Título: Divergências atuais têm origem na criação do Fundo
Autor: Balthazar, Ricardo
Fonte: Valor Econômico, 18/09/2006, Finanças, p. C8

A controvérsia em torno das fórmulas que definem a divisão de poder entre os membros do Fundo Monetário Internacional (FMI) é tão antiga quanto a própria instituição. Sua história mostra que as desavenças atuais têm raízes profundas no passado do Fundo e ajuda a entender como a organização funciona.

A fórmula original foi criada pelo economista americano Raymond Mikesell em 1944, quando o FMI estava prestes a nascer e havia chegado a hora de dizer quem ia mandar na instituição. Mikesell trabalhava para um alto funcionário do Departamento do Tesouro dos Estados Unidos, Harry Dexter White, uma figura-chave na criação do FMI.

Mikesell foi instruído a desenhar uma fórmula que medisse o poderio econômico dos vários países de acordo com a renda nacional, as reservas em ouro e dólares e a participação de cada um no comércio internacional. White sabia exatamente onde queria chegar, e deixou claro para Mikesell que sua tarefa era construir uma fórmula capaz de levar ao resultado que desejava.

Ele explicou ao assessor que os Estados Unidos deveriam ficar com a maior cota. A Inglaterra e suas colônias receberiam juntas o equivalente à metade das cotas americanas. A terceira maior cota deveria ser a da União Soviética e a China viria em seguida, com uma fatia um pouquinho menor. Dexter White deu a Mikesell dois dias para fazer o serviço.

O economista trabalhou durante quatro dias. Como as estatísticas da época eram muito ruins, ele usou estimativas para a maioria dos países. Em vários casos, Mikesell chutou os números que precisava para obter os resultados encomendados pelo chefe, como reconheceu num depoimento escrito em 1994 para a Universidade de Princeton.

Quando a fórmula ficou pronta, ele teve 20 minutos para explicá-la aos representantes dos outros países. Mikesell ficou o tempo todo dissimulando a maneira como fizera suas contas. "Tentei fazer o processo parecer tão científico quanto possível, mas os delegados eram inteligentes o suficiente para saber que o processo era mais político do que científico", ele escreveu.

A divulgação das cotas provocou explosões de indignação, como o professor Robert Skideslky conta na sua biografia do economista britânico John Maynard Keynes, outro personagem decisivo na fundação do FMI. Houve tanta confusão que foi preciso criar um comitê especial, presidido por um juiz americano, para resolver as diferenças.

Quando explicaram para o delegado da União Soviética que as estatísticas conhecidas não justificavam uma cota maior para o seu país, ele nem piscou. Disse que traria números atualizados e poucos dias depois saiu triunfante do comitê com uma cota do tamanho que desejava.

Com o tempo as coisas ficaram mais complicadas. A fórmula original sofreu vários ajustes e hoje existem cinco fórmulas diferentes para definir as cotas dos sócios do FMI. Só uns poucos funcionários da instituição sabem exatamente como elas funcionam. A única coisa que não mudou foi a influência da política no processo, que continua tão grande como em 1944. (RB)