Título: Maior risco é o contágio da crise do euro, diz Gerdau
Autor: Ribeiro, Ivo
Fonte: Valor Econômico, 14/06/2012, Empresas, p. B6

O contágio da crise europeia nos demais mercados é o grande risco para a economia mundial hoje, segundo o empresário André Gerdau Johannpeter, que preside o maior grupo brasileiro de aço e número um nas Américas na produção de aço longo. "Até agora ela está bem contida lá, na zona do euro". Prestes a completar o mandato de dois anos como presidente do conselho diretor do Instituto Aço Brasil, entidade que reúne no país 11 companhias siderúrgicas, André Gerdau concedeu entrevista ao Valor na tarde de terça-feira, em São Paulo. Dia 27, em evento do setor, ele passa o bastão do cargo para outro representante, Albano Chagas Vieira, da Votorantim Siderurgia.

Gerdau discorda que haja uma crise global da economia, como, diz, tem sido tratado o assunto pela mídia. "A Europa, sim, vive uma crise, com PIB negativo, mas o resto do mundo passa por um processo de desaceleração econômica. Os EUA têm previsão de crescimento do PIB de 2,1% e vêm crescendo desde a crise global de 2008/09. Não na velocidade que todos gostariam. É lenta, mas gradual e constante". Para Gerdau, essa é uma notícia alentadora.

O Brasil, afirmou, com as medidas tomadas pelo governo de estímulo ao consumo, com redução de imposto na produção de automóveis e aumento de prazo para financiamento a imóveis, deverá mostrar melhorias no desempenho econômico no segundo semestre. "Acreditamos que o PIB médio de 2,7% só reflete essa primeira parte do ano, que foi fraca". O grande salto do país, no entanto, observou o empresário, só virá com as grandes reformas estruturais - questões tributária e trabalhista, infraestrutura e juros, que vão dar mais competitividade à indústria no país - aliadas a investimentos pesados. "Isso seria o próximo salto do Brasil, com inflação dominada e juro tendendo a caminhar para baixo".

Globalmente, disse, o consumo aparente de aço aponta retração neste ano, muito em função do impacto da crise da Europa e da desaceleração chinesa. Em abril os números foram revistos de 5,3% de alta em relação a 2011 para 3,6%. No Brasil, a projeção é de crescimento de 5,4%, uma vez e meia a duas vezes o PIB brasileiro. A boa notícia é a recuperação americana, diz, cuja demanda deverá alcançar, no próximo ano, os níveis de 2007, o ano pré-crise. "Esse é um bom referencial para o consumo nos países desenvolvidos". Abaixo, os principais trechos da entrevista.

Valor: Qual sua análise do cenário econômico atual do mundo?

André Gerdau Johannpeter: Para nós, está muito claro: crise, mesmo, vemos na Europa, que enfrenta problemas na Grécia, na Irlanda, na Espanha, na sua moeda, o euro, e em bancos, e sinaliza ter PIB negativo. Mas o resto do mundo vive um processo de desaceleração econômica. É muito importante a distinção entre crise e desaceleração. O risco é essa crise dos paises da zona do euro contagiar os demais mercados.

Valor: Mas os EUA ainda não saíram da crise financeira de 2008?

Gerdau Lá, a previsão de crescimento do PIB para este ano é de 2,1%, um índice nada desprezível para um país daquele tamanho. Isso é importante. Muita gente não repara, mas a economia americana cresce - lenta, gradual e constante - desde a crise. O desemprego ainda não cedeu de forma efetiva nem o setor de construção de residências reagiu, mas vemos recuperação em vários setores, como o automotivo e a aquelas ligadas á área de energia. Essa é uma notícia muito positiva. Sou otimista com os EUA e não sou, agora, com a Europa. A China prevê PIB de 8,2%, não mais os 12% de vários anos atrás; a Índia, por volta de 7%, e o próprio Brasil, 2,7%. Não são as taxas de crescimento que todos gostariam, mas são índices de crescimento. Volto a ressaltar: o grande risco é um contágio da crise europeia nessas economias. Mas, por enquanto, ela está bem contida nos países da zona do euro, afetando os mercados financeiros dos países, espalhando medo de quebra de bancos, como na Espanha. A China, por exemplo, que é um grande parceiro comercial da Europa, pode ter impacto. Já vemos isso na desaceleração do país.

Valor: E qual é o prazo que você enxerga para o fim dessa crise?

Gerdau É muito difícil fazer qualquer previsão. Vai depender muito se a Comunidade Europeia continua e se o euro será mantido como moeda única. Há várias posições, de negativas a positivas. Por outro lado, temos ainda essas crises políticas em países do Oriente Médio e Norte da África, que também têm impactos na economia global.

Valor: E sobre a economia do Brasil, qual sua visão?

Gerdau O desempenho da economia brasileira atual é resultante, em parte, dos efeitos externos e outra parte das medidas de contenção da inflação tomadas pelo governo no ano passado, com restrição ao crédito e que acabaram afetando o consumo. Agora, vemos exatamente o contrário: são medidas de afrouxamento - abaixando juros, liberando crédito, cortando impostos - as quais deverão surtir efeito no segundo semestre. O PIB médio de 2,7% é baseado neste primeiro semestre, que puxa essa média. O próximo semestre deverá vir com números melhores. Mas essas são medidas de curto prazo, para manter a economia aquecida. O grande salto de crescimento passa pela solução dos problemas estruturais do país.

Valor: Que problemas são esses que você aponta?

