Título: Lula já propõe pacto com a oposição
Autor: Chiaretti, Daniela
Fonte: Valor Econômico, 18/09/2006, Política, p. A6

Depois de aderir, nos palanques dos comícios, ao clima de hostilidades que marcou o fim de semana da campanha eleitoral, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva antecipou-se à condição de presidente reeleito e propôs à oposição um "pacto de responsabilidade" para agilizar, no Congresso, os projetos prioritários do país. Conciliador com a oposição, o presidente expressou, pela primeira vez, julgamentos distintos sobre os ex-ministros José Dirceu, de quem disse não conhecer as razões por que foi cassado, e Antonio Palocci, demitido, reconheceu, por ter quebrado o sigilo de um caseiro. O presidente deu uma entrevista a jornalistas de quatro veículos: Valor, "Folha de S. Paulo", "Terra Magazine" e "SBT" durante o vôo de João Pessoa a Feira de Santana, no sábado.

Os jornalistas foram convidados a passar um dia com o candidato-presidente. Mas o dia, na verdade, teve 32 horas. Começou em Aracaju, logo depois do café da manhã que tomou no quarto do hotel. No hall, a imprensa local aguardava respostas sobre as prisões feitas pela Polícia Federal, em São Paulo, na véspera, de empresários próximos ao PT com um bolo de dinheiro para, supostamente - a palavra da moda nestes tempos de denúncias em fila -, comprar um dossiê que relacionaria o candidato do PSDB ao governo de São Paulo, José Serra, à máfia dos sanguessugas. O presidente condenou o episódio: "Quem quiser fazer bandidagem, por favor, não queira o Lula como parceiro." E saiu, em comitiva e às carreiras, para o aeroporto rumo a outro comício, em João Pessoa.

Foram quatro comícios em três capitais do Norte e Nordeste e outro na segunda maior cidade da Bahia, Feira de Santana. O primeiro trecho no air force one tupiniquim, o Boeing 737 que leva a alcunha de "sucatinha", foi de Sergipe à Paraíba. Foi recebido na pista do aeroporto por "companheiros" de camisa vermelha e uma multidão espalhada pela rodovia que leva a João Pessoa. No caminho, falou por mais de meia-hora. "É minha obrigação apoiar meu companheiro", disse sobre o aliado Ney Suassuna, o peixe mais gordo entre os acusados de envolvimento com a quadrilha das sanguessugas: "Ninguém é inocente até prova em contrário e eu não sou de condenar ninguém". Suassuna não estava no palanque.

Novo cortejo rumo ao aeroporto. São meia-dúzia de carros ladeados por batedores, umas quatro vans e uma ambulância fechando tudo. Em cada comício, é em uma espécie de camarim perto do palanque que o candidato-presidente conversa com as lideranças locais, descansa, come algo. No fim de cada ato, segue um ritual - ele toma um café expresso (o único pedido que sempre faz) e fuma uma cigarrilha.

Entre João Pessoa e Feira de Santana, o candidato Lula respondeu como presidente reeleito às perguntas dos jornalistas. Foi uma entrevista de 40 minutos concedida dentro do avião. Era um Lula completamente diferente daquele que, depois do embarque, chamaria o senador Antonio Carlos Magalhães, de ? hamster do Nordeste ? .

A manhã seguinte, em Belém do Pará, começaria com um encontro entre prefeitos (um deles se agachou diante de Lula, para pedir máquinas para as lavouras de abacaxi de seu município). E terminou com um ataque virulento ao PSDB, antes da volta à Brasília - "São predadores". E uma sucessão de encontros com lideranças locais antes e depois dos comícios, reuniões com assessores da campanha ou de emergência com o porta-voz da Presidência, André Singer.

Era preciso analisar qual a reação do Planalto à coluna de Élio Gaspari na "Folha" e em "O Globo". Ali se lia que o presidente Lula teria - supostamente - respondido ao empresário Eugênio Staub sobre como faria as reformas necessárias durante um segundo mandato: "Não acorde o demônio que tem em mim, porque a vontade que dá é de fechar esse Congresso e fazer o que é preciso". A resposta veio rápida e clara em nota oficial desmentindo o teor do diálogo (ver mais na página A5).

