Título: Natura teve forcinha durante a era Marina
Autor: Sassine, Vinicius
Fonte: Correio Braziliense, 03/11/2010, Política, p. 4

Principal financiadora do PV na corrida ao Planalto recebeu aval para explorar recursos genéticos quando a ex-candidata ocupava o ministério

A Natura Cosméticos, empresa dos maiores doadores à campanha presidencial de Marina Silva (PV), foi diretamente beneficiada pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA) quando a senadora exerceu o cargo de ministra, entre 2003 e 2008. A Natura Inovação e Tecnologia de Produtos Ltda., do grupo Natura, obteve dez autorizações do MMA para explorar recursos genéticos com potencial de aproveitamento das propriedades na fabricação de perfumes, produtos cosméticos e de higiene pessoal. Das dez autorizações, seis foram concedidas em 2005 e em 2007, anos em que Marina Silva era ministra do Meio Ambiente. No ano passado, foram mais quatro autorizações à Natura. Outros quatro pedidos da empresa estão em análise.

O principal doador à candidatura de Marina foi seu vice na disputa presidencial, Guilherme Leal, proprietário da Natura Cosméticos. Somente Guilherme doou R$ 11,98 milhões ao comitê financeiro nacional da campanha à Presidência e ao diretório nacional do PV. Outros quatro sócios da Natura aparecem na relação de doadores à campanha, divulgada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) na tarde de segunda-feira. Anizio Pinotti, Antônio Luiz da Cunha Seabra, Pedro Luiz Barreiros Passos e Ronuel Macedo de Mattos doaram, juntos, R$ 450 mil. O dinheiro injetado pelos sócios da Natura na campanha de Marina, que ficou em terceiro lugar na disputa presidencial, equivale a mais da metade do valor total arrecadado, R$ 24,9 milhões.

Escolhido pessoalmente por Marina para ocupar a vice na chapa, Guilherme Leal financia as candidaturas da senadora desde 2002, quando ela obteve a vaga no Senado. Naquele ano, a Natura, Guilherme, Pedro Barreiros e Antônio Seabra os três sócios-fundadores do conglomerado doaram R$ 30 mil à campanha de Marina. Em 2005, foi concedida a primeira autorização para a Natura acessar amostras de patrimônio genético da biodiversidade brasileira, com o objetivo de bioprospecção e desenvolvimento tecnológico, como consta na autorização. As permissões são responsabilidade do Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGEN), ligado à Secretaria de Biodiversidade e Floresta, do MMA.

Relevância

A exploração de recursos genéticos pela Natura, que busca em espécies da biodiversidade brasileira novas propriedades aromáticas e cosméticas para seus produtos, começou antes mesmo de 2005 o CGEN disponibiliza no site do MMA somente as autorizações dadas à empresa a partir desse ano. Um estudo divulgado pelo MMA no ano passado, sobre a importância econômica das unidades de conservação brasileiras, cita a Natura como a primeira empresa a receber uma autorização de bioprospecção, em 2004, um ano depois de Marina assumir o ministério. A empresa foi autorizada pelo governo federal a pesquisar novos recursos genéticos na Reserva Estadual de Desenvolvimento Sustentável do Rio Irataparu, no Amapá.

O aproveitamento de recursos genéticos, até agora, não gerou finanças em escala para as áreas protegidas, cita o estudo do MMA, que destaca o potencial econômico da atividade de bioprospecção. Uma empresa obteve 1,2 bilhão de dólares com as vendas de um medicamento desenvolvido a partir de amostras de solo de um parque na Noruega, exemplifica.

Nenhuma outra empresa recebeu tantas autorizações de bioprospecção quanto a Natura, desde 2004. Além da indústria de cosméticos de Guilherme Leal, foram autorizadas a explorar propriedades da biodiversidade brasileira a Quest International do Brasil Indústria e Comércio Ltda. e a Extracta Moléculas Naturais S.A., além de universidades e centros de pesquisa como a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). Um dos pedidos da Natura que ainda será analisado tenta a permissão para acessar e pesquisar o óleo de cumaru, por suas características de perfumação e aromatização. Boa parte dos dados sobre a prospecção a ser feita na biodiversidade brasileira é mantida sob sigilo pelo MMA.

O Correio procurou a assessoria da campanha e do gabinete da senadora para saber a posição de Marina Silva e de Guilherme Leal sobre as doações feitas pelos proprietários da Natura. Não houve retorno à reportagem até o fechamento desta edição.

CUSTO-BENEFÍCIO

As doações dos sócios da Natura a Marina Silva (PV) têm um contraponto: a empresa recebeu diversas autorizações do Ministério do Meio Ambiente, quando Marina era ministra, para explorar recursos genéticos

Doações dos donos e acionistas da Natura

Guilherme Leal - R$ 11,98 milhões

Anizio Pinotti - R$ 50 mil

Antônio Luiz da Cunha Seabra - R$ 200 mil

Pedro Luiz Barreiros Passos - R$ 150 mil

Ronuel Macedo de Mattos - R$ 50 mil

Total - R$ 12,43 milhões

O que são as autorizações para acesso a patrimônio genético

São permissões dadas pelo Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGEN), do Ministério do Meio Ambiente (MMA), para universidades, centros de pesquisa e empresas interessadas em explorar recursos genéticos presentes na biodiversidade brasileira. Esses institutos e empreendimentos identificam e utilizam moléculas ou substâncias provenientes de seres vivos para fins de pesquisa científica, desenvolvimento tecnológico ou bioprospecção. As indústrias farmacêutica e de cosméticos são as principais interessadas na descoberta de novas propriedades, para fins comerciais.

Autorizações dadas à Natura

2005

Bioprospecção a partir do breu branco para desenvolvimento de produtos de perfumaria.

2007

Desenvolvimento do extrato de pariparoba e utilização das propriedades antioxidante e antienvelhecimento em produtos cosméticos.

Desenvolvimento de produtos cosméticos a partir de espécies da Mata Atlântica.

Utilização do óleo essencial da candeia em produtos cosméticos.

Acesso a uma espécie originária da região subtropical da América do Sul (as informações são sigilosas).

Obtenção de extrato de espécie da Mata Atlântica (informação sigilosa).

2009 Utilização da manteiga de cupuaçu na formulação de produtos de higiene pessoal e perfumaria.

Acesso a espécie originária da região subtropical da América do Sul (informações sigilosas), no Rio Grande do Sul.

Obtenção de extrato de espécie da Mata Atlântica.

Exploração de espécies em área privada no Ceará (informações sigilosas).