Título: Crédito para a sustentabilidade
Autor: Luquet, Mara
Fonte: Valor Econômico, 15/09/2006, EU & Investimentos, p. D1

Os bancos historicamente carregam uma má fama. Em obras clássicas como o "Mercador de Veneza" de Shakespeare e tantas outras, eles ostentam reputação de exploradores e ao longo dos séculos têm sido vistos como poderosos demais. Assim, os princípios de responsabilidade social que hoje em muitos casos já norteiam o mundo corporativo ganham um peso particularmente maior no setor financeiro. Este é um caminho sem volta. No Brasil, é prática cada vez mais comum entre os bancos a publicação de relatórios de responsabilidade social junto com o relatório anual. Eles também estão usando critérios de sustentabilidade na concessão de crédito. Além de contribuir para melhorar a imagem do banco, essa postura ajuda a agregar valor às suas ações.

O setor bancário responde hoje por 61% do Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE) da Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa), considerando-se o peso dos papéis na carteira ponderado pela quantidade de ações disponíveis no mercado ("free float"). Já no Índice de Governança Corporativa (IGC), as ações do setor representam mais de 31% da composição do indicador. A percepção dos investidores é a de que, se uma companhia opera de acordo com os princípios da sustentabilidade pode reduzir riscos, o que se traduz em menor custo de capital e maior lucratividade.

O assunto é muito mais estratégico do que parece. Nos próximos anos, ser um banco socialmente responsável não será mais apenas um argumento de campanha publicitária, mas será condição básica para que a instituição continue a operar no mercado e ganhar a confiança dos investidores. Se quiserem sobreviver aos seus concorrentes, os bancos têm, necessariamente, de investir em ações de responsabilidade social. Esta é a conclusão de um detalhado estudo realizada pela pesquisadora Elvira Cruvinel Ferreira Ventura que faz parte de sua tese de doutorado na Fundação Getulio Vargas.

Elvira analisou fatores e eventos críticos na última década que favorecem a disseminação do fenômeno de responsabilidade social no campo empresarial, além de fatores pertinentes ao setor bancário, como o fato de, historicamente, o segmento apresentar altos lucros e de ser secularmente tido como um vilão na sociedade.

Dentre os fatos recentes relevantes para a compreensão da inserção dos bancos no movimento de responsabilidade social, ela destaca a nova realidade de estabilidade monetária no Brasil que, em alguma medida, leva a transformações na operação e estrutura das organizações bancárias. "O Plano Real e o processo de fusões e aquisições ocorrido no setor bancário expôs ainda mais as organizações à opinião pública, tendo em vista as demissões e turbulências geradas", diz a pesquisadora. "Mas, com esse processo, houve a injeção de capital estrangeiro no setor, modificando o perfil das organizações e, assim, tornando-as mais suscetíveis aos movimentos internacionais", acrescenta.

Essas transformações, segundo Elvira, fizeram com que as organizações tivessem de repensar seu modelo de ação para se adaptar à nova realidade. "Nesse momento, muitas investiram no movimento pela responsabilidade social, que já era destaque em outros campos organizacionais e em outros países", diz.

Chamaram a atenção da pesquisadora as campanhas publicitárias dos bancos nos últimos anos, principalmente na televisão, que enfatizam uma nova forma de atuação. Ela cita como exemplos: bancos que sonham, que fazem mais do que o possível (ABN Amro Real), que conscientizam o cliente sobre a adequada utilização do crédito (Itaú), que o ensinam a não pagar tarifas e nem parecem banco (Unibanco).

"Também em outros veículos de comunicação é possível observar uma transformação no enfoque dado às publicações sobre o resultado dos bancos", diz a pesquisadora. Ela cita como exemplo o Santander que, em março de 2005, ao divulgar as demonstrações contábeis referentes ao ano de 2004, em jornal de grande circulação, deu o seguinte título, no alto da página, à sua campanha: "Santander Banespa - crescimento e responsabilidade social. É isso que mantém a nossa chama acesa". O banco, dessa forma, coloca em lugar central seu vínculo com a responsabilidade social, diz a pesquisadora.

O maior banco privado do país, o Bradesco, publica seu relatório social em papel reciclado (como em geral são essas publicações), cuidadosamente editado com informações relevantes sobre o balanço de suas atividades. Mas se engana quem pensa que encontrará nessas páginas um rol de benfeitorias da Fundação Bradesco. O relatório é muito mais do que mostrar ações sociais. É possível encontrar informações de como o Bradesco monitora o seu consumo de água e luz, quantidade de emissão de lâmpadas de mercúrio e aparas de papel enviadas para reciclagem ou controle de emissão de gás carbônico. Distribuídas pelas cerca de 150 páginas estão ainda informações sobre promoções de funcionários, quantidade de mulheres e negros na chefia e contratação de pessoas com deficiência.

A pesquisa constatou que o papel do dirigente organizacional é peça chave nesse processo. "A existência de um dirigente que 'compre' a questão é fundamental para a definição e implementação de um projeto de responsabilidade social", diz a pesquisadora. No levantamento, Elvira identifica dois atores-chave no movimento pela responsabilidade social no setor bancário. Segundo ela, a Federação Brasileira dos Bancos (Febraban) e o ABN Amro Real são uma referência nesse campo.

A responsabilidade social empresarial é um fenômeno que tem se instaurado no Brasil na última década. "Consultores, empresários e lideranças também governamentais têm debatido o assunto de forma sistemática em diversos fóruns construídos com esse objetivo; acadêmicos se debruçam sobre a responsabilidade social empresarial, cada qual contribuindo para a solidificação e conseqüente institucionalização desta prática no Brasil", diz Elvira.

Elvira afirma que o Ibase e o Instituto Ethos são os dois líderes na institucionalização da Responsabilidade Social Empresarial no Brasil. "O Ibase pode ser considerado, inicialmente, a expressão da crítica, funcionando como fonte para a pressão social", diz. Segundo ela, o Ibase passa, principalmente a partir da campanha pelo balanço social, em 1997, a disseminar a responsabilidade social empresarial, tornando-se um líder no movimento. No ano seguinte à divulgação da Campanha pelo Balanço Social lançada pelo Ibase, considerada um evento crítico para o fenômeno, é fundado o Instituto Ethos, uma associação representativa do próprio capitalismo, que nasce com o objetivo específico de disseminar o movimento.