Título: Índia supera os EUA em algodão e já preocupa brasileiros
Autor: Zanatta, Mauro
Fonte: Valor Econômico, 13/09/2006, Agronegócios, p. B13

Se o forte crescimento das exportações de têxteis chineses tem espalhado receio entre industriais de todo o mundo, a Índia começa a ser encarada da mesma forma pelos produtores de algodão, sobretudo no Brasil. Na safra 2006/07, pela primeira vez na história, a Índia ultrapassará os Estados Unidos no ranking mundial de produção da fibra, ocupando a inédita segunda colocação. A projeção foi divulgada ontem durante plenária do Comitê Consultivo Internacional do Algodão (ICAC, na sigla em inglês), que reúne representantes de 55 países até sexta-feira em Goiânia. Os indianos devem colher 4,7 milhões de toneladas ante 4,6 milhões de toneladas dos EUA. A China continuará a liderar o processo, com 6 milhões de toneladas. O Brasil deve colher 1,2 milhão de toneladas na atual safra.

Movida pela profissionalização dos produtores, ganhos de produtividade e vizinhança com os principais clientes asiáticos, a produção indiana ocupará 25% da área plantada mundial, com 9,2 milhões de hectares. A produção interna cresce a taxas de 8% ao ano desde a safra 2002/03. A produtividade média indiana passou de 473 para 508 quilos por hectare. Na safra 2007/08, prevê-se um salto para 551 quilos por hectare. Em algumas áreas, como na região central do país, a produtividade já bateu em 757 quilos/hectare.

"Não tenho dúvidas de que o concorrente a ser batido nos próximos dez anos é a Índia", diz Jorge Maeda, produtor em Mato Grosso e na Bahia. "Eles têm custo de produção reduzido pelo uso de transgênicos, mão-de-obra barata, além da boa logística e proximidade com grandes importadores, como a China".

Segundo maior consumidor mundial, e com um mercado doméstico crescente, a Índia conta ainda com as vantagens do cultivo de algodão transgênico em 55% da área plantada. "Todos falam dos Estados Unidos, mas o nosso grande competidor é a Índia", diz Antonio Vidal Esteve, presidente da consultoria Ecom Cotton Mercosul. O mercado indiano de algodão deve viver um salto espetacular, passando de US$ 25 bilhões, em 2003, para US$ 45 bilhões neste ano, segundo estimativas de Vinay Kotak, da trading Kotak & Co. "Ainda temos terra para expandir a área e um mercado interno muito grande a ser explorado", diz.

O mercado mundial já sente a presença da Índia, transformada em terceiro maior exportador mundial da fibra. A fatia indiana no comércio internacional deve passar de 7,76% para 8,9% do total mundial na safra 2006/07.

Em contraste com a certeza da feroz competição indiana está a polêmica sobre as dificuldades de mensuração dos estoques de algodão da China, o maior importador mundial do produto. Estimativas divergentes e pouco confiáveis, até mesmo do próprio ICAC, têm deixado traders e analistas de mercado indecisos sobre as cotações futuras.

O ICAC, por exemplo, estima um estoque inicial de 1,5 milhão de toneladas da fibra chinesa em 2006. O Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA) prevê 2,8 milhões de toneladas. Numa iniciativa inédita, a consultoria Ecom Cotton Mercosul, visitou indústrias e autoridades portuárias nas principais regiões produtoras da China para coletar dados de produção e estoques do país e concluiu que os chineses tinham 4,4 milhões de toneladas armazenadas até julho. "A produção deles tem sido subestimada e o consumo, superestimado", afirma Antônio Esteve, durante uma palestra que causou mal-estar para representantes do ICAC e do USDA presentes ao evento.

Na dúvida sobre os estoques da China e sua influência nos preços internacionais, os produtores brasileiros já venderam pelo menos 450 mil toneladas da safra 2006/07, que começou a ser plantada neste mês, e negociaram outras 110 mil toneladas do ciclo 2007/08. E já discutem com seus corretores as melhores ofertas para a safra 2008/09.

O diretor-executivo do ICAC, Terry Townsend, afirma que a demanda da China por algodão colaborou para uma "distorção" das projeções, mas admitiu as dificuldades de previsão. "As compras chinesas subiram de repente para 4 milhões de toneladas. Não temos dados suficientes para saber o que está ocorrendo", disse. O ICAC estima que a China deve consumir 10,5 milhões de toneladas de algodão no ciclo 2006/07 - ou seja, 600 mil toneladas acima da safra 2005/06.

A forte demanda da China deve elevar o consumo mundial de algodão para 25,7 milhões de toneladas nesta safra, o que ficará bem acima da produção total, estimada em 24,7 milhões de toneladas. "O comportamento dos preços internacionais dependerá de números confiáveis sobre os estoques da China. Ainda não sabemos ao certo se haverá déficit", declara o diretor econômico da representação de Taiwan nos EUA, Francis Liang.

O jornalista viajou a convite do ICAC Brasil