Nos palanques do Norte e Nordeste, velhos companheiros ao lado de antigos inimigos. Na manhã de domingo, o deputado Jader Barbalho estava ao lado de Lula no caloroso comício de Belém, mas não abriu a boca. Lula fechou seu discurso como sempre: "Um beijo, um grande abraço e até a vitória." A seguir, os principais trechos da entrevista:

Pergunta: No dia em que se completava o 100 dia do seu governo, em abril de 2003, o senhor disse, no Alvorada, que não iria fazer investigações sobre o governo Fernando Henrique Cardoso. Tendo vivido o que viveu nesse último ano, o senhor se arrepende de não ter mandado investigar o governo passado?

Presidente Luiz Inácio Lula da Silva: Não, não me arrependo. O Brasil se encontrava naquele momento numa situação muito delicada, na situação em que se encontrava o país não suportaria isso. A situação não era boa. Se a gente fosse ficar fazendo guerra interna, quem ganharia com isso? Eu já vi prefeitos e governadores pararem tudo um ano para investigar os adversários e aí, o que acontece? Perdem um ano de governo, não fazem o quem devem fazer, e o que tem para ser investigado não é função de governo investigar. Eu tinha clareza que não tinha tempo a perder fazendo investigação. O país tem instrumentos e instituições para investigação, o que eu queria, e fiz, era governar o Brasil. Não me arrependo nem um pouco.

Pergunta: Independente dos fatos, do debate sobre a corrupção, se ela é, foi maior ou menor do que anunciada, o senhor esperava enfrentar essa reação que enfrentou?

Lula: Olha, eu sempre soube que a política brasileira é isso: lamentavelmente ela é isso...

Pergunta: Isso o quê?

Lula: Vive de denúncia, acusações, dossiês, coisas que muitas vezes depois não são comprovadas, ou desmentidas, e ninguém nem faz reparo, as coisas não têm prosseguimento. Todo mundo que é denunciado tem que ter o direito à defesa plena. Se valesse isso, se fosse feito assim em outros tempos, o Wladimir Herzog não teria sido morto. Na medida em que você se precipita no julgamento, você pode condenar um inocente e, da mesma forma, absolver o culpado.

Pergunta: Mas claro que há inocentes e culpados, mas o senhor não nega que tenha havido mensalão ou algo do gênero?

Lula: Eu não nego e nem confirmo. Eu acho que as coisas tem que ser apuradas, nós precisamos é criar mecanismos para que uma denúncia quando sai seja investigada corretamente. Que se ouçam todas as pessoas. Nós vivemos um momento em que as pessoas chegaram a tirar da cadeia bandido condenado a 26 anos de cadeia para poder falar contra o ministro da Justiça. Eu ficava pensando: quando os deputados vão à cadeia para ouvir um bandido condenado a 26 anos para saber da vida do Márcio Thomaz Bastos, que país é esse?

Pergunta: Qual é a regra da política que impede as coisas serem ditas com toda a clareza?

Lula: O presidente da República não é eleito para criar confusão, é eleito para tentar ajudar a resolver a confusão. Ora, tanto quanto você, vocês, eu conheço a realidade da política brasileira, mas não pode ser assim. Eu não posso ficar acusando. Olha, eu sempre ponderei que toda e qualquer denúncia tem que ser investigada, com o maior cuidado possível, Eu acompanhei o drama daquela família da Escola de Base, que era inocente. Destruíram uma escola, destruíram uma família, para depois constatar que o cara era inocente.

Pergunta: Mas o senhor acha que tem alguém que foi cassado, por exemplo o José Dirceu, ou o Palocci, que foi demitido pelo senhor até, que pode ser comparado ao caso da Escola Base?

Lula: Acho que são coisas diferentes. O Palocci, ele cometeu um erro diferente de outros erros. Porque ele teve o problema da quebra do sigilo. E eu entendi que o ministro da Fazenda não tinha o direito de utilizar o poder do ministro para ir atrás do caseiro investigar. E o José Dirceu... veja, eu não sei por que o José Dirceu foi cassado. Vocês sabem?

Pergunta: Porque ele foi acusado de chefiar...

Lula: (interrompendo) Mas qual é a prova contra isso? Por que o Roberto Jefferson foi cassado?

Pergunta: Ele admitiu que pegou dinheiro.

Lula: Não. Foi por quebra de decoro parlamentar. Foi porque ele mentiu. Ora, se ele mentiu significa que parte das coisas que ele falou não era verdade. Ora, eu acho que um julgamento eminentemente político pode cometer erros gravíssimos. Chega uma hora em que as pessoas querem condenar o político, sabe, a gente não pode confundir se foi dinheiro para campanha com mensalão...

