Título: Emergentes revolucionam economia global
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Fonte: Valor Econômico, 15/09/2006, Especial, p. A16

No ano passado, a produção agregada das economias emergentes atingiu um marco importante: respondeu por mais de metade do Produto Interno Bruto (PIB) mundial, medido em termos de paridade de poder de compra (PPP, na sigla em inglês). Isso significa que os país ricos já não dominam a economia mundial.

Os países em desenvolvimento também têm uma influência bem maior no desempenho das economias ricas do que geralmente é percebido. Os emergentes estão puxando o crescimento mundial e causando um grande impacto sobre inflação, juros, salários e lucros nos países desenvolvidos. À medida que esses novatos se integrarem mais à economia mundial e que suas rendas alcancem as dos país ricos, eles imprimirão o maior impulso à economia mundial desde a Revolução Industrial.

Com efeito, este será provavelmente o maior estímulo econômico na história, porque a Revolução Industrial envolveu plenamente apenas um terço da população mundial. Em contraste, esta nova revolução cobre a maior parte do globo, de modo que os ganhos econômicos, assim como as dores dos ajustes, serão muito maiores.

À medida que países em desenvolvimento e os que antes pertenciam ao bloco soviético abraçaram reformas econômicas de mercado e abriram suas fronteiras a comércio e investimentos, mais países estão se industrializando e participando da economia mundial do que em qualquer momento anterior.

À medida que esse processo avança, a influência dos novos atores ajuda a explicar toda uma série de intrigantes desdobramentos econômicos, como a participação recorde dos lucros corporativos na renda nacional, crescimento lento dos salários reais, encarecimento do petróleo junto com inflação baixa, taxas de juro mundiais baixas e o enorme déficit em conta corrente dos Estados Unidos.

É muito maior, agora, a presença dos países emergentes na economia mundial, segundo uma ampla diversidade de estatísticas (ver gráfico). A participação dos emergentes nas exportações mundiais saltou de 20%, em 1970, para 43%. Eles consomem mais de metade da energia mundial e respondem por 80% do crescimento na demanda de petróleo nos últimos cinco anos. Eles também detêm 70% das reservas cambiais mundiais.

Evidentemente, há mais de uma maneira respeitável de fazer essas contas. Assim, embora em termos de paridade de poder de compra (que leva em conta os preços mais baixos em países mais pobres) as economias emergentes hoje contribuem com mais de metade do PIB mundial, em termos de PIB a preço corrente a participação é menor, cerca de 30%. Mas, mesmo em preço corrente, os emergentes contribuíram com bem mais de metade do crescimento da produção mundial no ano passado.

E isso não se deve apenas à China e à Índia: esses dois países responderam por menos de um quarto do crescimento total do PIB das economias emergentes no ano passado.

Existe também mais de uma definição de país emergente, dependendo de quem os define. Talvez alguns desses países devessem ser denominados economias reemergentes, porque estão reconquistando sua antiga importância. Até fins do Século XIX, a China e a Índia eram as duas maiores economias no mundo. Antes de o motor e o tear a vapor darem ao Reino Unido sua liderança industrial, as atuais economias emergentes dominavam a produção mundial.

Estimativas de Angus Maddison, historiador econômico, sugerem que, nos 18 séculos até 1820, essas economias produziram em média 80% do PIB mundial (ver gráfico abaixo). Mas elas foram deixadas para trás pela revolução tecnológica européia e pela primeira onda de globalização. Em 1950, sua participação tinha caído para 40%.

Agora, esses países estão se recuperando. Nos últimos cinco anos, o crescimento anual dos emergentes foi, em média, de quase 7%, o ritmo mais rápido no registro histórico e bem acima do crescimento de 2,3% das economias ricas. O Fundo Monetário Internacional (FMI) prevê que, nos próximos cinco anos, as economias emergentes crescerão a uma média de 6,8% ao ano, em comparação com apenas 2,7% das economias desenvolvidas.

