Título: Crise da Ford nos EUA trava planos no Brasil
Autor: Olmos, Marli
Fonte: Valor Econômico, 18/09/2006, Empresas, p. B8

O anúncio da ampliação no número de demissões de 30 mil para 44 mil nos Estados Unidos e Canadá confirma que os problemas da Ford se concentram no seu berço, a América do Norte. As operações na Europa, Ásia e América do Sul estão livres do plano de enxugamento. Mas não de seus reflexos. A fábrica da Bahia opera acima da capacidade máxima há mais de um ano. Mas a empresa não anunciou ainda nenhum programa de investimentos para ampliar essa estrutura ou mesmo para renovar a linha de modelos daquela unidade.

A direção da Ford no Brasil freqüentemente afirma que está agora concentrada no projeto de produção de um novo carro compacto na fábrica de São Bernardo do Campo, que deverá ser lançado no final do próximo ano.

Esse projeto é aguardado como a solução para não apenas ajudar a montadora a elevar a participação no mercado brasileiro (a Ford ocupa o quarto lugar, com 11% das vendas de veículos leves) como também sustentar a atividade da antiga fábrica do ABC, que tem 3,1 mil funcionários.

Já a fábrica de Camaçari (BA), projeto que serviu de impulso para a Ford reverter uma crise financeira que se arrastava no Brasil desde o fim da Autolatina (fusão com a Volkswagen) há mais de 10 anos, precisa de investimentos para crescer.

O último lançamento de um veículo produzido na Bahia, o EcoSport, foi em 2003, um ano depois da chegada do Fiesta, carro que marcou a inauguração do empreendimento que consumiu US$ 1,2 bilhão em investimentos, sustentados numa série de incentivos fiscais federais e estaduais. O mais recente lançamento da Ford no Brasil é o Fusion, um sedã médio de luxo fabricado no México.

O desempenho da fábrica baiana, motivo de orgulho para o grupo Ford e referência de solução de manufatura para a comunidade automotiva, foi melhor do que esperava a Ford. Enquanto a companhia sofre com excesso de capacidade nos Estados Unidos, na Bahia foi necessário recorrer a ajustes técnicos para conseguir superar a sua capacidade máxima de 250 mil veículos por ano. A empresa superou a capacidade dois anos antes do previsto.

Na sexta-feira, a matriz da Ford anunciou um plano para as fábricas da América do Norte que acrescenta o corte de 14 mil empregados às 30 mil demissões divulgadas anteriormente. Isso significa reduzir a força de trabalho naquela região em um terço.

A montadora também decidiu suspender o pagamento de dividendos trimestrais em suas ações ordinárias. Com esse enxugamento, que levará dois anos, a companhia não espera obter lucratividade nas operações norte-americanas antes de 2009.

Numa direção oposta, as operações da Ford na América do Sul alcançaram lucratividade pelo décimo trimestre consecutivo no período de abril a junho. O lucro numa região em que o Brasil tem peso próximo de 70% chegou a US$ 95 milhões. A receita totalizou US$ 1,3 bilhão. No mesmo período, as operações da Ford na Europa e Ásia também fecharam com lucro.

No comunicado divulgado para detalhar os novos cortes na América do Norte, a Ford revelou que espera mais lucros na América do Sul e Europa no final de 2006. Mas conta com prejuízos não apenas nas operações da América do Norte como também na região da Ásia-Pacífico.

Nos Estados Unidos, o novo lote de 14 mil demissões atinge os trabalhadores da área administrativa. Em janeiro, a companhia já havia anunciado um plano de eliminação de 30 mil empregos e fechamento de 14 fábricas na América do Norte. Agora, o número de fábricas que encerrarão as atividades chega a 16.

A empresa anunciou que os cortes contribuirão para reduzir os custos em US$ 5 bilhões. Segundo comunicado distribuído também no Brasil, a montadora pretende renovar 70% da gama de modelos na América do Norte até o final de 2008.

As tentativas de reestruturação na Ford nos Estados Unidos já somam cinco anos. O processo tem sido comandado por Bill Ford, presidente do conselho e bisneto de Henry Ford, fundador da companhia e o homem que inventou a linha de montagem.