Gerdau As reformas tributária, que ainda é muito pesada no Brasil, e trabalhista, a questão do câmbio, dos juros e os investimentos em infraestrutura. O câmbio, mesmo com R$ 2,00 ainda afeta competitividade da indústria brasileira e nosso juro ainda é elevado comparado ao de outros países. Esses pontos que acabam afetando a competitividade do Brasil. São essas reformas que o governo precisa atacar e vemos que o governo está consciente. Isso passa também pelo aumento do porcentual de investimento [em relação ao PIB], que é baixo - apenas 19%. Temos a China com 40% e a Índia com mais de 30%. Só com isso poderemos crescer de 6% a 7% ao ano.

Valor: E essas obras todas do PAC, Copa do Mundo, Olimpíada...

Gerdau Elas são muito importantes, porque trazem junto muito investimento paralelo, como aeroportos, estradas, obras de acesso, hotéis... tem muita obra atrasada. Falta fazer muita coisa ainda: portos, ferrovias, saneamento, escolas e hospitais. As obras do PAC [Programa de Aceleração do Crescimento, do governo federal] não está na velocidade esperada, assim como o Minha Casa, Minha Vida [de habitação popular], que é muito importante. Há também o pré-sal e a indústria naval. Mas a percepção é que o andamento é lento, menos rápido do que deveria ser. Grande parte disso para acontecer passa pela gestão certa dos recursos públicos, por parcerias público-privadas e concessão ao setor privado, como o caso dos aeroportos.

Valor: Como isso tudo impacta o mercado mundial e local de aço, setor que você atua e representa?

Gerdau Mundialmente, em abril a worldsteel [entidade dos fabricantes em 66 países, baseada em Bruxelas, na Bélgica] revisou seus números do consumo aparente. A expectativa de crescimento, em outubro, era de 5,3% para 2012. Foi revisada para 3,6%, em função da crise nos países da Europa e da desaceleração econômica. Na Europa, a previsão é de recuo de 1,5%. A China vai crescer 4%, a região do Nafta (EUA, Canadá e México), 5%, e a América Latina, 6,8%, puxada por outros países que não o Brasil. Aqui, temos o impacto da desindustrialização sobre o consumo de aço, em especial de aços planos, usado em automóveis, bens de linha branca e máquinas e equipamentos. Não deixa de afetar também aços longos, que deve ter desempenho melhor, entre 6% e 7%.

Valor: A siderurgia, devido a esse cenário econômico incerto, está segurando investimentos?

Gerdau Há ainda um excesso enorme de oferta de capacidade de aço no mundo, acima de 500 milhões de toneladas, o que tem pressionado os preços e as margens das siderúrgicas. Isso não justifica aumento de produção de mais aço. A demanda forte até 2008 levou muita gente a investir em maior capacidade. Com a crise, o consumo se retraiu e isso gerou um excedente que foi se agravando. Na Europa, hoje, não se vê nada de investimento, ao contrário, até de paralisação de usinas. Na Ásia, há muitos investimentos em aumento de produção. Por isso, atualmente, o foco dos investimentos é mais voltado para matérias-primas chaves, como minério de ferro e carvão, em busca de recuperar margens de ganho. Hoje, essas margens migraram para as matérias-primas. Essa tendência deve continuar, pelo o que se vê, e não é só no Brasil. É uma tendência mundial.

Valor: O Brasil tinha previsão de investimentos pesados que dobrariam a capacidade de produção.

Gerdau Até 2007, o custo de implantação de novos projetos no país era um; de lá para cá, foi se tornando cada vez mais inviável. O custo, aqui, é de mais de US$ 1,5 mil a tonelada, ante cerca de US$ 1 mil na China e US$ 800 na Índia, na média. Então, fazer aço para exportação, no Brasil, não é mais possível. O custo do país não permite, devido aos pontos que mencionei: câmbio, carga tributária e trabalhista, juros, infraestrutura, além do custo da matéria-prima, que aumentou cerca de 45%. O que vemos são alguns investimentos em projetos sendo revisados. Nossa capacidade instalada é de 48 milhões de toneladas para um consumo de 26,5 milhões por ano. Com isso, a tendência das empresas é de direcionar o foco para produtos acabados, pois já dispõem de capacidade de aço sobrando e suficiente para atender o mercado.

Valor: Então, qual a avaliação que você faz sobre a pressão do governo para a Vale investir em novas usinas de aço no país?

Gerdau Trata-se de uma decisão empresarial da Vale. O que se vê é que a rentabilidade na fabricação de aço é menor que a de produção de minério. As siderúrgicas estão indo para o minério. Se for uma decisão de negócio, faz mais sentido investir em minério do que em placas para exportação [A Vale tem três projetos no setor: Pará, Ceará, com parceiros coreanos, e um em estudo no Espírito Santo e é dona de 27% da ThyssenKrupp CSA, no Rio].

Valor: Qual sua avaliação desse primeiro ano e meio do governo da presidente Dilma Rousseff?

Gerdau No geral, tenho uma avaliação positiva. Seu governo vem tomando as medidas necessárias para retomada do crescimento da economia, com ações de estímulo ao consumo ao se reduzir juros e facilitar o crédito. Isso é bem positivo. No começo teve de tomar medidas de desaceleração da atividade, para controlar a inflação, e teve um primeiro momento de engessamento na agenda por conta das trocas de ministros, mas essa fase já passou. Desde então, as prioridades são decisões importante para o país.