Título: Sem investimento, Bolívia pode ter de racionar energia
Autor: Leo, Sérgio
Fonte: Valor Econômico, 13/09/2006, Internacional, p. A11

Considerado o negociador mais duro do governo boliviano, o ministro de Hidrocarbonetos da Bolívia, Andrés Soliz Rada, avisou ao governo brasileiro que chefiará as negociações com a Petrobras sobre investimentos da empresa no país e que decidiu limitar à negociação de contratos da estatal a agenda da reunião com o ministro de Minas e Energia, Silas Rondeau, na sexta. Rondeau havia anunciado a intenção de negociar outros projetos de cooperação entre os dois países, mas o governo boliviano não está interessado nessa discussão.

A necessidade de investimentos de infra-estrutura na Bolívia (que praticamente estancaram após o anúncio da nacionalização do setor de gás e petróleo) ganhou tons dramáticos nesta semana, com o anúncio, do vice-ministro de Eletricidade, Jerjes Mercado, de que o país terá racionamento de energia já em 2007 caso não eleve a capacidade de geração em 300 mega-watts nos próximos cinco anos. Esse é um tema que poderia ser abordado pela delegação brasileira, já que o governo Morales paralisou negociações para construção, pela brasileira Odebrecht, de usinas em território boliviano, como parte do complexo do Rio Madeira.

Desprestigiado pela aprovação de um voto de desconfiança no Congresso boliviano e pela decisão do presidente Evo Morales de incluir outros ministros na negociação com as empresas petrolíferas com interesses na Bolívia, Soliz Rada continua como porta-voz das negociações e informou às empresas que "encabeça" o grupo de ministros na discussão.

Segundo um graduado assessor de outro ministro envolvido na negociação, Soliz Rada de fato está encarregado de tratar da renegociação dos contratos, enquanto a negociação do futuro preço do gás fornecido ao Brasil ficará a cargo dos ministros da Fazenda, Luiz Arce, e do Planejamento e Desenvolvimento, Carlos Villegas, que só pretendem retomar o assunto em novembro, por acreditar que o governo brasileiro aceitará reajustes do preço do gás após as eleições.

No começo da semana, Soliz Rada entregou às empresas, inclusive à Petrobras, uma minuta do contrato que pretende assinar para exploração e industrialização do gás boliviano. O contrato mantém a decisão de transformar as empresas, antes proprietárias de refinarias e poços, em prestadoras de serviços. Em uma análise preliminar, a Petrobras avalia que a remuneração prevista por esses serviços traria prejuízos, o que indica negociações duras a partir de sexta-feira.

A recusa boliviana em expandir a agenda deve fazer com que Silas Rondeau participe só do início da reunião, sem acompanhar as negociações. Ele terá encontro com o vice-presidente, Álvaro Garcia Linera, com quem, em visita recente ao Brasil, acertou a retomada das negociações entre Petrobras e governo, junto com uma "agenda positiva" de projetos comuns. A Petrobras e outras empresas insistem que não há como retomar investimentos sem um marco legal claro para orientar os investidores.

Para analistas na Bolívia, o papel ainda destacado de Soliz Rada e as recentes declarações do presidente Morales insistindo em aumento no preço do gás mostram que o governo boliviano pretende politizar cada vez mais as negociações. Ontem Soliz Rada teve rodada de negociações com as outras empresas do setor de gás e petróleo.

Linera se encontrará com Silas Rondeau logo após a visita que faz nesta semana aos EUA, onde tenta convencer as autoridades americanas a manter o sistema preferencial de importações pelo qual o mercado americano absorve, sem imposto de importação, cerca de US$ 380 milhões em mercadorias de 530 empresas bolivianas. O sistema será extinto neste ano, e o governo criou uma linha especial, de US$ 12 milhões para cobrir os custos adicionais das empresas enquanto os EUA não revêem a decisão. A medida, aplaudida pelos empresários, impõe um novo peso ao apertado orçamento boliviano.