Título: Um país com visão de futuro
Autor: Balarin, Raquel
Fonte: Valor Econômico, 15/09/2006, EU & Fim de Semana, p. 4

A Índia tem o poder de aguçar os sentidos. Desde as buzinas, instigadas pelos avisos de "horne please" nas traseiras de caminhões, aos aromas de curry e às saborosas e picantes comidas, tudo é muito intenso. Não dá para ficar indiferente. Segunda economia que mais cresce no mundo - atrás apenas da China -, a Índia é também um poço de contrastes. Nas ruas de Mumbai, é impossível não se surpreender com uma favela à saída do aeroporto - a maior da Ásia, dizem os motoristas. O ambiente não muda muito no resto da cidade, à exceção de um pequeno trecho onde está o hotel Taj Mahal.

Já em Hyderabad, área de grandes empresas de tecnologia (entre elas Microsoft e Infosys) foi batizada de Cyberabad. Na Infosys, a impressão que se tem é de que a empresa fica nos EUA. São prédios baixos, separados por jardins bem cuidados. No centro, um deles é dedicado a tudo que não seja trabalho: há mesas de sinuca, mercado, loja de roupas e dormitório. No andar superior, do refeitório, mulheres vestidas com a tradicional roupa indiana, o sari, almoçam com vista para a piscina.

A Índia é assim. O país que cresce 8% ao ano tem até camelos andando pela estrada que liga Déli a Agra, onde fica o Taj Mahal, mausoléu todo construído em mármore branco. O país que forma engenheiros disputados por grandes multinacionais também tem taxa de analfabetismo de 35% e, dos indianos entre 17 e 26 anos, 92% não estão matriculados em instituições de ensino superior ou profissionalizantes. O país que fornece princípios ativos para a indústria farmacêutica para o mundo registra índice de desnutrição de 47% entre as crianças abaixo de cinco anos.

Mas nenhum desses problemas impede o país de pensar grande. O governo do primeiro-ministro Manmohan Singh tem plano de crescer entre 8% e 10% nos próximos 20 anos. No front externo, o país chama atenção por ter conseguido arrancar do presidente Bush um acordo que lhe permite o acesso à tecnologia nuclear mesmo não sendo signatário do Tratado de Não-Proliferação de Armas. Nas negociações da Organização Mundial do Comércio (OMC), tem se destacado por posições defensivas sobre questões agrícolas. Aliou-se ao Brasil no G-20 e estreitou os laços com o país nesta semana, ao assinar acordos de cooperação na Cúpula Índia-Brasil-África do Sul (Ibas), com a presença de Singh.

Sem dúvida, há complementaridades. A Índia tem uma indústria farmacêutica e de tecnologia da informação de primeira linha e o Brasil pode oferecer tecnologia na área de exploração de petróleo e de produção de álcool combustível. Mas também não há dúvida de que Brasil e Índia são concorrentes. O Brasil é o segundo maior produtor agrícola do mundo e tem interesse na abertura do setor. A Índia, com 600 milhões de pessoas dependendo da agricultura (cerca de 55% de sua população), tenta defender o setor e, em troca, propõe maior abertura da área de serviços. A agricultura responde por 19,9% do PIB do país, os serviços, por 60,7%, e a indústria, por 19,3%.

Outro setor em que Brasil e Índia concorrem é o de manufatura. Os indianos são ainda grandes produtores de minério de ferro de boa qualidade, mas não representam uma forte ameaça à Vale do Rio Doce, ao menos por enquanto, porque uma lei estabelece que esse minério tem de ser usado preferencialmente pela siderurgia local.

O ministro de Relações Exteriores da Índia, Anand Sharma, diz que não vê conflito de interesses entre Brasil e Índia, embora ambos sejam concorrentes em alguns produtos. "A competição é boa. Sem ela, a sociedade ficaria estagnada. Mas não vejo conflito. Temos que olhar para as complementaridades", afirma. Se conseguir superar a questão da concorrência, o Brasil tem muito a aprender com a Índia. E vice-versa.

A jornalista viajou a convite do Ministério das Relações Exteriores da Índia