Título: Porto Digital enfrenta o desafio de crescer
Autor: Mandl, Carolina
Fonte: Valor Econômico, 18/09/2006, Empresas, p. B4

Eles eram quatro adolescentes aficionados por jogos eletrônicos. No quarto de Paulo de Souza, os vizinhos Cláudio Lins, Manuel de Lima Neto e Bruce de Souza reuniam-se para criar seus próprios games. Ao entrarem na vida adulta, a paixão acabou ganhando contornos de ofício: o quarteto fundou uma desenvolvedora de jogos, a Preloud.

Depois de dois anos dentro de uma incubadora, a empresa se instalou no Porto Digital, pólo de tecnologia de Pernambuco. Hoje, é a partir de uma sala instalada no bairro do Recife que a equipe de jovens entre 22 e 28 anos cria os games exportados para a Alemanha.

Mas os amigos-sócios não se deram por satisfeitos com os resultados obtidos até o momento. Agora, eles buscam parcerias com as outras duas desenvolvedoras de jogos do Porto Digital, a Meantime e a Jynx, para tentar alavancar seus negócios.

A estratégia de buscar alianças com a vizinhança não deve ser exclusiva da Preloud. Daqui para a frente, esse é um modelo de gestão que o Porto Digital perseguirá. "As empresas precisam ganhar musculatura. Hoje o porte delas não dá garantia de que estejam vivas daqui a um ano", afirma João Falcão, diretor de competitividade empresarial do Núcleo de Gestão do Porto Digital (NGPD), associação sem fins lucrativos formada por membros de órgãos públicos, empresas e universidades.

O pólo de tecnologia do Recife foi criado há cinco anos com o objetivo de aproveitar os profissionais formados pelas escolas da região, como a Universidade Federal de Pernambuco. Sem encontrar mercado de trabalho, a maioria deles ia trabalhar em outros Estados ou até países. Pernambuco só ficava com o custo de formar os profissionais.

Por meio de incentivos fiscais, investimentos públicos e da reunião dos renomados cérebros de tecnologia de Pernambuco num só local, o Porto Digital conseguiu atrair em pouco mais de cinco anos de existência 102 companhias e faturar R$ 450 milhões.

Em recente estudo feito pela consultoria AT Kearney, o Porto Digital foi considerado - junto com o Tecno PUC, do Rio Grande do Sul - um caso de sucesso entre os oito pólos de tecnologia do país. Isso por ter estabelecido um foco, o de desenvolvimento de softwares, e por ter atraído grandes empresas, como Microsoft e Motorola.

A preocupação dos gestores do pólo, entretanto, é que a maioria dos seus integrantes ainda é de pequeno e médio porte. "Não basta ser um aglomerado de empresas. Temos de fazer com que elas cresçam, melhorem seus processos", diz Valério Veloso, presidente do NGPD. Hoje, as 102 companhias do pólo empregam em média 29 pessoas cada. Em dez anos, o pólo pretende chegar a 200 empresas, com cem funcionários.

Num horizonte mais imediato, até 2008, o Porto Digital estabeleceu como objetivo ter uma das dez maiores firmas de tecnologia da informação (TI) do país.

Para isso, a gestão do pólo atuará em algumas frentes. Uma delas é estimular operações de fusão e aquisição entre as próprias empresas do bairro do Recife. Veloso e Falcão não dão pistas de quais empresas poderiam se unir. Entretanto, já é possível identificar no Porto Digital a formação de alguns clusters, como o de games. As parcerias entre os integrantes do pólo também serão estimuladas.

Um fator que vem atrasando ou até impedindo o crescimento das empresas é a falta de capital. Paulo Adeodato, hoje diretor de tecnologia da Neurotech, só dava aulas até 2000. Mas tinha vontade de criar o próprio negócio. Para viabilizar o sonho, se juntou a outros dois sócios. "O único capital com o qual pudemos contar foi o meu trabalho e dos demais acionistas", diz. "Por vários meses, chegamos a não retirar um centavo da empresa."

Agora, a gestão do cluster está criando formas para tentar levar recursos para a região. Neste ano, as empresas começaram a ter acesso a crédito por meio da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep).

Atrair investidores privados também é a missão do pólo. Para isso, Veloso e Falcão, executivos recém-chegados e com passagens por renomadas escolas como Harvard e Johns Hopkins, irão fazer apresentações do projeto do Porto Digital e suas empresas para potenciais investidores. "As coisas não vão acontecer por elas mesmas. As empresas precisam aprender a se vender", afirma Veloso.

Os próprios empresários de Pernambuco têm sido apresentados ao Porto Digital. O Centro de Estudos e Sistemas Avançados do Recife (Cesar), incubadora privada que foi uma das principais idealizadoras do Porto Digital, vem reunindo 40 investidores do ramo do varejo, usinas de açúcar, cimento e química. O objetivo é mostrar como funciona uma empresa de tecnologia e de qual tipo de apoio ela precisa.

"Muitas vezes, o conselho de um empresário de sucesso pode ser tão valioso quanto o dinheiro em si", explica Sílvio Meira, cientista-chefe do Cesar. Afinal, para empreendedores tão jovens quanto os do Porto Digital, criatividade e milhões de dólares não eliminam a necessidade de se ter experiência.