Título: Países debatem crédito emergencial
Autor: Balthazar, Ricardo
Fonte: Valor Econômico, 15/09/2006, Finanças, p. C10

Os países que integram o Fundo Monetário Internacional (FMI) ainda estão longe de alcançar um acordo sobre a criação de uma nova linha de crédito para socorrer nações em desenvolvimento, uma antiga reivindicação que virou uma das prioridades da agenda de reformas em debate na instituição.

De acordo com documentos divulgados pelo FMI nesta semana, às vésperas da reunião anual da organização em Cingapura, há muitas divergências sobre o desenho mais apropriado para o novo instrumento. Alguns sócios do Fundo têm dúvidas sobre sua viabilidade e outros acham que ele é desnecessário.

A nova linha tem sido defendida com ênfase por países que atravessaram crises agudas recentemente, como o Brasil e a Argentina. A idéia é criar um mecanismo que funcione como uma espécie de seguro. Países que adotassem políticas bem comportadas, de acordo com o figurino do FMI, teriam acesso automático a um certo volume de recursos em casos urgentes.

No final de agosto, houve uma discussão preliminar sobre o assunto no conselho que reúne os 24 representantes dos países que integram o Fundo. Na quarta-feira, foram divulgados um resumo do debate e um documento em que os funcionários da instituição avaliam várias opções e apontam algumas diretrizes para o novo mecanismo.

Segundo o FMI, a nova linha teria como potenciais beneficiários países com "políticas macroeconômicas sólidas", dívida pública em nível "sustentável" e "credibilidade demonstrada" na execução de políticas consideradas apropriadas, mas que ainda assim se encontram vulneráveis a crises avassaladoras como as que o Brasil atravessou na virada de 1998 para 1999 e em 2002.

Um das questões em aberto tem a ver com a maneira como os países se candidatariam ao seguro. Alguns países defendem que o FMI estabeleça previamente critérios objetivos e aceite qualquer país que atinja determinado padrão. Outros preferem que os pedidos sejam avaliados caso a caso e de acordo com o compromisso com um programa de reformas a ser executado sob supervisão do FMI.

Outra dúvida é sobre o volume de recursos que poderia ser oferecido pela nova linha. Alguns países defendem um limite equivalente a três vezes a cota de cada país no Fundo. Outros acham aceitável um limite equivalente a cinco vezes a cota, o que no caso do Brasil significaria cerca de US$ 22 bilhões hoje.

Ao contrário dos empréstimos tradicionais do Fundo Monetário, o novo mecanismo teria caráter preventivo. Além de ajudar a apagar o incêndio na hora da crise, ele poderia ser útil antes, para reforçar a reputação dos países beneficiários no mercado financeiro, como um selo de qualidade. Mas a linha também poderia ampliar dúvidas existentes sobre os países que se candidatarem a ela e é por isso que o assunto é difícil.

Em 1999, logo após as crises que abateram a Ásia, a Rússia e o Brasil, o Fundo aprovou a criação de uma Linha de Crédito Contingente (CCL, na sigla em inglês), um instrumento parecido com o que está em debate agora. Mas a linha foi extinta em 2003, porque nenhum país se candidatou aos seus benefícios.

Uma das preocupações do FMI agora é evitar repetir os erros que levaram ao fracasso dessa experiência. As exigências impostas pela CCL eram tão rigorosas que na prática só poderiam se candidatar países que dificilmente precisariam do dinheiro. Países que se candidatavam aos seus benefícios tinham que passar antes por uma avaliação que só contribuía para aumentar as desconfianças dos investidores.

A questão é tão polêmica que dificilmente será possível avançar muito nestes dias, quando ministros das Finanças e presidentes de bancos centrais do mundo inteiro se reunirão em Cingapura. A intenção do diretor-gerente do FMI, Rodrigo de Rato, é deixar o debate amadurecer e apresentar uma proposta mais detalhada somente daqui a um ano, às vésperas da próxima reunião anual do Fundo.