Título: Sob pressão, Bolívia recua em relação à Petrobras
Autor: Leo, Sérgio e Lyra, Paulo de Tarso
Fonte: Valor Econômico, 15/09/2006, Internacional, p. A12

O presidente da Petrobras, José Sérgio Gabrielli, critica a Bolívia em entrevista ontem no Rio; para ele, medida inviabiliza operação de refinarias no país Após forte reação do governo brasileiro, a Bolívia suspendeu na noite de ontem a polêmica resolução que confiscaria, na prática, a administração financeira das refinarias da Petrobras no país, sem pagamento de indenização. "É um sinal para avançar no diálogo e na negociação que temos com Petrobras", anunciou o vice-presidente boliviano, Álvaro Garcia Linera. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva elogiou o recuo, atribuiu a confusão a problemas internos na Bolívia e disse que o Brasil tem o dever de ajudar o país vizinho.

Em viagem ao Brasil, Linera se comprometeu a negociar simultaneamente os contratos de exploração e a compra, pelo estado boliviano, do controle acionário das refinarias. Ele disse considerar tarde, porém, a data anunciada pelo governo brasileiro, 9 de outubro, para retomada das negociações, que podem levar também ao aumento do preço do gás comprado pelo Brasil. Lembrou que 31 de outubro é a data-limite para firmar novos contratos com as empresas petroleiras. "A nacionalização não se detém, é decisão que se tomou como país, como governo."

Linera sugeriu enviar ao Brasil uma missão para apressar as negociações. Com o recuo do governo boliviano, ele ganhou temporariamente uma queda de braço que vem travando com integrantes mais radicais do governo, entre eles o ministro de Hidrocarbonetos, Andrés Soliz Rada, favorável a medidas mais duras contras as empresas estrangeiras. À tarde, o ministro chegou a dizer que não haveria "marcha à ré" nas medidas.

Ao anunciar o "congelamento" da resolução divulgada dois dias antes por Soliz Rada, Linera disse que a Bolívia precisa de investimentos e que as refinarias da Petrobras já estão no limite da capacidade. "Temos de trabalhar na construção de uma nova refinaria", afirmou, revelando que, por falta de capacidade, cerca de 5 mil barris de petróleo deixam de ser refinados diariamente. Ele ressaltou que a medida contra a Petrobras "não é um decreto supremo, mas uma resolução ministerial".

A suspensão da nova medida foi comunicada ao governo brasileiro no início da noite. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva deu a informação em entrevista à TV Bandeirantes, na qual baixou radicalmente o tom que, ao longo do dia, havia sido alto nas manifestações de autoridades brasileiras. Lula adotou discurso conciliador e disse duvidar que seja necessário tomar atitudes "mais duras" com a Bolívia. Ao contrário, afirmou que é dever do Brasil ajudar o país. "Vou tentar acertar com a Bolívia com muita tranqüilidade."

A menos de três semanas das eleições presidenciais e confrontado com duras críticas da oposição à suposta leniência com a Bolívia, o governo brasileiro havia reagido inicialmente com irritação e várias críticas à medida boliviana. Garantindo não ter sido informado previamente, o ministro das Minas e Energia, Silas Rondeau, cancelou a ida a La Paz para retomar as negociações em torno da compra das refinarias pelo governo da Bolívia e disse que "atitudes como essa estremecem" a relação com o Brasil.

Em uma operação coordenada pelo Palácio do Planalto, Rondeau foi instruído a deixar clara a reação "firme" do governo e de Lula. "O seqüestro de receita nós consideramos inaceitável", afirmou o ministro, em referência ao fato de que o fluxo de caixa gerado com a venda de derivados de petróleo das refinarias será controlado a partir de agora pela YPFB. "Essa medida muda a forma como a Petrobras opera seus negócios na Bolívia."

A ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, disse que a resolução não condiz com a retomada das negociações acertada no fim de agosto. Segundo ela, a medida desta semana exigia uma postura diferente da adotada pelo governo brasileiro em maio. "São dois momentos distintos: a nacionalização, em 1º de maio, era uma questão de soberania, ligada a uma decisão anterior do governo boliviano. Agora, estamos diante de uma questão comercial, com a qual devemos concordar ou não."

Rondeau telefonou a Soliz Rada, para informar que não havia "clima" para a reunião de hoje em La Paz. Deixou claro que o cancelamento era uma "resposta política" à medida do governo boliviano e sugeriu reiniciar as negociações em 9 de outubro. Segundo ele, essa data permitirá uma avaliação jurídica melhor da Petrobras sobre a abrangência da resolução.

Apesar do tom mais duro, Rondeau descartou retaliações. Disse que a arbitragem internacional no Banco Mundial, citada como possível pela Petrobras, é a última medida cogitada pelo governo e que o primeiro recurso seria feito dentro da lei boliviana. Ele evitou ser taxativo quanto a futuros investimentos da Petrobras no país.

O presidente da Petrobras, José Sérgio Gabrielli, também usou palavras duras contra o governo da Bolívia ao comentar a resolução que faria da Petrobras apenas prestadora de serviços ao invés de dona dos ativos. "Não vou admitir ser expulso da Bolívia sem lutar pelo ressarcimento de nossos investimentos", disse. Segundo ele, a resolução "inviabiliza" a presença da Petrobras na atividade de refino.

Ao comentar os efeitos da resolução, ele explicou que todas as vendas feitas pelas duas refinarias da Petrobras Bolívia Refinación (PBR) deverão ser depositadas em contas da YPFB, que por sua vez pagará à PBR o valor que considerar adequado, acrescidos de uma margem que será estabelecida pela estatal boliviana. "Com isso, a gestão do caixa desaparece, e o pagamento de salários dos 600 funcionários e fornecedores, por exemplo, vai depender da YPFB", disse Gabrielli.

Para ele, há dúvidas sobre quem pagará impostos e dívidas com bancos. "Ela [a resolução] traz um problema de legalidade, existe um risco regulatório enorme", disse Gabrielli, lembrando que a medida afetaria a valoração futura dos ativos da PBR.

Ele rejeitou cálculos do governo boliviano de que a empresa teve lucros extraordinários após maio de 2005, de pelo menos US$ 320 milhões, acima do que a lei boliviana permite. Gabrielli disse que esse cálculo "não tem fundamento". Segundo ele, a Petrobras pagou US$ 105 milhões pelas refinarias, teve lucro de US$ 85,314 milhões entre 2000 e abril de 2006, equivalente a média anual de US$ 14 milhões.

Ele também reclamou do que chamou de imprecisão sobre os rumos que o governo boliviano quer dar às negociações com a estatal, que também negocia, em paralelo, o preço do gás importado pelo Brasil.