Título: Racha ameaça campanha petista no Recife
Autor: Camarotto, Murillo
Fonte: Valor Econômico, 08/06/2012, Política, p. A7

A definição do candidato a prefeito do Recife está longe de significar dias menos turbulentos para o PT. Imposto pela executiva nacional em um processo traumático, o senador Humberto Costa terá que superar uma série de desafios para manter a hegemonia do partido na capital pernambucana, que dura 12 anos.

A derrubada do prefeito João da Costa deixa o senador com a inglória missão de construir um discurso para convencer a população de que o projeto petista continua sendo o melhor para a cidade. "Mas se o projeto é bom, por que tiraram o prefeito?", questiona o cientista político Túlio Velho Barreto, da Fundação Joaquim Nabuco, ao vestir o personagem do eleitor comum. "O acirramento da disputa deixou a situação extremamente complicada para o PT", opina o estudioso.

Na véspera da reunião que selou seu destino, em São Paulo, o prefeito do Recife prometia mostrar aos caciques petistas pesquisa que apontava o crescimento de sua candidatura em meio à virulenta disputa partidária.

Ontem, ao chegar de São Paulo, João da Costa voltou a criticar a decisão do PT e a afirmar que não se submeterá ao que classificou de "ato de força" da cúpula petista. "Eu faço política com outros objetivos além do cargo eleitoral", declarou.

O prefeito afirmou que se reunirá hoje com seu grupo político para avaliar possíveis medidas a serem tomadas. Ele quer que o partido o reconheça como o vencedor da prévia realizada no dia 20 de abril, anulada pela legenda.

O prefeito foi saudado por cerca de 150 militantes, que gritaram palavras de ordem contra o ex-presidente Lula em um protesto no aeroporto de Recife. "Ô Lula, decepção; em Recife você não manda não", diziam os manifestantes.

Na avaliação de Velho Barreto, teve relativo sucesso junto à classe média recifense a estratégia de "vitimização" adotada por João da Costa, que alardeou sua disposição de enfrentar sozinho todo o comando do partido. Segundo aliados do prefeito, os números indicariam um avanço de 21% para 33% nas intenções de voto para o prefeito.

Como resultado desse processo, o senador ganhou nas redes sociais a pecha de "candidato biônico", contra a qual também terá que lutar. As legendas que fazem oposição ao PT em Pernambuco já começaram a proliferar o apelido. "Isso deve se ampliar muito mais até a eleição pela oposição, que vinha esfacelada, sem perspectiva e sem discurso", analisa o cientista político.

Outro obstáculo para Humberto Costa será conseguir algum apoio do prefeito, que tem sete meses de mandato pela frente e cabos eleitorais alistados no programa de Orçamento Participativo, que têm grande penetração nos bairros mais pobres e estão inconformados com a intervenção. Na saída da reunião da executiva, João da Costa não deu sinais de que irá apoiar o algoz. "Não sei nem se vão me querer", disse.

Um dia depois de indicado pelo partido, o senador Humberto Costa afirmou, em São Paulo, que vai procurar João da Costa e defenderá sua gestão na eleição municipal. "Quero João da Costa na minha campanha. A questão que criou desacordo foi política. Meu questionamento nunca foi de ordem administrativa. Vou fazer a defesa da gestão dele na campanha", assegurou.

O senador, que é o relator da cassação do seu colega de Casa, Demóstenes Torres (DEM-GO), afirmou que não deixará o mandato. "Quando começar a campanha, irei pelo menos uma vez por semana. Não vejo incompatibilidade (...) estou vivendo o melhor momento da minha vida política e governar Recife é o maior desafio da minha vida".

Humberto Costa já foi derrotado uma vez na disputa para Prefeitura do Recife e outras duas para o governo do Estado, o que lhe conferiu fama de pé-frio em eleições majoritárias. A primeira vitória veio em 2010, quando se elegeu senador na chapa do governador Eduardo Campos (PSB), ainda assim com votação inferior a de Armando Monteiro Neto (PTB). O resultado deu margem a comentários na linha do "até quando ganha, Humberto perde".

Além da piada, a eleição para o Senado deixou para Humberto suposta obrigação de cumprir os oito anos de mandato. Isso porque, ao ser acolhido na chapa de Campos, teve que engolir como suplente o ex-governador de Pernambuco Joaquim Francisco, que construiu sua trajetória política no antigo PFL e acabou abduzido ao PSB. A indicação causou calafrios nos petistas, que pressionaram o senador a prometer que não deixaria Brasília antes de 2018. Caso vença as eleições municipais, porém, a jura será quebrada.

Isso colocaria Humberto em situação delicada para o governo do Estado em 2014, um desejo antigo. "Fica complicado para ele deixar outro mandato pela metade", lembrou Velho Barreto. Assim, o quadro deixou mais tranquilo o governador, que não quer ver um petista em sua cadeira a partir de 2015, a não ser que lhe convenha.

A prioridade absoluta de Campos é o Palácio do Planalto e é isso tem pautado suas negociações com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mais até do que o apoio do PSB à candidatura de Fernando Haddad, em São Paulo. Por isso, apesar de pouco simpático ao atual prefeito do Recife, o governador apoiaria sua reeleição caso a disputa petista não tivesse tensionado a tal ponto.

"Com o apoio de Eduardo Campos e sem todas essas brigas, o prefeito seria tão competitivo quanto é hoje o senador. O problema é que os líderes do PT, baseados na força desse grupo político, acharam que não havia motivo para manter João da Costa na prefeitura. Em nome dessa ambição, o atropelaram", disse o cientista político.

Com o risco de um fiasco petista, o governador está precavido. Esta semana recebeu no Palácio do Campo das Princesas o senador Jarbas Vasconcelos (PMDB), ex-desafeto do qual se reaproxima. O movimento vai ao encontro do deputado federal Raul Henry (PMDB), tido como o oposicionista com maiores chances à prefeitura e que já sonha com aliança futura com o governador.

Já Campos, que dificilmente perde o foco, trabalha pela imagem de conciliador, ao mesmo tempo em que abre pontes com a ala rebelde do PMDB, liderada por senadores como Pedro Simon e o próprio Jarbas. Tendo como uma de suas possibilidades a candidatura a vice da presidente Dilma Rousseff em 2014, os novos aliados podem lhe ser muito convenientes. (Colaborou Vandson Lima, de São Paulo, com agências noticiosas)