Título: Salário mínimo e Bolsa Família devem reduzir desigualdade, de novo, em 2006
Autor: Durão, Vera Saavedra
Fonte: Valor Econômico, 18/09/2006, Brasil, p. A2

O aumento recorde do salário mínimo, a inclusão de mais 3 milhões de famílias no programa de transferência de renda do governo, o Bolsa Família, o crescimento do número de reajustes salariais acima da inflação e o reajuste da tabela do Imposto de Renda aumentando a faixa de isenção deverão fazer com que em 2006 a queda da desigualdade no Brasil volte a se acelerar.

Essa é a expectativa dos economistas Marcelo Neri, da Fundação Getulio Vargas (FGV), Márcio Pochmann, da Unicamp e João Sabóia, do Instituto de Economia da UFRJ. Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad) de 2005, divulgada sexta-feira pelo IBGE, revelaram aumento de 4,6% na renda média real do trabalho e continuidade da queda da desigualdade, o que surpreendeu os economistas por causa do do crescimento pífio da economia no ano passado, quando o PIB subiu 2,3%, e o PIB per capita, apenas 1%.

Para Pochmann, os resultados da pesquisa do IBGE mostram que o governo está ciente da importância do crescimento do Bolsa Família e do aumento do salário mínimo para evitar que os segmentos de menor renda sejam prejudicados com o baixo crescimento da economia.

Os dados da Pnad, porém, apuraram uma desaceleração na trajetória de queda da desigualdade. No ano passado, o índice de Gini alcançou a casa dos 0,544, ante 0,547 no ano anterior, declinando 0,55%. Para Neri, a desigualdade desacelerou-se em relação à média de queda entre 2001 a 2004, em torno de 1,35% ao ano. "Os números da PNAD indicam desaceleração na desigualdade e uma melhor repartição do bolo por conta do aumento da renda do trabalho, apesar do crescimento pífio da economia em 2005", avalia Neri.

Para o economista, a desaceleração do Gini no ano passado deveu-se, em parte, a uma melhora generalizada da distribuição da renda do trabalho, ao contrário de 2004, onde apenas os 20% mais pobres se beneficiaram da queda da desigualdade impulsionada pelo Bolsa Família. Naquele ano, enquanto os pobres ganharam, a classe média perdeu poder aquisitivo. Segundo o IBGE, de 2004 para 2005 os 50% ocupados com as menores remunerações tiveram ganho real de 6,6% e os 50% com os maiores rendimentos, ganho de 4,1%. Os 1% de maior salário tiveram, inclusive, aumento real superior à média: 7%, segundo a Pnad.

Pochmann considerou muito positiva a expansão da renda em todas as faixas. O economista da Unicamp considera que a influência do Bolsa Família é grande no resultado da Pnad, mas o aumento real do salário mínimo, que em 2005 foi de 8,8%, tem um impacto enorme na distribuição de renda, principalmente entre os aposentados, incluindo aí os trabalhadores rurais.

Essa questão divide os economistas. Sabóia também defende o salário mínimo e a melhoria das condições de trabalho como fator de maior contribuição para a melhoria da desigualdade no país, sem tirar o mérito do Bolsa Família. "A capacidade do Bolsa Família de reduzir desigualdade é limitada. São R$ 8 bilhões injetados na economia, uma gota d'água dentro da renda do país. São R$ 600 bilhões o volume de rendimento do trabalho. O Bolsa Família é quase 2% deste total."

Sabóia ressalta que os estudos feitos no Ipea mostram que a redução da desigualdade nos últimos três anos foi impactada em 75% pela melhoria da distribuição do rendimento do trabalho. "Este é o ponto, mas o Bolsa Família tem impacto. Por esta razão ele aposta que a desigualdade vai cair mais em 2006.

Neri já tem opinião contrária. Segundo ele, se o governo no ano passado tivesse optado por aumentar menos o salário mínimo e aumentar o Bolsa Família, a redução da desigualdade teria sido maior. "O ritmo menor do Gini por conta de uma expansão mais generalizada da distribuição de renda não é a melhor solução no longo prazo para o problema no Brasil. O governo tem que olhar mais estrategicamente, focalizar mais os pobres para a desigualdade cair de forma mais rápida."

Pochmann acredita também que a a redução da desigualdade está diretamente relacionada ao comportamento gerado no mercado de trabalho e ao salário mínimo, sem desprezar os efeitos do Bolsa Família. Ele defende a necessidade de o país voltar a crescer para gerar mais emprego. Segundo ele, os reajustes salariais acima da inflação, em 2005, ajudaram a elevar a renda, e este fator deve continuar em alta em 2006.

Maurício Soares, economista do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), disse que um estudo feito pela entidade revela que no primeiro semestre deste ano, dos 271 acordos e convenções firmados entre trabalhadores e empresários, 96% foram concluídos com reajustes salariais superiores à inflação.