Pergunta: E o mensalão?

Lula: Veja, eu quero ver alguém pode provar. Porque para provar precisava ter quebrado o sigilo bancário dos deputados.

Pergunta: Então o senhor diferencia o erro do Palocci do José Dirceu?

Lula: São duas coisas distintas. O Palocci, eu entendia que tinha que ser afastado porque era impossível... que o Ministério da Fazenda tivesse pedido para quebrar o sigilo do caseiro.

Pergunta: Depois o senhor o elogiou...

Lula: Elogiei, não. Elogio até hoje. Acho que o Brasil deve ao Palocci. E o Brasil precisa agradecer o que o Palocci significou para este país.

Pergunta: Nesse processo todo houve erros?

Lula: Este momento é desagradável na medida em que você percebe que a sociedade não é informada corretamente. Você é julgado 24 horas por dia, em 24 manchetes diferentes por dia. Você não tem chance sequer de se defender. O pior momento da minha vida foi quando descobri que tinha gente que torce para que o Brasil não dê certo. (Neste momento, servem o almoço ao presidente. No prato de salada, tem cenoura. Ele reage na hora)

Pergunta: O senhor não come cenoura porque engorda?

Lula: Cenoura tem carboidrato.

Pergunta: Quem orienta o senhor na dieta? É o (Roberto) Kalil (médico particular do presidente)?

Lula: O Kalil era contra eu fazer o meu regime.

Pergunta: E o senhor perdeu quantos quilos?

Lula: Quinze.

Pergunta: O senhor não come carboidratos nem doces?

Lula: Aprendi o seguinte. Faço regime mais duro de domingo a noite até sexta-feira a noite. De sábado a domingo até meio-dia eu relaxo. Se ganhar um quilo no fim de semana, perco na terça e na quarta. Já aprendi que é mais fácil perder um quilo do que quinze.

Pergunta: O que o senhor come?

Lula: Eu não janto mais à noite. De noite tomo uma sopa, creme de cebola, creme de aspargos, uma sopa de legumes.

Pergunta: Cerveja o senhor cortou?

Lula: Nunca gostei de cerveja. Tomo uma latinha e parece que comi um elefante.

Pergunta: Depois da posse, em jantar com jornalistas, em Brasília, o senhor falava em mudar as leis trabalhistas, o FGTS. O senhor desistiu?

Lula: Eu criei um grupo de trabalho com empresários, com trabalhadores, e com o governo. Esse grupo, chamado Fórum Nacional do Trabalho, produziu a reforma da estrutura sindical brasileira, que está no Congresso. Esse mesmo fórum tem que discutir a reforma trabalhista. É que essas reformas são fáceis de falar e difíceis de fazer. Porque as pessoas acham que têm direitos adquiridos e que não pode mexer. As pessoas não percebem a revolução tecnológica, a revolução da informática. As pessoas agem como se fosse em 1940, quando foi criada a legislação trabalhista. Eu acho que ela tem que passar por uma adequação. E ninguém melhor do que os trabalhadores para saber qual é o problema. Eles têm essa incumbência.

Pergunta: O senhor disse que um presidente não pode expor o cargo aos adversários. Isso significa que o senhor não vai ao debate (da TV Globo)?

Lula: Veja, eu acho engraçada a inquietação que as pessoas têm. Em 1998 ninguém perguntou para o Fernando Henrique Cardoso (o motivo de ele não ir aos debates).

Pergunta: O senhor perguntava.

Lula: Eu não perguntava. Ele não ia, não ia.

Pergunta: Mas o senhor reclamava.

Lula: É um direito democrático alguém convidar (para um debate) e é tão democrático quanto a recusa. A democracia não é uma moeda que só tem uma face. Ela tem duas faces.

Pergunta: Então o senhor não vai.

Lula: Não sei. Eu quero saber o que eu ganho, o que eu perco. Sou presidente da República independentemente de estar candidato. Eu não posso expor a instituição da Presidência. E veja que não é um problema de estar na frente (nas pesquisas). Em 2002 eu estive na frente durante a campanha inteira e fui a todos os debates. Adoro debates. Aliás, sou fissurado em debates.

Pergunta: Pelo que falou, o senhor não vai.

