Título: Classe D chega à universidade
Autor: Furbino, Zulmira
Fonte: Correio Braziliense, 03/11/2010, Economia, p. 14
Famílias pobres investem cada vez mais em cursos superiores e escolas técnicas para garantir um futuro melhor para seus filhos. Procura por colégios particulares aumenta
O sonho de consumo da classe média emergente do país está distante das lojas de eletrodomésticos e dos corredores dos shopping centers. Os novos consumidores brasileiros querem mais, muito mais, e apostam na educação como o passaporte que vai levá-los a consolidar a melhoria da qualidade de vida conquistada até aqui. Entre 2002 e 2009, o número de universitários no Brasil saltou de 3,6 milhões para 5,8 milhões e esse movimento se deve à inclusão de estudantes de menor poder aquisitivo no ensino superior.
Segundo o Instituto Data Popular, em 2002 a classe A representava 25% dos universitários e a D, 5%. Em 2009, a situação se inverteu com apenas 7,3% pertencentes à classe A e o dobro (15,3%) à D. Entre 2003 e 2009, a escolaridade do brasileiro aumentou, em média, em um ano de estudo, informa a Fundação Getulio Vargas (FGV). No mesmo período, a proporção de pessoas com 12 anos ou mais de estudos nos domicílios brasileiros saltou 35,65% para os chefes de família e 39,51% para os cônjuges.
Fabrício Lourenço Coelho, 27, casado e pai de uma filha de dois anos, é operador de máquinas da Forno de Minas. Terminou o segundo grau em 2001 e logo em seguida preocupou-se em fazer um curso técnico de contabilidade. Nessa época, trabalhava como ajudante de produção na empresa e ganhava pouco mais do que um salário mínimo. Hoje a realidade mudou e no novo cargo o salário saltou para R$ 1.167.
Com rendimentos totais de R$ 2 mil, a família optou por investir na educação do chefe da casa. Hoje, Fabrício cursa o 7º período de engenharia de produção numa faculdade particular, onde paga uma mensalidade de R$ 870. Isso quer dizer que investe 74,5% de tudo o que recebe no sonho de se formar engenheiro, meta que alcançará no ano que vem. Estou buscando melhores oportunidades na vida. Para isso, abri mão de comprar muitas coisas. Agora que estou tão perto, preciso de um estágio, diz.
Para Marcelo Neri, coordenador do Centro de Políticas Sociais (CPS) da FGV, a grande revolução da nova classe média brasileira não se dará pelo consumo, como se tem enfatizado, mas pela evolução de sua capacidade de gerar renda. E para aumentar a renda, é preciso acesso à educação. Esse é um passo positivo em relação ao futuro porque a educação é um investimento de longo prazo, observa.
Fazendo a diferença
Na década de 1990, 16% das crianças brasileiras estavam fora da escola. Em 2000, esse percentual caiu para 4% e hoje está em 2%. A escola (pública brasileira) é ruim, as crianças ficam pouco tempo, mas mesmo assim a presença delas ali tem feito a diferença. A desigualdade está caindo e a renda aumentando. Um dos fatores que contribui para essa mudança, segundo ele, é a redução do tamanho das famílias de baixa renda. Na década de 70, eram 6,2 filhos por mulher. Hoje é 1,9 filho por mulher, em média.
Mariana Marques Cabral, de 16 anos, cursa o primeiro ano do ensino médio no Colégio Padre Eustáquio, em Belo Horizonte. Ela vive com a tia, Flávia Santos Marques, gerente administrativa da Acqua Quality, e com o tio, Marcos Marques de Mattos, instalador de acessórios. A renda do casal gira em torno de R$ 4 mil, mas a família não abre mão de oferecer à sobrinha, que adotaram, a melhor educação que puderem.
Hoje os gastos com a mensalidade da escola, de R$ 560, se somam aos do cursinho preparatório para o Cefet e o Coltec (escolas técnicas federais e gratuitas), no qual investem R$ 195 ao mês. A prioridade em nossa casa é a educação. Sem estudar, ela não poderá ser alguém na vida. Só estudando terá condições de formar uma família sem depender do marido, explica Flávia.
Se existem otimistas neste país, eles estão nas classes C e D. A principal aposta de futuro é a educação, resume Renato Meirelles, sócio-diretor do Data Popular. É assim porque, segundo ele, essa não é uma aposta fim e sim uma aposta meio. Se eu quero comprar um carro, o fim está nesse carro. Mas a educação vai servir para várias outras conquistas. Cada ano de estudo, segundo as projeções do Data Popular, elevam o salário em 15%. Por isso, as classes emergentes encaram a educação como um investimento. Esse investimento é um meio de conquistar outros sonhos.
DE OLHO NOS ESCOLAS PRIVADAS
Dados do instituto Data Popular, cruzados com informações da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad) 2007, indicam que, das 5,5 milhões de crianças de zero a 14 anos matriculadas em escolas particulares no Brasil, mais de 3,7 milhões pertencem às famílias das classes C, D e E. Crianças e jovens da classe C já são responsáveis por 49,2% das matrículas. As da classe D representam 19,1% do total e as da E, 0,6%. O sonho de pagar escola particular para os filhos já é um fato nessa camada da população.
A empregada doméstica Adriana Leonardo, que, com o marido, tem uma renda de três salários mínimos mensais, é um exemplo disso. O filho deles, de seis anos, passará a frequentar uma escola pública no ano que vem, mas o sonho de Adriana é matricular o garoto numa escola privada. Se eu tiver condições de pagar um colégio particular, será melhor para ele. Luto com todas as forças para garantir um futuro melhor para o meu filho. E meu marido pensa da mesma forma. Trabalhamos juntos para isso, afirma.
Outro meio de garantir o futuro dos emergentes é a educação profissional, explica o coordenador do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getulio Vargas (FGV), Marcelo Neri. Pesquisa da entidade aponta que, em março de 2004, 12,56% da população em idade ativa das seis principais metrópoles brasileiras haviam concluído cursos profissionalizantes. Em março de 2010, essa parcela tinha saltado para 22,05%, o que representa um número de alunos formados 75,6% maior do que seis anos antes.
David da Rocha Henrique fez curso de automação industrial no Senai, trabalhou como instrutor da instituição e há dois anos trabalha numa fábrica de instrumentos de medição. Além disso, no ano que vem, vai se formar em engenharia elétrica. Hoje minha renda é três vezes maior do que seria caso eu não tivesse uma formação técnica. A partir do ano que vem, com o diploma na mão, meus rendimentos podem aumentar ainda mais. O piso salarial dos engenheiros está em torno de R$ 5 mil. (ZF)