Título: Bolívia quer descontar lucro do preço de refinarias da Petrobras
Autor: Leo, Sergio
Fonte: Valor Econômico, 14/09/2006, Internacional, p. A11

O governo boliviano decidiu adquirir o controle das refinarias da Petrobras usando, como pagamento, "ganhos extraordinários" que a empresa teria obtido no país, segundo resolução divulgada pelo ministro de Hidrocarbonetos, Andrés Soliz Rada. Pelos seus cálculos, a Petrobras teria lucrado ao menos US$ 320 milhões acima do que a lei permite, valor bem superior ao que a estatal pagou pelas refinarias e até ao preço atual estimado para as duas instalações da estatal brasileira na Bolívia, entre US$ 180 milhões a US$ 250 milhões.

O anúncio da medida, a poucos dias da visita a La Paz de uma delegação brasileira chefiada pelo ministro de Minas e Energia, Silas Rondeau, irritou muito a direção da Petrobras e autoridades brasileiras. O governo brasileiro discutia ontem a conveniência da viagem ministerial. O cancelamento seria uma forma de mostrar que o Brasil reagiria com força ao endurecimento da Bolívia. O ministro acompanharia o reinício das negociações entre a Petrobras e o governo boliviano sobre a compra das refinarias. A empresa prefere vender 100% do negócio à YPFB, caso seja reduzida a prestadora de serviços, como prevê a resolução.

A nova resolução foi considerada "preocupante" por uma fonte da estatal ouvida pelo Valor. Ao reduzir o fluxo de caixa futuro, faz com que o valor do investimento caia muito. "Essa resolução tira a gente do negócio. A Petrobras passa a ser apenas uma operadora das refinarias ao invés de ser a dona."

Para cobrar da Petrobras os ganhos "extraordinários", o governo boliviano argumenta que as margens de lucro das refinarias foram definidas num decreto supremo (equivalente ao antigo decreto-lei no Brasil) em maio de 2005, e que essas margens não foram alteradas desde então, apesar do grande aumento nos preços de derivados que servem de base para medir a lucratividade das empresas. Com isso, argumenta Soliz Rada na resolução, as empresas tiveram "benefícios inadequados e irracionais", em detrimento do consumidor e em "franca violação" à lei.

A resolução na prática confiscou o fluxo financeiro das empresas refinadoras, convertendo-as em meras prestadoras de serviço, e também regulamentou, para os combustíveis líquidos, as determinações do decreto de nacionalização editado em maio pelo presidente Evo Morales. As empresas privadas, antes livres para comprar e vender derivados de gás e petróleo, agora são obrigadas a comprar e vender exclusivamente à estatal YPFB, que terá trinta dias para repassar pagamentos às empresas.

A estatal boliviana, esvaziada antes do governo Morales, sem quadros competentes, que migraram para a iniciativa privada, foi só parcialmente reconstituída após o decreto de nacionalização. Até recentemente não demonstrava condições de executar as funções determinadas no decreto, o que provocou até o adiamento oficial das medidas decididas em maio. Ontem, a empresa afirmava ter condições de assumir os contratos das empresas privadas, embora a maneira compensar as empresas e de se fazer isso sem romper os contratos ainda não esteja clara.

A YPFB estava sem caixa para assumir o papel designado na nacionalização. Ganhou fôlego desde a semana passada, quando as empresas começaram a pagar os novos encargos criados em maio. Já foram pagos pouco mais de US$ 38 milhões, dos US$ 160 milhões previstos para este ano. Com o dinheiro, diz a empresa, será possível assumir o monopólio do setor.

A resolução exige que as empresas a entreguem à YPFB até terça cópias de seus contratos com fornecedores e consumidores. Em 30 dias a YPFB fará contratos para regularizar os serviços de transporte, refino e armazenagem de gás, petróleo e derivados. No mesmo prazo será calculada a nova margem de lucro permitida para as refinarias privadas (cerca de 77, entre elas as duas maiores da Petrobras).

Segundo apurou o Valor, a decisão de impor a mudança nesta semana foi influenciada pelas negociações com a Petrobras. Incomodou ao governo uma campanha publicitária da empresa com dados sobre investimentos no país e sobre o aumento da produtividade da refinaria após a privatização.

Após calcular os "ganhos extraordinários" das empresas, a YPFB deve "levar em conta" esse dado ao negociar a compra de 51% das ações da Petrobras Bolivia Refinación, diz a resolução ministerial. Levar em conta, segundo fontes do governo, significa usar esses valores para exigir no mínimo uma redução no preço para a aquisição do controle das refinarias. A Petrobras prefere vender 100%.