Título: Reforma no FMI está longe do consenso
Autor: Balthazar, Ricardo
Fonte: Valor Econômico, 18/09/2006, Finanças, p. C8

A reforma do sistema de distribuição de poder no Fundo Monetário Internacional (FMI) provocou divisões entre o Brasil e outros países em desenvolvimento nos últimos dias, num sinal de que a busca de consenso entre os 184 membros da instituição em torno das mudanças propostas pela direção do Fundo será um processo dificílimo. O que está em discussão é uma nova maneira de calcular as cotas que definem o número de votos de cada integrante do FMI, hoje estabelecidas de acordo com um conjunto de fórmulas matemáticas obscuras que levam em consideração a força econômica dos países e outros fatores. As cotas também servem para indicar o volume de recursos que cada país pode tomar do FMI quando precisa de socorro.

Uma resolução com diretrizes para uma nova fórmula deve ser aprovada esta semana em Cingapura, onde se realiza amanhã e quarta-feira a reunião anual do Fundo e do Banco Mundial. O processo de votação foi iniciado no começo do mês e acaba hoje. O Brasil e alguns outros países em desenvolvimento votaram contra, mas foram incapazes de reunir votos suficientes para impedir a passagem da resolução.

Brasil, Argentina, Índia e Egito pediram no sábado a suspensão do processo de votação da resolução, mas não conseguiram atrair o apoio de outras nações para o comunicado que divulgaram no fim do dia. O documento considera "claramente inaceitável" a reforma nos termos propostos pela direção do FMI e diz que ela "corrói a credibilidade e a legitimidade" da organização.

Outro comunicado, distribuído antes por um grupo que reúne o Brasil, a Argentina e mais 22 países em desenvolvimento, também fez críticas à resolução, mas adotou linguagem menos áspera. Numa entrevista coletiva em que a desunião do grupo ficou evidente, representantes das Filipinas e do Congo se recusaram a revelar como votaram e só a ministra da Economia da Argentina, Felisa Miceli, declarou ter votado contra.

O que deve ser aprovado hoje é apenas a primeira etapa da reforma. A resolução prevê um aumento imediato das cotas dos quatro países mais prejudicados pelo sistema atual, China, México, Coréia do Sul e Turquia. Outros ajustes poderão ocorrer numa segunda etapa daqui a dois anos, após a definição da nova fórmula. O Brasil e os outros países contrários à resolução temem chegar ao fim desse processo com suas cotas reduzidas.

Nas próximas semanas, a discussão sobre a nova fórmula deve começar para valer. A resolução indica que ela dará mais peso para o tamanho das economias na hora de definir as cotas. Isso tende a favorecer países avançados como Estados Unidos e Japão, que já têm enorme influência nas decisões do FMI e podem até mesmo receber cotas maiores com a nova fórmula.

Com 17% dos votos no Fundo, os Estados Unidos sozinhos têm poder de veto sobre as decisões mais importantes, que em geral precisam de pelo menos 85% dos votos para entrar em vigor. Os americanos prometeram abrir mão de qualquer aumento de cota que a nova fórmula provocar, mas outras nações na mesma situação, como o Japão e a Alemanha, se recusaram a assumir o mesmo compromisso. Outro critério que deverá ser levado em consideração é o grau de abertura das economias, medido de acordo com sua participação no comércio mundial e nos fluxos de capital. Dependendo de como a conta for feita, países como a Holanda e a Bélgica sairão ganhando com isso.

O Brasil e outros insatisfeitos gostariam que a fórmula desse peso a outro fator, o grau de vulnerabilidade dos países a choques externos. Eles também defendem que o Produto Interno Bruto (PIB) dos países seja calculado pelo critério de paridade do poder de compra, que eliminaria distorções existentes em comparações desse tipo. Fazendo a conta desse jeito, o PIB do Brasil dobra de tamanho. O da China fica quatro vezes maior. Embora compartilhem das preocupações do grupo do Brasil, muitas nações em desenvolvimento votaram a favor da resolução por outras razões. Alguns países asiáticos sentem-se favorecidos pela proximidade com a China e a Coréia e não queriam ir contra medida que as beneficia diretamente.

Além disso, a resolução inclui um refresco para a África e os países mais pobres, que têm influência próxima de zero no FMI e ganharão um aumento dos votos básicos a que todo sócio tem direito independente da força econômica. A instituição também promete reforçar o quadro de assessores disponível para os representantes desses países na sede do FMI, em Washington.

Apesar das rachaduras no campo dos países em desenvolvimento, o Brasil e seus aliados acreditam que têm força para tirar legitimidade da reforma marcando posição contra a proposta da direção do Fundo. "Não queremos acabar com o FMI nem nada disso, mas queremos que a importância dos países emergentes seja devidamente reconhecida", afirmou o ministro da Fazenda, Guido Mantega.

O diretor-gerente do FMI, Rodrigo de Rato, expressou mais uma vez ontem indiferença em relação às críticas que seu projeto de reforma da instituição tem recebido. "Há um consenso sobre o que fazer, há um consenso sobre algumas das medidas que estão sendo votadas", afirmou.

Ele reconheceu que há divergências em torno da nova fórmula para o cálculo das cotas, mas considerou prematura a preocupação com os efeitos de uma mudança que ainda não foi decidida e que ainda será objeto de debates durante dois anos.

Para ser aprovada, a resolução sobre as cotas precisa receber 85% dos votos. Rato afirmou há duas semanas que espera obter algo próximo de 90%. Ele pediu ontem a Mantega que revisse a posição do Brasil sobre o tema, votando a favor da resolução agora e deixando para discutir mais tarde os detalhes da nova fórmula, mas não foi atendido.