Título: Megarreserva virou um superembaraço
Autor: Hessel, Rosana ; Iunes, Ivan
Fonte: Correio Braziliense, 30/10/2010, Política, p. 2

Anunciada com a intenção de impulsionar Dilma na reta final, descoberta de novo poço na Bacia de Santos é vista como tática eleitoreira pelo mercado, derruba ações da Petrobras e dá armas aos tucanos Anunciada a dois dias das eleições, a descoberta de uma nova megarreserva de petróleo no pré-sal virou moeda política, com o lucro disputado por petistas e tucanos. A divulgação da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) de que uma nova área na Bacia de Santos, no campo de Libra, abrigaria entre 3,7 bilhões e 15 bilhões de barris de óleo conseguiu roubar holofotes até do último embate na tevê entre Dilma Rousseff (PT) e José Serra (PSDB).

Em questão de poucas horas, a aposta do governo federal em dar o último impulso à campanha da ex-ministra da Casa Civil com o anúncio do petróleo encontrado no campo de Libra saiu pela culatra. O que era para ser a pá de cal na campanha adversária acabou virando munição de última hora contra o Palácio do Planalto. Em condições normais, a descoberta a 183km da costa do Rio de Janeiro, que poderia dobrar as reservas brasileiras, surtiria efeito positivo no mercado. O anúncio feito em meio ao turbilhão político, no entanto, e com estimativa imprecisa de volume, acabou por derrubar as ações da Petrobras na Bolsa de Valores de São Paulo (BM&FBovespa). Ampliou, ainda, as críticas dos tucanos, de que o Planalto estaria utilizando a empresa com fins políticos (leia mais nas páginas 3 e 4).

A oposição reagiu com indignação em relação ao anúncio feito pelo governo federal. Desde o início do segundo turno, pipocam no programa eleitoral de Dilma acusações de que os tucanos pretendem privatizar o pré-sal e a Petrobras. O retorno do petróleo à campanha presidencial, depois de 60 anos, ganhou ainda mais força durante a semana. O governo antecipou anúncios de descoberta de novos campos de petróleo em Alagoas e Sergipe, além do de ontem, no campo de Libra. Para completar, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva participou de uma cerimônia pelo início da produção comercial do pré-sal no campo de Tupi, na quinta-feira.

Amarelo Mesmo em um evento oficial, Lula voltou a lembrar da tentativa feita pelos tucanos no governo Fernando Henrique Cardoso de modificar o nome da Petrobras. ¿Esse aparelhamento recente do governo mostra que há um sinal amarelo aceso na campanha de Dilma. Quem está ganhando com tanta vantagem, como eles apregoam, não faz um anúncio irresponsável, sem qualquer precisão, a dois dias das eleições¿, dispara o presidente tucano, Sérgio Guerra.

Surpresos pela repercussão negativa da descoberta, especialmente pelo mercado, o governo federal tratou de escalar bombeiros para tentar apagar a desconfiança sobre o anúncio. Os petistas atribuem aos ataques feitos pelos tucanos à Petrobras a responsabilidade pela queda das ações da empresa depois da divulgação. ¿O anúncio é positivo, é uma coisa boa, não tem por que esconder uma descoberta providencial para o país, mesmo com as eleições¿, defende o líder do governo na Câmara dos Deputados, Cândido Vaccarezza (PT-SP).

Descrença Entre os economistas, a explicação para a reação negativa tem como pano de fundo exatamente o viés político por trás do anúncio de novas reservas de petróleo encontradas no pré-sal. Duas divulgações similares em uma semana trouxeram ar de descrédito à descoberta. ¿Dois anúncios a dois dias da eleição parecem ter mais um cunho político do que econômico. Por isso, as ações caíram e as dúvidas em relação à Petrobras só aumentam¿, resume o economista Demetrius Lucindo, da Corretora Prosper.

As principais dúvidas dos operadores das bolsas giram em torno do processo de capitalização da Petrobras, ocorrido no fim de setembro, e com o qual o governo ampliou o controle na estatal, que passou de 57,5% para 63,3% das ações ordinárias (com direito a voto) sem tirar um centavo do caixa. ¿Se na primeira descoberta da Bacia de Santos, com potencial de 8 bilhões de barris, a União já pegou 5 bilhões para comprar ações da Petrobras, quanto será que ela não irá pegar desse novo poço, se é que ele tem 15 bilhões?¿, questiona Lucindo. O governo federal nega que vá utilizar novos barris de petróleo do campo de Libra para aumentar a participação na empresa.

Sobressaltos e ironia Na cerimônia de início da produção comercial de petróleo do pré-sal na Bacia de Santos, na quinta-feira, o presidente Lula usou o discurso para dar força, indiretamente, à sua ¿herdeira¿ na corrida pelo Planalto. Ele citou a relevância da ¿nossa Petrobras¿ e reforçou o tom nacionalista e de comparação com o governo anterior ao citar a tentativa de mudança de nome da empresa para Petrobrax, na gestão de Fernando Henrique Cardoso. ¿Quando a gente quer ter orgulho de alguma coisa, a gente lembra da Petrobras. Ela foi criada em 1953, teve muitos sobressaltos e até quiseram mudar o nome dela¿, disse.