Título: Fundo Monetário Internacional em crise
Autor: Wolf, Martin
Fonte: Valor Econômico, 13/09/2006, Opinião, p. A12

O Fundo Monetário Internacional está imerso em crise financeira. Isto dará motivos para os seus críticos se alegrarem. Mas seus defensores deveriam se alegrar também, pois o motivo pelo qual o FMI está enfrentando um desastre financeiro é que os seus clientes não estão.

O FMI precisa de crises, assim como os médicos necessitam de doenças. Este médico em particular, porém, foi bem-sucedido demais. Consequentemente, os créditos a receber do FMI estão no seu nível mais baixo em 25 anos. A sua receita pelas políticas atuais deverá cair de US$ 1,125 trilhão neste ano financeiro, para US$ 757 bilhões em mais três anos. Suas despesas deverão aumentar de US$ 955 bilhões para US$ 1,036 trilhão. O déficit que se avizinha é evidentemente impressionante.

Más notícias para o FMI representam excelentes notícias para os seus tomadores de empréstimos. Os mercados financeiros proclamam a redução na percepção dos níveis de risco dos mercados emergentes. Os spreads, consequentemente, desabaram. Os investidores também estão despejando dinheiro neles: no ano passado, de acordo com o relatório de março de 2006 do Institute for International Finance, sediado em Washington, o setor privado estrangeiro despejou US$ 400 bilhões no grupo de países de mercados emergentes no qual o IIF concentra a sua atenção.

"Não precisamos deste dinheiro, agradeço", disseram os receptores. "Afinal, estamos gerando um superávit agregado em conta corrente de US$ 232 bilhões, que estamos determinados a manter". Portanto, eles fizeram o dinheiro retornar mais uma vez, na sua maioria para as obrigações de um Tesouro dos EUA insuficientemente agradecido. No total, o acúmulo de reservas em 2005 foi de US$ 416 bilhões.

Notavelmente, um estudo realizado por três pesquisadores graduados do Fundo indica que eles podem ter razão em agir assim. "Os países em desenvolvimento que confiaram mais nas finanças estrangeiras não cresceram em ritmo mais veloz no longo prazo, e geralmente cresceram num ritmo mais lento. Por outro lado, constatamos que entre os países industriais, os que confiam mais nas finanças estrangeiras realmente aparentam se desenvolver num ritmo mais veloz" ("Foreign Capital and Economic Growth", Eswar Prasad, Raghuram Rajan and Arvin Subramaniam, August 11 2006, www.kc.frb.org).

Economias emergentes com superávits em conta corrente crescem em ritmo mais veloz. Em consequência, "a anomalia atual de países pobres financiando os países ricos pode não prejudicar realmente o crescimento daqueles", principalmente devido às suas estruturas institucionais e financeiras inadequadas.

Isso significaria que as finanças estrangeiras não desempenham nenhum papel no desenvolvimento? De forma alguma. Conforme argumenta Frederic Mishkin, da Universidade Columbia - hoje um diretor do Federal Reserve [banco central dos EUA] - em um livro importante, o capital estrangeiro pode trazer ganhos de vulto no nível microeconômico: mais concorrência, novas tecnologias e conhecimento gerencial moderno. Ingressos de investimento direto estrangeiro no sistema financeiro em si são particularmente valiosos para um país emergente. ("The Next Great Globalization", Princeton University Press 2006 ). Mas o que isto realmente significa é que parece não haver nenhum benefício em ser importador líquido de capital. Emergentes devem fumar nos mercados de capitais, mas não tragar.

Por que será que isso acontece? Não é por causa de falta de oportunidades de investimento, como ficou demonstrado pela enxurrada de capital estrangeiro procurando investir nestes países e, de fato, pelas elevadas taxas de investimento na Ásia, em particular. Pode também ser porque os países com crescimento mais acelerado já poupam somas consideráveis e, portanto, não precisam do capital adicional que os estrangeiros querem oferecer.

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Outra explicação parece ser os sistemas financeiros, que são incapazes de alocar as entradas de capital com sucesso. Assim, o investimento direto estrangeiro, cujo projeto é escolhido pelo investidor estrangeiro, faz uma contribuição positiva para o crescimento, que o financiamento das dívidas dos maus bancos ou de governos esbanjadores não consegue fazer. Além disso, volumosos ingressos líquidos de capital privado levarão a uma apreciação das taxas de câmbio reais, a menos que sejam compensadas por saídas oficiais de capital. Isto prejudicará setores de bens comercializáveis, em especial industriais.

O mais importante de tudo, na minha opinião, é o vínculo entre vastos déficits em conta corrente e crises financeiras, em particular quando os ingressos consistem na sua maioria de endividamento denominado em moeda estrangeira. Estes ingressos tendem a gerar descasamentos cambiais na economia. Portanto, quando a taxa de câmbio cai - como acontecerá assim que o ingresso de capital estancar - o resultado será falência em massa.

Para muitas economias isoladas de mercados emergentes, a decisão de não ser um importador líquido de capital parece fazer sentido. Mas esta série de decisões também tem conseqüências globais, em particular num mundo de preços de petróleo altos e enormes superávits comerciais nos países exportadores de petróleo. Considerando que o mundo não pode ter superávits com Marte, outros países devem ter déficits. Os EUA têm, atuando na condição de maior tomador de empréstimo emergente do mundo.

Por acidente, o mundo encontrou forma de fazer funcionar o mundo sujeito a crises da globalização financeira. Os investidores avaliam economias de mercados emergentes como destinações atraentes, mas os governos de muitos dos países mais cortejados detestam a idéia de absorver o capital. Portanto, eles resistem à pressão pela apreciação da moeda e reciclam o ingresso predominantemente em dívidas dos EUA. Depois os EUA reclamam dos déficits, enquanto desfrutam os recursos.

Ironicamente, pois, as mesmas mudanças que ajudaram as economias de mercados emergentes a se tornarem menos sujeitas a crises levaram aos "desequilíbrios globais", com os quais o FMI agora está se debatendo. Mas o FMI não tem nenhuma influência sobre os EUA na condição de país deficitário, e ele jamais exerceu influência sobre países superavitários. Para piorar, as finanças do FMI vão se tornando mais desesperadoras à medida que clientes tornam-se mais solventes.

Entre o fim de 99 e maio deste ano, o mundo acumulou US$ 2,78 trilhões em reservas cambiais adicionais. Três quintos delas acumuladas desde o início dos tempos ocorreram neste breve período de tempo. Isto quanto ao mito de que vivemos em um mundo de taxas de câmbio flutuantes! É quase impossível crer que estes têm sido os investimentos de maior retorno que governos do mundo poderiam fazer. Mas é o que decidiram fazer, principalmente para preservar a competitividade das exportações e as sólidas posições em conta corrente que eles desejam ter.

Os economistas do FMI parecem sugerir que só fará sentido que um país permita a entrada de volumosos ingressos líquidos de capital quando tiver um sistema financeiro de primeira linha. Se este for o tempo que o mundo precisará esperar, não poderemos reter a respiração. Mas não faz sentido que os povos dos países mais pobres financiem os consumidores nos países mais ricos. Uma mudança é certamente necessária. É improvável, porém que ela ocorra facilmente ou em breve.