Título: 'Xerife' do sistema financeiro russo é morto em Moscou
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Fonte: Valor Econômico, 15/09/2006, Internacional, p. A13

O vice-presidente do Banco Central da Rússia, Andrei Kozlov, responsável por uma campanha contra crimes financeiros no país, morreu ontem após ter sido baleado, numa ação aparentemente encomendada.

Ele morreu horas depois de ter sido atingido por dois homens armados diante de um estádio de futebol em Moscou na noite de quarta-feira, onde ele acabara de participar de uma partida com colegas do banco.

Kozlov, que tinha 41 anos, era responsável pela supervisão e reforma de mais de 1,2 mil instituições bancárias. E vinha provocando alvoroço no setor por suspender licenças de dezenas de bancos suspeitos de envolvimento em lavagem de dinheiro. Autoridades suspeitam que o crime tenha sido ordenado por pessoas do sistema financeiro descontentes com seu trabalho.

Os assassinos escaparam deixando as armas para trás - numa espécie de código de que se tratou de um crime de encomenda.

Embora em menor escala do que nos turbulentos anos 90, durante a transição soviética para o capitalismo, assassinatos sob encomenda de banqueiros e executivos ainda ocorrem na Rússia regularmente. Nos últimos dois anos, o editor da edição russa da revista "Forbes", Paul Klebnikov, foi alvo de um ataque a tiros. O arquiteto das privatizações do país, Anatoly Chubais, também alvo de um atentado mal-sucedido.

Ainda assim, a morte de um funcionário de alto escalão como Kozlov não é usual. Analistas dizem que o crime representa uma ameaça direta ao governo do presidente Vladimir Putin, assim como à reputação do país. E isso poderia levar investidores a concluir que a Rússia é um lugar muito arriscado para fazer negócios.

Ministros, procuradores e banqueiros sugeriram que a morte de Kozlov estaria ligada a suas tentativas de limpar o setor bancário. O ministro das Finanças, Alexei Kudrin, classificou Kozlov como "um homem muito corajoso e honesto, que estava no extremo da batalha contra os interesses de financistas inescrupulosos".

A representante do Banco Mundial na Rússia, Kristalina Georgieva, afirmou que a "difícil posição de Kozlov na luta contra a lavagem de dinheiro, levando muitos bancos a perderem suas licenças, só poderia provocar uma atitude negativa daqueles bancos em relação a ele".

No início do mês, Kozlov propôs uma medida que faria com que banqueiros envolvidos em lavagem perdessem para sempre o direito de atuar no sistema financeiro. A medida poria fim a uma prática disseminada na Rússia. Atualmente, quem perde a licença de possuir um banco simplesmente solicita um novo registro e volta ao mercado com um novo nome.

No Brasil, quem é condenado por fraude no sistema financeiro pode ficar impedido de atuar no mercado por até 20 anos.

"Suas ações nessa área de supervisão bancária pode ter levado bandidos nesses bancos a ordenar sua morte", disse o presidente do Parlamento russo, Boris Gryzlov.

Kozlov começou a carreira como economista do Banco Central soviético em 1989 e em dez anos chegou ao cargo de vice-presidente. Em 1999, trabalhou para o setor privado, mas em 2002 voltava aos quadros do BC. Um de seus maiores feitos na instituição foi a introdução de um mecanismo de seguro para depósitos bancários, projetado para restaurar a confiança no sistema bancário após crises ocorridas no fim dos anos 1990, quando muitos russos perderam seus investimentos.

Ontem, os mercados da Rússia foram pouco afetados pela notícia do crime. O índice RTS de ações fechou em alta de 1,1% e o rublo manteve sua cotação em relação ao dólar.

Mas o assassinato ocorre em um momento delicado. Investimentos estrangeiros alcançam níveis recordes este ano e o mercado de ações voltou a ser um dos mais rentáveis do mundo. Além disso, os preços das commodities estão altos e as projeções econômicas são otimistas.

O sentimento dos investidores sobre a situação do país também é mais favorável, em parte por que há uma percepção de que o capitalismo russo estava deixando para trás sua fase conturbada.

"Todos nós estamos querendo saber o que acontece agora com a reforma bancária", disse um alto executivo ocidental do setor.