Título: A nova geografia econômica
Autor: Arbache, Jorge
Fonte: Valor Econômico, 08/06/2012, Opinião, p. A11

Há algo de novo no ar. De um lado, a China já é um dos países que mais depositam patentes e a Huawei, empresa chinesa de equipamentos de telecomunicações, recebeu o Prêmio de Inovação da "The Economist" de 2010. De outro lado, parte da indústria manufatureira americana instalada em países emergentes está retornando para casa valendo-se de custos e condições favoráveis de produção. De fato, alguma coisa está fora da ordem e ela está associada à nova geografia da inovação e da produção.

A presença da China em inovação só faz aumentar. Em 2004, havia 107 centros independentes de pesquisa e desenvolvimento (P&D) de multinacionais na China. Em 2010 eles já somavam mais de 1.100. Os chineses têm feito conquistas notáveis em áreas tais como tecnologia espacial, supercomputadores e nanotecnologia. Com avanço tecnológico, as exportações chinesas estão se movendo na cadeia de valor e já competem com os países desenvolvidos - as exportações de bens de capitais deverão ultrapassar as da Alemanha neste ano e já deixou a japonesa para trás.

O Brasil pode e deve participar ativamente desse novo mapa da inovação e da produção. Tem oportunidades talvez únicas para o desenvolvimento tecnológico e industrial em áreas como petróleo e gás, agronegócios, tecnologias verdes, saúde e aeronáutica.

Depois de décadas de desinteresse, os EUA voltaram as atenções à indústria manufatureira e o setor já é um dos principais responsáveis pelo crescimento da economia e do emprego naquele país. Apoiados, inicialmente, por políticas industriais e monetárias e, posteriormente, por novas tecnologias e pelo aumento dos custos do trabalho na China, as exportações industriais americanas vêm aumentando e seus efeitos já se fazem sentir até mesmo por aqui: o saldo comercial bilateral de manufaturados passou de historicamente positivo para o Brasil para fortemente negativo. Embora os custos do trabalho nos EUA sejam muito mais elevados que em países emergentes, o uso de sofisticadas tecnologias, inovações e elevada produtividade mais que compensam o diferencial de custos.

Uma outra novidade no mapa da produção é a entrada da Índia e outros países asiáticos de baixo custo do trabalho na manufatura de massa encorajados pelo crescimento dos mercados domésticos, aumento dos custos na China e pela busca por diversificação geográfica da produção.

A nova geografia da inovação e da produção redesenhará a economia mundial e as consequências serão profundas. De imediato, apontam para um aumento da competição nos mercados de manufaturas de alto valor agregado e nos de manufaturas de produção em massa. No médio prazo, haverá mudanças significativas nas cadeias globais de produção, nas redes mundiais de inovação, no comércio internacional, fluxos de capitais e na geração de emprego e renda.

Esse complexo processo de transformação da geografia econômica aumentará a pressão sobre os países com elevados custos de produção, baixa produtividade, ambientes de negócios desfavoráveis e com limitada capacidade de inovar.

O Brasil pode e deve ambicionar participar ativamente da nova geografia econômica. Isto porque o país tem oportunidades, talvez únicas, para o desenvolvimento tecnológico e industrial através da economia do conhecimento e da inovação dos recursos naturais. Áreas como petróleo e gás, agronegócios, biodiversidade, tecnologias verdes, saúde, dentre outras, são grandes fronteiras para o nosso desenvolvimento. A exploração do pré-sal, por exemplo, é uma grande oportunidade de investimentos, avanço tecnológico e adensamento e dinamização de cadeias produtivas. Estima-se que serão investidos US$ 354 bilhões no setor entre 2012 e 2015, o que representa 59% das perspectivas de investimentos no período, e laboratórios de P&D de grandes multinacionais estão se instalando no país para participarem dos desafios do pré-sal.

Mas o verdadeiro ouro negro que poderá emergir do pré-sal não é o petróleo, mas sim as soluções para os desafios científicos e tecnológicos, logísticos e de equipamentos e materiais requeridos pela cadeia produtiva do setor. Se absorvidos pelas universidades, centros de pesquisa e pela indústria nacional, o conhecimento e as competências ali desenvolvidos poderão ter profundos efeitos em vários outros setores industriais, com impactos econômicos e sociais substanciais.

Nosso maior desafio será gerir de forma e ritmo adequados essas oportunidades em favor do crescimento econômico sustentado. Essa é a nossa oportunidade para fazermos parte da nova geografia da inovação e da produção. Para isso, serão necessários grandes esforços de inteligência e coordenação de políticas, políticas de fomento à transferência de tecnologias e de capacitação das universidades, centros de pesquisa e da indústria nacional para que tenham participação ativa no pré-sal, e políticas que fomentem o transbordamento dos avanços tecnológicos, industriais e de serviços para outros setores. Dizem que um raio não cai duas vezes no mesmo lugar. Talvez devamos levar essa previsão a sério.

Jorge Arbache é assessor da presidência do BNDES e professor de economia da Universidade de Brasília. Email: jarbache@gmail.com.