Lula: Eu quero saber quais são as regras.

Pergunta: No encontro com intelectuais, o senhor falou que a transição foi pacífica porque a oposição estava de olho no seu fracasso. Sua percepção sobre a importância da transição mudou?

Lula: Eu nunca deixei de reconhecer o significado que representou a minha vitória. Não na eleição brasileira. Mas o significado para o setor que eu representava, do qual sou originário, que são os trabalhadores brasileiros. Eu sempre tive isso muito forte. Eu perdi três eleições porque o povo tinha medo de que um igual a ele não pudesse fazer as coisas. Hoje é o contrário. O povo vê que um igual a ele faz mais que os outros.

Pergunta: Seria isso que explicaria o fato de o povo hoje puxar a classe média, e não o contrário?

Lula: Inventaram o tal de formador de opinião aí. O cara escreve artigo de jornal e forma opinião. E o cara da CUT, não forma opinião? O cara da colônia de pescadores, não é formador de opinião?

Pergunta: O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso forma opinião?

Lula: Forma negativamente. Porque quem tem a rejeição que ele tem, era melhor não dar opinião.

Pergunta: Como o senhor avalia as últimas atitudes dele?

Lula: Eu não sei. Eu lamento. Procurei o Fernando Henrique Cardoso em 1978, quando ele não era ninguém, para apóia-lo. Ele estava de regresso ao Brasil. Fomos eu e minha turma procurá-lo para apóia-lo em 1978 contra o Montoro e contra o Cláudio Lembo, que era da Arena. E eu achava que era preciso renovar a política.

Pergunta: Ele reclama porque diz que o senhor nunca o chamou nem para um café.

Lula: Mas ele também nunca me chamou..

Pergunta: O senhor foi, sim.

Lula: Ele só me chamou preocupado em saber se eu conhecia alguma coisa das Ilhas Cayman. E eu fui sincero. Quando eu soube, eu falei: não vou entrar nessa, não vou me prestar, na minha idade, a ser porta-voz de denúncia de Paulo Maluf contra o Mário Covas e o Fernando Henrique Cardoso. Chamei o Márcio Thomaz Bastos, entreguei o dossiê para ele. Ele foi conversar com o Serra, com o Fernando Henrique.

-------------------------------------------------------------------------------- O pior momento da minha vida foi quando descobri que tinha gente que torce para que o Brasil não dê certo" --------------------------------------------------------------------------------

Pergunta: O senhor não foi visitá-lo com o Cristovam Buarque no Palácio da Alvorada?

Lula: Isso foi em dezembro, depois da reeleição dele. Ele pediu para conversarmos. Então ele está sendo muito pessimista. Não estamos em dezembro ainda.

Pergunta: Vencendo as eleições, o senhor vai igualmente chamá-lo para uma conversa?

Lula: Veja, eu sou uma pessoa que a coisa que eu dou mais valor é a amizade. A única coisa que a gente leva da vida é a relação de amizade que constrói. É mais ou menos a única coisa que sobra. Eu não tenho nada contra o Fernando Henrique Cardoso. Absolutamente nada. A única coisa que eu lamento é que ele não tenha sabido se comportar como ex-presidente. Eu espero dar uma lição a ele quando eu deixar a Presidência, sobre como um ex-presidente deve se comportar. Um ex-presidente não dá palpite, fica quieto. Um ex-presidente, antes de julgar os outros, olha o que fez. Sabe, no Brasil, o único cara que sabe se portar é o presidente (José )Sarney. Ele foi achincalhado pelo (Fernando) Collor e nunca fez julgamento do Collor. Nunca deu palpite sobre o Fernando Henrique Cardoso.

Pergunta: O Itamar Franco sabe se comportar?

Lula: Melhor que o Fernando Henrique.

Pergunta: O senhor se considerava amigo dele?

Lula: Eu sei que ele fica ofendido quando eu faço comparações do meu governo com o dele. Mas eu não tenho com quem comparar. Não posso me comparar com o Getúlio Vargas. Se eu ganhar as eleições, não vou mais comparar com ele. Vou me comparar comigo mesmo, comparar o mandato de 2007 a 2010 com o mandato de 2003 a 2006.

Pergunta: E enquanto se compara com ele, o senhor não cita o Geraldo Alckmin.

