Título: Fim de ano bilionário
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Fonte: Correio Braziliense, 22/10/2010, Economia, p. 12

Um acréscimo de 20% nos valores do 13º salário devido aos trabalhadores brasileiros em 2010 fará a festa do comércio. A expectativa é que ao menos R$ 70 bilhões sejam despejados na economia nos próximos dois meses, irrigando o varejo. Cerca de 50% serão gastos em presentes, dizem os lojistas Victor Martins Os comerciantes aguardam ansiosos o último bimestre do ano. Eles esperam longas e polpudas listas de presentes para o Natal. O motivo é simples: o consumidor terá à disposição, em razão do 13º salário, cerca de R$ 70 bilhões para bancar a festa. Outros R$ 32 bilhões, de acordo com especialistas, já foram pagos aos trabalhadores com antecipações do benefício em função de férias e acordos coletivos. No total, em 2010 a cifra chegará a R$ 102 bilhões, um recorde. Será 20% maior que o registrado no ano passado, quando os salários extras somaram R$ 85 bilhões, calcula o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese).

Tamanho crescimento no bolo do 13º justifica-se pelo menor nível de desemprego desde 2002, de 6,2% em setembro (leia mais nesta página), e ainda pela forte expansão na renda dos trabalhadores ¿ dois argumentos que começam a materializar o melhor Natal que o varejo brasileiro já experimentou. Para José Silvestre Prado de Oliveira, coordenador de relações sindicais do Dieese, o cálculo bilionário do 13º, embora encha os olhos, ainda é conservador. ¿Existem dados que não conseguimos mensurar, como os ganhos extras de fim de ano dos informais ou de trabalhadores pessoas jurídicas¿, diz. Ainda assim, Oliveira destaca que o avanço foi grande. ¿Cresceu o número de pessoas empregadas e tivemos também um ganho qualitativo, que é a expansão da renda.¿

Gastança Projeções da Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) mostram que 35% do 13º bilionário serão usados pelos brasileiros para quitar dívidas em atraso e para pagar contas. Outros 50% serão empregados efetivamente nos presentes. Os 15% restantes ficarão para a poupança. ¿Tanto no primeiro caso quanto no segundo, o comércio vai ver esse dinheiro de forma direta. Sem dúvida, vai ser um Natal com o maior crescimento de que se tem notícia¿, avalia Roque Pellizzaro, presidente da entidade.

O bioquímico Jonas Santos, 29 anos, trabalha com carteira assinada em um laboratório desde fevereiro de 2010 e não pretende gastar o 13º salário com as despesas fixas. Santos vai quitar as prestações do carro e fazer uma viagem. Ele também vai receber um bônus que a empresa concede aos empregados. ¿Com esse dinheiro, o próximo passo é adquirir um imóvel¿, diz. Quem também já sabe o que vai fazer com o 13º é a vendedora Pamella Silva Rodrigues, 23 anos. Empregada em uma loja de cosméticos com a carteira assinada desde novembro do ano passado, ela pretende pagar as últimas prestações de um computador. ¿Também vou comprar umas roupas, ajudar a minha mãe e, quem sabe, dar entrada em um carro¿, planeja.

Com o dólar baixo, as previsões apontam para um Natal de importados. ¿Mantendo-se o atual cenário cambial, vai haver uma oferta muito grande e produtos mais acessíveis¿, prevê Pellizzaro. ¿Somados à ascensão de classes mais baixas, que nunca experimentaram esse perfil de produtos, os importados ganharão muita força.¿ A expectativa de representantes do varejo, com base nessa demanda acelerada dos consumidores, é de que o segmento venda de 10% a 11% a mais neste ano.

Brasília Na capital do país, o volume injetado na economia com o 13º salário cresceu acima da média nacional, registrou um avanço de 24% frente a 2009 e chegou ao montante de R$ 4,15 bilhões. Cerca de 1,4 milhão de trabalhadores serão beneficiados na cidade. Brasília, apesar de não ter uma participação grande no bolo do rendimento extra (4% do total), vai pagar o maior valor médio ao trabalhador: R$ 2.850. De todos os beneficiados no DF, 21,7% serão aposentados e pensionistas. Os empregados domésticos com carteira assinada representam 2,5% dos que têm direito ao extra. Do bolo, 75,8% estão divididos entre os setores público e privado.

