Título: Mittal e a custosa batalha no Brasil
Autor: Góes, Francisco
Fonte: Valor Econômico, 15/09/2006, Empresas, p. B7

Quando Arcelor e Mittal, depois de cinco meses de ferrenhas disputas, finalmente acertaram acordo de fusão de 26,9 bilhões de euros em junho, devem ter torcido para que não fossem incomodadas no processo de criação da nova empresa. Em vez disso, agora se deparam com um confronto sobre a rentável divisão da Arcelor no Brasil.

A Comissão de Valores Mobiliários (CVM), órgão regulador do mercado financeiro no Brasil, ordenou que a Mittal faça uma oferta pública para os acionistas minoritários da divisão. A decisão poderia custar à Mittal cerca de US$ 5 bilhões adicionais, segundo cálculos de um acionista da subsidiária com sede em São Paulo.

A decisão da CVM ressalta a complexidade da tarefa de completar a oferta da Mittal pela rival, que começou hostil, sem a aprovação da direção da Arcelor, mas acabou tornando-se amigável. As duas siderúrgicas combinadas produzirão 10% do aço mundial.

Depois de ter superado a resistência à oferta por parte de políticos europeus e da direção da Arcelor, a Mittal inicia agora o processo para formar o novo grupo, a ser chamado Arcelor Mittal.

Para isso, precisará resolver a questão da Arcelor Brasil, na qual a Arcelor detém 66% do capital. A subsidiária brasileira, com valor de mercado de US$ 11,5 bilhões, é negociada na Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) e gera mais de 30% dos lucros da Arcelor. Em 1º de agosto, a CVM determinou que a Mittal precisa fazer uma oferta pública pela divisão por ter assumido "poder de controle indireto" sobre a Arcelor Brasil.

Frente à perspectiva de ter de fazer um pagamento multibilionário, a Mittal argumenta que o acordo com a Arcelor foi uma fusão e não uma aquisição, portanto, não resultou em mudança de controle na unidade brasileira.

"Está no interesse dos acionistas manter sua participação na empresa (a subsidiária brasileira), para que continue a ser uma empresa aberta, listada no Brasil", afirmou o presidente do conselho de administração e principal acionista da Mittal, Lakshmi Mittal, em entrevista ao "Financial Times". "A empresa tem um futuro muito bom e será uma forte participante na indústria siderúrgica em toda América do Sul. Estamos comprometidos a investir muitos bilhões de dólares nestas operações nos próximos anos."

O cenário é completado pelos argumentos de dois importantes acionistas da Arcelor Brasil, de que seu estatuto exige que a Mittal lhes conceda as mesmas condições oferecidas à Arcelor. Os acionistas da Arcelor receberam ágio de 82% sobre o valor de suas ações.

"Acreditamos que estamos absolutamente qualificados aos mesmos 82% de ágio que os acionistas da Arcelor receberam, o que nos dá direito a um preço obrigatório de R$ 53 por ação", afirmou Chris Hohn, do The Children's Investment Fund, dos Estados Unidos.

O fundo de hedge londrino TCI informou ter participação "significativa" na Arcelor Brasil, adquirida depois do anúncio da oferta da Mittal pela Arcelor em janeiro. O fundo calcula que, com um prêmio de 82%, a Mittal teria de pagar um total de US$ 5,4 bilhões aos acionistas minoritários.

O TCI foi um dos investidores "rebeldes" na Deutsche Börse e foi fundamental na revolta que tirou Werner Seifert do cargo de executivo-chefe da controladora da bolsa alemã. O fundo de investimentos brasileiro Dynamo também pressiona pela obrigatoriedade da oferta aos minoritários com as mesmas condições oferecidas aos acionistas da Arcelor. O fundo informa possuir cerca de 1% das ações, sendo que adquiriu a maior parte antes da oferta pela Arcelor feita em janeiro.

Os próximos passos dependem da CVM. A decisão, tomada por sua área técnica, foi sustentada pela mesma divisão em 29 de agosto. A Mittal apelou e o caso será avaliado pela direção da CVM. Não foi fixada data para uma decisão final, embora seja esperada para breve. O órgão teria de aprovar o preço no caso de uma oferta obrigatória.

A CVM vem prestando atenção particular à governança corporativa no mandato de seu presidente Marcelo Trindade, no cargo desde junho de 2004. Essa postura foi reforçada pelas exigências da lei Sarbanes-Oxley - muitas empresas brasileiras são listadas na Bolsa de de Nova York, por meio de American Depositary Receipts (ADRs).

Dentro dos esforços para defender sua posição, no mês passado Mittal visitou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e Trindade, durante excursão por instalações da empresa no país.

Mittal, que será o presidente do novo grupo, também se reuniu com dois dos principais acionistas minoritários da Arcelor Brasil, o fundo de pensão Previ, do Banco do Brasil, e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social. A Previ tem 4,61% de ações da Arcelor, avaliadas em R$ 988 milhões, e pediu à CVM para que mantenha as decisões anteriores.

A Mittal ainda poderia apelar nos tribunais brasileiros, ampliando ainda mais à tórrida saga da onda de fusões do setor siderúrgico.