Lula: Não, eu não quero... veja, eu não tenho nada contra o Alckmin, gente. Vocês sabem o seguinte: eu nunca tive problemas com pessoas. Eu não personalizo. Eu tive uma relação institucional com o Alckmin muito boa. Eu não tive amizade com o Alckmin. Eu tive amizade com o Mário Covas, com o José Serra, com o Fernando Henrique Cardoso. Não tive com o Alckmin, mas tive uma relação institucional muito civilizada. Então eu quero preservar isso. Se ele não quer, o problema é dele. Eu vou manter a minha linha. É assim que eu sou.

Pergunta: O Aécio Neves é seu amigo, presidente?

Lula: É meu amigo. Eu tenho muitos amigos. O Lúcio Alcântara é meu amigo, o Rigotto, o Requião é meu amigo. Só não é meu amigo quem não quer. Se quiser, eu estou de braços abertos.

Pergunta: O Aécio quer?

Lula: O Aécio é um companheiro que conheço desde a Constituinte. É uma figura extremamente civilizada, que sabe ser companheiro, que sabe até na divergência política ser cordato.

Pergunta: O Alckmin está passando do tom?

Lula: Não fica bem para ele. O Alckmin não tem cara pra ser agressivo. Médico não pode ser agressivo. Senão, como fica o paciente? O Alckmin, sabe... tem que ser do jeito que ele é.

Pergunta: O senhor dá a entender que, caso reeleito, procurará ter uma ótima relação com o Aécio Neves.

Lula: Eu já tenho ótima relação com o Aécio.

Pergunta: E com o José Serra?

Lula: Eu tenho ótima relação com o Serra.

Pergunta: Vocês conversam?

Lula: Nos últimos dias, não. Mas aquilo que eu disse hoje de manhã para a imprensa é absolutamente verdadeiro. Ah, mas saiu uma manchete contra o Serra. E daí? Sair uma manchete contrária não prova nada. Eu quero saber é se essa manchete pode ser desmentida amanhã. E se alguém que disse numa manchete garrafal que alguém é culpado vai ter coragem de fazer manchete garrafal dizendo que esse alguém é inocente. Eu tenho boa relação com o Serra, participei de debates com ele na campanha de 2002, fizemos uma campanha de nível muito elevado, não houve agressão verbal, nos tratamos como companheiros.

Lula já propõe pacto com a oposição

Pergunta: O senhor pode renegociar a dívida dos Estados?

Lula: Não podemos esquecer que esses governadores todos fizeram festa quando foi feito o acordo. Porque o acordo foi feito permitindo que eles vendessem patrimônio público. Agora acabou o patrimônio e eles se deram conta de que entraram numa gelada. Mas tem a Lei de Responsabilidade Fiscal, que nós não podemos permitir que seja burlada. Então eu acho que a nação não crescerá se os Estados estiverem quebrados. Então vamos ter que encontrar uma negociação sem burlar a Lei de Responsabilidade Fiscal, vendo o que é possível fazer para ajudar em função da particularidade de cada Estado. Fora disso, não tem volta ao passado.

Pergunta: Essa eleição é melhor que as outras?

Lula: Ela é melhor e é pior. Ter teu trabalho reconhecido, é uma coisa maravilhosa. Desse ponto de vista é melhor. Do ponto de vista de ser presidente, é pior. Porque eu nunca sei quando sou presidente e sou candidato. Estou aqui como candidato. Acontece uma desgraça, eu vou para Brasília como presidente. Eu hoje sou um homem convicto de que a reeleição é um retrocesso político para o Brasil. O mandato de cinco anos sem reeleição seria a melhor coisa. Aliás o meu amigo Fernando Henrique Cardoso vai carregar pelo resto da vida o gesto irresponsável de ter aprovado a reeleição. A única explicação para a reeleição chama-se vaidade pessoal, personalismo.

Pergunta: Mas as pessoas podem perguntar ao senhor: se é assim, porque o senhor está disputando a reeleição?

Lula: Ah! Porque tem o instrumento. Não fui eu que criei. Esse país tem regras.

Pergunta: Mas o senhor não era obrigado a se candidatar.

Lula: Eu era obrigado.

Pergunta: Por que?

Lula: Porque eu era o único candidato que poderia derrotá-lo. É isso. Agora, eu afirmei na Constituinte, afirmei na época da reeleição e reafirmo agora: a reeleição é perniciosa para o Brasil. Se o cara for adorado pelo povo, fica cinco anos fora e depois volta. Qual é o problema?

