Título: Para Itamaraty, é prematuro falar em acordo comercial com China
Autor: Watanabe , Marta
Fonte: Valor Econômico, 28/06/2012, Brasil, p. A2

A aliança estratégica entre a China e os três sócios plenos do Mercosul - Brasil, Argentina e Uruguai - não deve evoluir tão rapidamente para algum acordo de natureza comercial. Essa é a opinião do chefe da Divisão de Negociações Extrarregionais do Mercosul II do Itamaraty, Francisco Peçanha Cannabrava. Para ele, "é muito prematuro" pensar no início de negociações para um acordo de livre comércio.

A aliança estratégica foi anunciada na segunda-feira pelo primeiro-ministro da China, Wen Jiabao, em uma teleconferência organizada pela presidente argentina, Cristina Kirchner, na Casa Rosada, com a participação de Dilma Rousseff e do presidente uruguaio, José Mujica. Em seu pronunciamento, Wen deixou claro seu objetivo de, com a aliança, abrir caminho para um acordo de livre comércio. Ao se manifestar, na ocasião, Dilma evitou tratar dessa possibilidade e o Itamaraty também não se manifestou sobre o assunto.

"A China é um parceiro muito importante para o Mercosul, mas a proposta de diálogo do governo chinês aconteceu literalmente há poucas semanas e há vários elementos a serem analisados", disse Cannabrava, durante evento na Câmara Americana de Comércio (Amcham), ontem em São Paulo. Ele lembra que há uma grande preocupação das indústrias brasileiras em relação a algum acordo desse tipo com a China, em razão da forte importação nacional de manufaturados com origem no país asiático. Para ele, a intensificação de relações com a China pode começar com compromissos sem caráter comercial, como de cooperação técnica, por exemplo.

Para Cannabrava, a suspensão do Paraguai do Mercosul em razão do "impeachment" do ex-presidente Fernando Lugo não deve ser motivo para paralisar os trabalhos do bloco em relação a acordos já em discussão. Um exemplo é o acordo Mercosul-União Europeia.

Cannabrava diz, porém, que a troca de ofertas entre os dois blocos, necessária para um avanço das negociações, ainda não tem data definida. Ele não comentou sobre a possibilidade de ser discutida a integração da Venezuela ao Mercosul enquanto a participação do Paraguai no bloco está suspensa.

Por enquanto, diz Cannabrava, o Brasil analisa a possibilidade de iniciar a negociação de acordo de livre comércio com o Canadá. Segundo ele, os dois países concluíram recentemente um "diálogo exploratório". "A princípio vemos isso com simpatia, mas a decisão será tomada após análise de custos e benefícios", acrescentou.

Para iniciar um eventual processo de negociação, diz Cannabrava, o Canadá precisaria concordar em negociar abertura maior de mercado nas áreas agrícolas, que contam com forte proteção. Segundo ele, em 2011 cerca de 40% das exportações brasileiras ao Canadá foram de manufaturados. A venda de produtos agrícolas brasileiros, porém, é pequena. O Canadá, diz, é o sexto maior importador agrícola do mundo, mas a participação do Brasil nas importações canadenses de produtos agrícolas é de apenas 2,9%.

A negociação de acordos comerciais bilaterais, lembra Cannabrava, passa necessariamente pelo Mercosul, mas ele acredita que o assunto ainda deve amadurecer antes de ser levado à discussão com os demais sócios do bloco.