Se os dois grupos continuarem nessa trilha, em 20 anos as economias emergentes responderão por dois terços da produção mundial (em termos de paridade de poder de compra). Extrapolar é sempre um risco, mas parece inteiramente provável que o peso relativo dos novos aspirantes vai aumentar.

A disseminação mais ampla do crescimento rápido por todo o mundo faz uma enorme diferença para as taxas do crescimento mundial. Desde 2000, o PIB mundial per capita cresceu em média 3,2% ao ano, graças à aceleração das economias emergentes. Isso supera o crescimento anual de 2,9% dos anos dourados de 1950 a 1973, quando a Europa e o Japão estavam reconstruindo suas economias depois da guerra.

E certamente supera o crescimento durante a Revolução Industrial. Também nesse período o crescimento foi puxado por mudanças tecnológicas e uma explosão no comércio e nos fluxos de capital. Mas, em comparação com a intensidade atual, não passou de um fenômeno glacial.

Entre 1870 e 1913, o PIB mundial per capita cresceu em média somente 1,3% ao ano. Isso significa que a primeira década deste Século XXI poderá testemunhar o mais rápido crescimento da renda mundial média de toda a história.

As oscilações financeiras neste segundo semestre funcionaram como um lembrete de que as economias emergentes são mais voláteis do que os países ricos; mas, para o longo prazo, suas perspectivas parecem excelentes, desde que continuem no direção de mercados livres e abertos, políticas fiscais e monetárias responsáveis e melhor ensino.

Pelo fato de começarem com muito menos capital por trabalhador do que as economias desenvolvidas, os emergentes têm uma margem enorme para incrementar sua produtividade mediante a importação de maquinário e know-how ocidental. Alcançar os líderes é mais fácil do que estar na liderança. Quando os EUA e o Reino Unido estavam se industrializando, no Século XIX, levaram 50 anos para dobrar suas rendas reais per capita; hoje, a China está realizando a mesma proeza em nove anos.

As economias emergentes, como um grupo, vêm crescendo mais rápido do que as economias desenvolvidas há várias décadas. Por que estão, agora, fazendo uma diferença tão maior para o velho mundo rico?

A primeira razão é que o diferencial entre as taxas de crescimento entre o velho e o novo mundo aumentou (ver gráfico abaixo). Mais importante, porém, é que as economias emergentes tornaram-se mais integradas ao sistema mundial de produção, tendo ocorrido uma aceleração do comércio e dos fluxos de capital em relação ao PIB nos últimos dez anos.

A China entrou para a Organização Mundial de Comércio (OMC) apenas no ano de 2001. Os chineses estão produzindo um impacto mundial maior do que outras economias emergentes devido a seu enorme tamanho e à sua atípica abertura ao comércio e a investimentos com o resto do mundo.

A soma das exportações e importações totais da China corresponde a cerca de 70% de seu PIB, contra apenas de 25% a 30% na Índia ou nos EUA. Até o ano que vem, a China provavelmente responderá por 10% do comércio mundial, contra 4% em 2000.

Também novo é o fato de que a internet tornou possível reorganizar radicalmente a produção envolvendo unidades produtivas em países distintos. Graças à tecnologia da informação (TI), muitos serviços que antes não eram comercializáveis, como os de contabilidade, podem agora ser prestados remotamente, expondo mais setores no mundo desenvolvido à concorrência da Índia e de outros países.

O crescimento mais rápido, que melhora os padrões de vida de centenas de milhões de pessoas em país pobres, deveria ser motivo para comemoração. Em vez disso, muitos patrões, trabalhadores e políticos no mundo rico estão tremendo porque produção e postos de trabalho estão migrando para economias onde os salários são baixos, na Ásia ou na Europa Oriental.

No balanço, porém, os países ricos deverão se beneficiar do fato de os mais pobres estarem ficando mais ricos. O êxito das economias emergentes incrementará tanto a demanda como a oferta mundial.