Unanimidade entre especialistas, o avanço na massa total do 13º salário deve-se, na visão deles, à formalização do mercado de trabalho, principalmente. Mais empregos com carteira assinada estão garantindo um ganho maior ao brasileiro. Em 2010, foram criados 2,2 milhões de empregos até setembro, de acordo com os dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged). A meta do Ministério do Trabalho é elevar esse número para 2,5 milhões.

Objeto de desejo Os brasileiros estão com fome de gastar. O percentual de consumidores que pretendem ir às compras até dezembro chegou a 76,2%, diz a pesquisa trimestral Intenção de Compra no Varejo, da Fundação Instituto de Administração (FIA). Houve houve um aumento de 0,6 ponto percentual em relação aos 75,6% do trimestre anterior. A categoria de produtos mais cobiçada pelos consumidores é a de cine e foto (14,2%), seguida pelos eletroeletrônicos (13,2%), informática (12,4%), telefonia (10,4%), móveis (9,6%) e eletrodomésticos da linha branca (9,4%).

Demanda salvadora O forte crescimento da economia brasileira este ano vem sendo impulsionada pela demanda interna. Por isso, a fraqueza da atividade econômica nos países desenvolvidos, que ainda lutam para superar a crise mundial de 2008, não tem sido capaz de frear o ritmo de aumento da produção nacional. Na avaliação do boletim Economia Brasileira em Perspectiva, do Ministério da Fazenda, o volume de compras no Brasil deve crescer até o fim do ano 10,3%, mais de um ponto acima do anterioramente previsto anteriormente (9,1%). O desempenho é impressionante, especialmente em comparação com 2009, quando a demanda interna encolheu 0,2%. O comportamento pode ser atribuído ao aumento de 25 milhões de pessoas à classe média desde 2002.

Recorde de vagas

Gustavo Henrique Braga

O índice de desocupação no Brasil alcançou 6,2%, o menor nível desde setembro de 2002, início da série apurada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Pela primeira vez, o país registrou um contingente de desempregados inferior a 1,5 milhão de pessoas. É o segundo recorde sucessivo, ante a taxa de 6,7% apurada em agosto.

A queda foi de 1,5 ponto percentual na comparação com o mesmo período do ano passado. Os dados da Pesquisa Mensal de Emprego (PME) revelam ainda que o rendimento médio do trabalhador também atingiu seu valor máximo: R$ 1.499, representando um crescimento de 6,2% contra setembro de 2009.

Mas embora a perspectiva seja de novos recordes até o fim do ano, época de maior contratação no comércio, o sinal de alerta para uma desaceleração em 2011 já foi dado pela indústria. O setor tirou o pé do acelerador, com 22 mil ocupados a menos em comparação a agosto, exibindo uma variação negativa de 0,6% na comparação mensal. Foi o segundo mês seguido que o desempenho da indústria foi pífio, um movimento também constatado pelo Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), do Ministério do Trabalho.

Barganha Na interpretação do economista Fábio Romão, da consultoria LCA, os resultados reforçam a tese de que o setor já recompôs o contingente demitido na época da crise. O ritmo tímido das exportações e a invasão dos importados, consequências diretas do real valorizado, impactaram negativamente a geração de empregos industriais. Em contrapartida, os produtos que vêm do exterior ajudaram a amenizar um temido efeito colateral do aumento da massa salarial e da renda: a inflação.

O professor de economia da Universidade de Brasília (UnB) Carlos Alberto Ramos alerta que a baixa quantidade de desempregados levará as empresas a terem dificuldade para encontrar mão de obra, de forma a aumentar o poder de barganha dos trabalhadores e os custos da produção. ¿Em algum momento, essa despesa chegará aos preços finais¿, argumenta.

¿O aquecimento que se vê no comércio e serviços, hoje, é um reflexo do crescimento industrial expressivo observado no início do ano. Da mesma forma, a desaceleração da indústria observada agora resultará em desempenhos mais tímidos do comércio e serviços em 2011¿, avalia Romão. A seu ver, o índice de desemprego chegará a 5,7% em dezembro e a uma média de 6,8% em 2010.

Cimar Azeredo, gerente da pesquisa realizada pelo IBGE, destaca a qualidade dos postos gerados. ¿Enquanto, em 12 meses, o número de pessoas ocupadas cresceu 8,6%, a média geral foi de um crescimento de 3,5%¿, pondera.