Título: ICMS da cana cresce e impulsiona economia de 85 cidades de SP
Autor: Scaramuzzo, Mônica e Barros, Bettina
Fonte: Valor Econômico, 14/09/2006, Brasil, p. A4

A expansão do setor sucroalcooleiro no Estado de São Paulo, maior produtor do país, elevou a arrecadação de ICMS e desencadeou um movimento migratório em 85 municípios. Com mais habitantes e dinheiro no caixa, essas cidades estão passando por um período de transformação - não só agrícola, com o avanço rápido da cana, mas de consumo e investimentos em áreas como saúde e educação.

Pesquisa realizada pelo Instituto de Economia da Associação Comercial e Industrial de Ribeirão Preto mostra um incremento significativo da arrecadação do imposto nos últimos dois anos. Em 2005, ela cresceu 22% em relação a 2004, e no primeiro semestre deste ano, mais 40% em relação ao mesmo período do ano passado, sempre em termos nominais, sem descontar a inflação. No país, nas mesmas comparações, o recolhimento deste tributo subiu 12% e 8,7%.

O crescimento muito acima da média nacional reflete o incremento da economia nestes municípios que têm forte influência da cana. Das 85 cidades pesquisadas, apenas duas não estão ligadas diretamente à atividade canavieira: Cristais Paulistas e Itirapuã.

Antes do boom da cana, a arrecadação total de ICMS nas cidades estava estacionada ou registrou altas medíocres. Em 2000, ela somou R$ 798,8 milhões, valor que caiu para R$ 780 milhões em 2003 e subiu até os R$ 1,107 bilhão de 2005. De janeiro a junho, a arrecadação já totaliza R$ 754,9 milhões. "Há casos de cidades, cuja arrecadação cresceu mais de 10 vezes desde 2000", diz Antonio Vicente Golfeto, diretor do Instituto de Economia da Associação Comercial de Ribeirão Preto, e autor do estudo.

A redução da alíquota do ICMS sobre o álcool em São Paulo (de 25% para 12%), adotada no final de 2003, reduziu a informalidade e acabou elevando a arrecadação do imposto sobre os combustíveis, fazendo parte do dinheiro antes sonegado, circular entre os municípios. "As cidades também vão se beneficiar com a maior demanda pelo álcool no país", diz Golfeto.

O Valor apurou o que ocorreu em cinco cidades, onde o cruzamento dos dados de arrecadação e população é mais expressivo. Em Serrana, a atividade canavieira, com duas usinas (Usina da Pedra e Nova União), responde por 80% da arrecadação do ICMS do município, segundo Evandro Viana, diretor de Fazenda, da Secretaria Municipal de Serrana. A cidade fez pesados investimentos em infra-estrutura para acompanhar o crescimento da população, por conta da migração dos trabalhadores para as usinas. "Temos duas novas escolas públicas e um novo hospital em construção", afirma Viana. Este ano, até junho, a arrecadação de ICMS na cidade já supera todo o valor de 2005.

A Usina da Pedra é uma espécie de patrocinador cultural da cidade. Doou um prédio para a construção da Fundação Cultural de Serrana, que incentiva atividades como balé, teatro e música, segundo Márcio Cavalheire, gerente da divisão de administração da usina.

O município de Ibaté, localizado entre Araraquara e São Carlos, está sendo beneficiado diretamente pelo valor adicionado gerado pela Usina da Serra, do grupo Cosan, e indiretamente pelas plantações de cana da usina Corona, também da Cosan, instalada em Araraquara. O resultado é que o valor adicionado do município - fator de maior peso no cálculo do repasse do ICMS feito pelo Estado - saltou de R$ 45 milhões em 2000 para R$ 149 milhões em 2005.

O emprego na lavoura e salários iniciais maiores atraíram também um número significativo de trabalhadores, na maioria nordestinos, aos canaviais. A população de Ibaté subiu de 26 mil para quase 31 mil habitantes nos últimos cinco anos. "No decorrer do tempo, as pessoas foram ficando", afirma Angelo Lorençone, presidente da Associação Comercial da cidade. "Eles não voltam porque aqui tem trabalho. Muitos funcionários da usina até mandam a cesta básica de ônibus pra sua terra natal".

O fato de ter mais habitantes também deverá ser refletido no repasse do ICMS a esses municípios, já que o Estado considera o tamanho da população no cálculo do imposto. "Hoje, esses números não alteram nada porque a Secretaria da Fazenda se baseia nos dados do Censo. Mas com a atualização dos números em 2010 sentiremos a mudança", diz Lorençone.

Famosa por sua criação de gado nelore, Barretos também está se adaptando aos novos tempos. A pecuária continua sendo a principal atividade, mas a cana subiu para terceira posição nos negócios locais, atrás apenas da laranja. Hoje a cidade conta apenas com plantações de cana, mas a expectativa está na chegada de duas usinas de açúcar e álcool ao município: São José, do grupo Tereos, e Santa Elisa.

"A tendência de substituição de culturas tem sido forte na região. E a cana está chegando porque ela é que dá melhor retorno e tem um ciclo de vida extenso", diz o secretário de Finanças Robson Moreira Couto. Segundo ele, 10% do ICMS arrecadado por Barretos vem dos produtores de cana. Com a chegada das usinas, porém, esse percentual deve atingir 22% e gerar três mil empregos diretos e indiretos.

Assim como nos outros exemplos, Barretos também viu sua população crescer em cinco anos: de 103 mil para 109 mil. "O lado ruim é que aumentarão também os problemas, como na área de saúde. Como conseguiremos atender tanta gente?", questiona o secretário.

Em Américo Brasiliense, onde a população pulou de 28 mil para 32 mil e o valor adicionado de R$ 56 mil para R$ 166 mil, as indústrias metalúrgicas também ganharam destaque com o avanço da cana na região. Octávio Dotoli, ex-prefeito e atual diretor de gabinete da prefeitura da cidade, conta que muitas indústrias de bens de capital e de base foram para região acompanhando o crescimento da cana.

Para Golfeto, responsável pelo estudo de arrecadação do imposto, as cidades são beneficiadas pelo desenvolvimento provocado pela expansão canavieira, movimento já observado no Estado na década de 30 com os cafezais. "O boom do álcool ajuda a consolidar essa expansão."