O crescimento das exportações dos países em desenvolvimento produzirá mais dinheiro para ser gasto em importações dos países mais ricos. E, embora a renda média dos emergentes ainda seja baixa, a classe média nesses países está crescendo rapidamente, o que vai criando um enorme novo mercado.

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Ao longo da próxima década, quase 1 bilhão de novos consumidores entrarão no mercado mundial, à medida que a renda domiciliar ultrapassar o limiar a partir do qual as pessoas geralmente começam a gastar em bens não essenciais.

As economias emergentes já se tornaram mercados importantes para empresas do mundo rico: mais de metade das exportações combinadas dos EUA, da zona do euro e Japão vão para essas economias mais pobres. O comércio das economias ricas com os países em desenvolvimento está crescendo duas vezes mais rápido do que o comércio entre os países ricos.

O impacto no crescimento futuro da demanda será grande. Mais importante, porém, no longo prazo, será o estímulo à economia mundial do que os economistas chamam "choque positivo de oferta".

Desde que a China, a Índia e os países da extinta União Soviética abraçaram o capitalismo de mercado, a força de trabalho mundial efetivamente dobrou. A produção mundial potencial também está crescendo devido aos rápidos ganhos de produtividade nos países em desenvolvimento, à medida que tentar alcançar os patamares vigentes no mundo ocidental.

Essa crescente vitalidade nas economias emergentes está aumentando o crescimento mundial - não se trata de uma substituição geográfica de produção. Os emergentes fazem crescer a renda real no mundo rico, ao fornecer mercadorias mais baratas, como forno microondas e computadores, permitindo que as empresas multinacionais alcancem maior economia de escala e estimulando o crescimento da produtividade por meio de crescente competição.

Os emergentes, assim, ajudarão a incrementar o crescimento do PIB mundial exatamente quando o envelhecimento populacional do mundo rico faria com que ele desacelerasse. Os países desenvolvidos serão mais beneficiados se fizerem parte desse mundo em rápido crescimento do que se tentarem apegar-se a uma maior parcela de um mundo em crescimento lento.

Um crescimento mais vigoroso nas economias emergentes melhorará as condições nos países desenvolvidos em conjunto, mas nem todos sairão ganhando. A integração da China e outros países em desenvolvimento ao sistema de comércio mundial está provocando a maior mudança nos preços relativos e na renda (do trabalho, capital, commodities, bens e ativos) em ao menos um século. E isso, por sua vez, está resultando numa grande redistribuição de renda.

Por exemplo, embora os preços dos bens intensivos em mão-de-obra que a China e outros países exportam estejam caindo, os preços dos bens que eles importam, especialmente o petróleo, estão subindo.

Em especial, a nova ascendência das economias emergentes alterou os retornos relativos das aplicações de capital e trabalho. Em virtude de a integração mundial dessas economias ter tornado a mão-de-obra mais abundante, os trabalhadores em países desenvolvidos perderam parte de seu poder de barganha, o que pressionou para baixo os salários reais. A contribuição dos trabalhadores para a renda nacional nesses países caiu para seu mais baixo nível em décadas, ao passo que a participação dos lucros aumentou.

Parece que os trabalhadores ocidentais não estão recebendo sua parte integral dos frutos da globalização. Isso é verdade não apenas para os menos qualificados, mas cada vez mais também para os bastante especializados em setores, por exemplo, como auditoria contábil e programação de computadores.

Se os salários continuarem a decepcionar, poderá haver uma reação dos trabalhadores e a insistência em proteção contra a concorrência barata. Mas os países que tentarem proteger empregos e salários erguendo barreira a importações ou restrições à terceirização para o exterior apenas apressarão seu declínio relativo. O desafio, para governos de economias avançadas, é descobrir maneiras de disseminar os benefícios da globalização com maior equanimidade, sem reduzir a dimensão desses ganhos.

A alta participação dos lucros e a baixa contribuição dos salários para a renda nacional não são os únicos parâmetros que divergiram substancialmente de suas médias históricas. Um alarmante número de variáveis macroeconômicas está atualmente muito desalinhado em relação às previsões dos modelos econômicos clássicos.

