tecnologia do Agronegócio no Polo do Vale do Ribeira (Apta) demonstrou que o maior impacto da dragagem é o revolvimento do leito do rio, para extrair areia. Mesmo sem danos comprovados à ictiofauna, planejou-se recompor a mata ciliar no rio Ribeira de Iguape, com árvores cujos frutos peixes comem. Alguns plantios envolveram jovens, durante visitas guiadas. "Conseguimos reverter a imagem negativa do setor", comemora.

O inesperado deu-se na busca de tecnologias mais limpas: "Uma mudança no processo de limpeza da areia reduziu as perdas físicas de 30% para 1%. Dragando menos, para obter a mesma quantia, também reduzimos os impactos sobre a água."