Título: Vitória com dinheiro alheio
Autor: Torres, Izabelle ; Vaz, Lúcio
Fonte: Correio Braziliense, 03/11/2010, Política, p. 6

Empreiteiras que têm contratos com governos estaduais respondem por um quarto das doações recebidas por chefes do Executivo reeleitos

As prestações de contas dos candidatos divulgadas pela Justiça Eleitoral mostram uma relação estreita de doadores com obras e contratos em andamento com governos locais em diversas regiões do país. As empreiteiras respondem por um quarto das doações já declaradas em sete estados, num valor global de R$ 139 milhões. Elas injetaram R$ 35 milhões nas campanhas. Uma demonstração das recorrentes coincidências entre as contribuições financeiras feitas a governadores que tentaram reeleição com a existência de contratos com os governos aconteceu no Mato Grosso do Sul. A campanha vitoriosa do governador reeleito André Puccinelli (PMDB) recebeu o aporte de R$ 1,7 milhão doado por João Roberto Baird, dono da Itel Informática. A empresa contribuiu com meio milhão.

A boa vontade do empresário com o peemedebista tem razão de ser. A Itel, como explica o portfólio da empresa, é responsável pelas diretrizes de informática de todo estado. Cabe a ela a manutenção do parque tecnológico de diferentes órgãos do governo. Em 2007, primeiro ano do governo Puccinelli, a Itel iniciou a prestação de serviços de informática à Secretaria de Fazenda. O contrato tinha valor de R$ 9 milhões. A empresa e seu dono foram alvos de denúncias do Ministério Público do estado, justamente por suspeitas de irregularidades em contratos firmados com o governo.

A lista de doadores dos candidatos mostra também que as doações ocultas são outra marca forte dessa campanha. A soma das contribuições feitas por diretórios nacionais e estaduais dos partidos chega a R$ 61,6 milhões, o que representa 44% do total. Os diretórios estaduais colocaram R$ 41 milhões na campanha. Os partidos receberam esse dinheiro de empresas e fizeram o repasse aos seus candidatos. Mas a origem dos recursos não é visível no momento, porque os diretórios só prestarão contas no ano que vem.

Entre as empreiteiras, a líder do ranking de doações é a Camargo Corrêa, que tem grandes obras nos maiores estados. A empresa contribuiu com R$ 8,6 milhões. A Construtora OAS, que também participa de consórcios de obras bilionárias %u2014 e é uma das responsáveis pelas obras do Maracanã, no Rio %u2014 repassou mais R$ 4,5 milhões. A UTC Engenharia deu R$ 3,3 milhões. Fora desse setor, as maiores doações partiram do banco Itaú Unibanco: R$ 3,6 milhões. O frigorífico JBS doou R$ 3 milhões

Nos estados

A reeleição de Marcelo Déda (PT) ao governo de Sergipe teve entre seus maiores doadores o grupo empresarial que comanda a Construtora Celi. A empreiteira doou R$ 300 mil e é responsável por obras estaduais. Entre os empreendimentos encabeçados pela empresa e bancados pelo erário está o novo prédio do Ministério Público Estadual. O governo investe quase R$ 35 milhões na edificação.

Na Bahia, a campanha de Jaques Wagner (PT) também recebeu doações de empresas que mantêm ligações estreitas com obras do governo. A Engevix Engenharia encabeça o projeto de instalação de um parque eólico no estado, orçado inicialmente em R$ 400 milhões. A contribuição do grupo para a campanha do petista foi de R$ 900 mil. Na lista de doadores de Wagner, também estão as empreiteiras Camargo Corrêa e OAS. Ambas estão no milionário consórcio das obras do metrô de Salvador e constam na lista de denunciadas pelo Ministério Público Federal do estado por supostas irregularidades no cumprimento do contrato.

As construtoras Galvão Engenharia e Passarelli também contribuíram com a campanha do baiano e estão tocando obras no estado. A primeira fez doação de R$ 50 mil. Ela é a responsável pela construção do trecho de 117,9 quilômetros da Ferrovia de Integração Oeste-Leste (Fiol), na região de Jequiá. Já a Passarelli, com participação na campanha petista de R$ 200 mil, tem contrato com a Empresa Baiana de Água e Saneamento (Embasa) para a ampliação do sistema de esgotamento sanitário de vários bairros de Salvador.

EMPRESAS DO PAC

No Rio de Janeiro, as principais doações ao governador Sérgio Cabral (PMDB) são de empresas que participam de obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) na capital fluminense e de reformas de estádios para a Copa de 2014. O maior volume de recursos é oriundo das construtoras Camargo Corrêa e OAS, que, juntas, deram R$ 2 milhões para a campanha de Cabral, reeleito em primeiro turno. As empresas aplicaram mais de R$ 13 milhões em todo o país, segundo as contas entregues ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Das 64 companhias que doaram para a campanha de Cabral, quase a metade representa construtoras que prestam serviços para o governo do estado. A Camargo Corrêa, que contribuiu com R$ 1 milhão, realiza as obras do metrô da capital, enquanto a OAS, que também doou R$ 1 milhão, está entre as firmas que construíram o Estádio João Havelange, o Engenhão, e o Arco Rodoviário. A Queiróz Galvão, que repassou R$ 800 mil ao comitê de Cabral, ganhou as licitações para as obras do PAC na Rocinha e em Manguinhos.

A Tecnosonda, que faz trabalhos de fundação e sondagens, doou à campanha do governador reeleito R$ 500 mil e está atuando nas obras de reforma do Maracanã para a Copa do Mundo de 2014. Outra doação neste valor foi da EIT, que está entre as empresas que fazem o Porto Maravilha, uma obra de revitalização da Gamboa, bairro do Rio de Janeiro. Os recursos doados abaixo de R$ 500 mil vieram de construtoras de pequeno e médio porte que desenvolvem trabalhos para o governo, contratadas por licitações, principalmente para obras de saneamento básico e em estradas. (EL, LV e IT)

Para saber mais

REFORMA POLÍTICA

O financiamento de campanha é um tema polêmico e recorrente na pauta política do país. O lobby em torno das doações a candidatos, a presença frequente de doadores na lista de suspeitos de órgãos de fiscalização e as coincidências entre prestadores de serviços públicos e contribuintes de políticos engrossam o coro dos que defendem o financiamento público de campanha. No entanto, a proposta é uma das que causam mais divergência no bolo da reforma política.

Enquanto regras novas não são aprovadas, valem as limitações impostas pela Lei Eleitoral. Ela prevê que nem todas as entidades podem fazer doações. Estão na lista de impedidos órgãos da administração pública direta e indireta ou fundações mantidas com recursos provenientes do poder público; concessionária do serviço público; entidades beneficentes e religiosas; cartórios e serviços notariais; sociedade cooperativa de qualquer grau ou natureza; entidade esportiva que receba recursos públicos; governo estrangeiro, entre outros.

As regras estabelecem que todas as doações devem ser registradas em recibos eleitorais, que são os documentos capazes de legitimá-las. Candidatos e comitês financeiros deverão encaminhar, em 6 de agosto e 6 de setembro dos anos eleitorais, os relatórios parciais contendo os valores relativos ao total de recursos arrecadados e gastos na campanha. Até 30 dias depois do pleito, é necessário enviar à Justiça Eleitoral relatório detalhado sobre os financiadores das campanhas. (IT)