O déficit em conta corrente americano é recorde, mas o dólar permanece relativamente forte. As taxas de juro mundiais ainda estão historicamente baixas, apesar do forte crescimento e de grande tomada de empréstimos por parte de governos. O preço do petróleo triplicou desde 2002, mas o crescimento mundial permanece vigoroso e a inflação, embora em alta, permanece ainda relativamente baixa. Os preços das moradias, porém, cresceram em muitos países.

Todos esses enigmas podem ser explicados pelo impacto crescente das economia emergentes. Por exemplo, o baixo rendimento de títulos governamentais e o fato de o dólar não querer despencar devem-se em parte à maneira como esses países em desenvolvimento vêm acumulando reservas em moeda estrangeira.

Do mesmo modo, o encarecimento do petróleo foi provocado, principalmente, pela forte demanda dos emergentes, e não por interrupções na oferta, e por isso causou menos prejuízo ao crescimento mundial do que no passado. E o impacto desse encarecimento na inflação tem sido compensado pela queda nos preços de bens exportados por economias emergentes. Isso também facilitou, para os bancos centrais, atingir as suas metas de inflação com juros muito menores do que no passado.

Tudo isso exigirá um pensamento novo e radical em relação à política econômica. Os governos poderão ter de utilizar os sistemas tributário e de benefícios para compensar alguns trabalhadores que sofram prejuízos com a globalização.

A política monetária também precisa ser reformulada. Os bancos centrais gostam de assumir o crédito pela derrota da inflação, mas as economias emergentes deram a eles uma grande ajuda, tanto ao baixar os preços de muitos bens como ao conter os salários nos países desenvolvidos. Isso permitiu que os bancos centrais mantivessem os juros em níveis historicamente baixos.

Mas eles não compreenderam corretamente as implicações de um choque positivo de oferta para a política monetária. Ao manter os juros muito baixos, os bancos centrais permitiram um acúmulo de excesso de liqüidez que contaminou os preços de ativos como moradias, em vez de provocar a tradicional inflação. Eles incentivaram o endividamento excessivo e muito pouca poupança. Nos Estados Unidos, o resultado global disso foi uma ampliação do déficit em conta corrente.

O erro dos bancos centrais foi agravado pela recusa de economias emergentes de permitir a valorização de suas moedas, tendo, em vez disso, acumulado reservas em moeda estrangeira. Estranhamente, ao financiar o déficit americano, os países pobres estão subsidiando os consumidores mais ricos do mundo.

A abertura das economias emergentes, portanto, não apenas assegurou uma disponibilidade de mão-de-obra barata para o mundo, como também proporcionou uma oferta ampliada de capital barato. Mas os países em desenvolvimento não prosseguirão dispostos a continuar financiando durante muito mais tempo o enorme déficit americano em conta corrente.

Em algum momento, portanto, o custo de capital nos EUA poderá aumentar sensivelmente. Há um risco de que a economia americana venha a se defrontar com um forte choque financeiro e uma recessão - ou um período dilatado de crescimento vagaroso. Isso reduzirá o crescimento no resto da economia mundial.

Mas os EUA são menos importantes, como locomotiva do crescimento mundial, do que no passado, graças ao maior vigor das economias emergentes. No ano passado, o total de importações americanas provenientes do resto do mundo somaram apenas 4% do PIB mundial.

O maior risco para a economia mundial é que uma recessão e uma queda nos preços das moradias nos Estados Unidos venham a se somar às atuais preocupações dos americanos com a estagnação dos salários reais, gerando maior apelo a protecionismo. Isso seria ruim tanto paras os velhos países ricos como para as novas estrelas emergentes.

Mas qualquer que seja a reação do mundo desenvolvido aos gigantes emergentes, seu poderio econômico continuará crescente. O mundo rico ainda não sentiu em sua plenitude o impacto dessa nova revolução.