Pergunta: O senhor vai tentar fazer a reforma política? E por onde vai começar?

Lula: Essa é uma coisa que não pode ser do presidente apenas. Mas vão ter que ser discutidas coisas como a fidelidade partidária, o financiamento público de campanhas, o voto distrital misto.

Pergunta: Discutir o sistema de governo também?

Lula: Não. Isso nós já votamos e já perdemos duas vezes. O povo brasileiro é presidencialista.

Pergunta: O senhor tem uma maioria esmagadora entre os pobres e os que têm menos acesso à educação. É a primeira vez na história recente que votos não são distribuídos de forma homogênea por todas as classes sociais. Existe um fosso hoje no eleitorado.

Lula: Se você não tomar cuidado ao fazer a pergunta, alguém pode interpretar que precisamos mudar de povo. Eu perdi três eleições porque o povo pobre tinha medo de mim. Não acreditava em um igual a ele. E agora eu estou ganhando porque o povo descobriu que um igual pode fazer por ele o que um diferente não conseguiu fazer. Agora, ainda é cedo para falar em resultado de eleição. Sempre tive muito voto nos setores da sociedade organizada, de mais de cinco salários mínimos. Isso está se mantendo.

Pergunta: Mas o fosso preocupa?

Lula: Não. Agora, a única frustração que eu tenho é que os ricos não estejam votando em mim. Sabe? Porque ganharam dinheiro como ninguém no meu governo. As empresas ganharam mais que os bancos, teve mais crédito que nunca. Depois de 20 anos a construção civil começou a se recuperar fortemente. Então essa é minha única frustração.

Pergunta: O senhor não acha que nessa faixa, de maior renda e escolaridade, as pessoas estão mais informadas sobre o mensalão e as denúncias de corrupção, e isso tem reflexo na eleição?

Lula: Não é isso o que determina o voto no Brasil. Se fosse assim, essa gente escolheria melhor quem ajudar nas campanhas. Porque cada deputado eleito teve alguns patrocinadores. Perguntem aos que financiam as campanhas se têm coragem de dizer para quem deram dinheiro?

Pergunta: Um presidente não pode dizer com todos os verbos quem são os personagens e como é que o jogo funciona no Brasil em relação ao uso de dinheiro na campanha?

Lula: Eu não posso dizer quem são os personagens. Mas qualquer brasileiro sabe. É só pegar a história da política brasileira, desde a proclamação da República, gente. Ninguém está inventando nada. A política brasileira é isso.

Pergunta: O senhor acha então que o Paulo Betti estava certo quando disse que política não se faz sem colocar a mão na...?

Lula: Eu não concordo. O que eu acho é que a política brasileira tem uma tradição secular. Sempre foi assim e se não mudar o sistema vai continuar sendo assim.

Pergunta: Secular em relação a que?

Lula: De dependência econômica dos candidatos, de financiamento, de cobrança depois. Aliás, eu vou contar uma coisa para vocês: na história política do Brasil recente muitos corruptos eram tratados pela imprensa como espertos. Ah, fulano de tal é velhaco, malandro, esse sabe fazer política. A imprensa tratava assim. Tratava o bandido como o esperto da política, profissional competente.

Pergunta: Por que o senhor acha que foi tratado com mais rigor?

Lula: Eu vou te entrevistar e você vai dizer. Você sabe. Mas não vou dizer para não passar por vítima. Mas todo mundo sabe o que aconteceu neste país. Tanto que algumas pessoas ficaram surpresas quando saiu a pesquisa e eu não estava no ralo. Porque essas pessoas que fazem o julgamento não conhecem o país nem o povo brasileiro. Não viajam pelo Brasil. Fica cada um em seu departamento fazendo julgamento. Tem que descer nas ruas para ver as coisas acontecerem. O povo está comendo mais. Uma dona de casa paga R$ 5,90 pelo arroz Tio João e em 2003 ela pagava R$ 13. Vai falar mal de mim para essa mulher... Estamos chegando num momento no Brasil em que alguém que queira formar opinião pública vai ter que começar a compreender que o povo não acredita em tudo. Se o formador for sério, não for chapa branca nem formador contra por ser contra, mas se for um cara que com a mesma sensibilidade faz um elogio e faz uma crítica, o povo percebe que a pessoa é verdadeira. Aí sim ele vira formador de opinião pública. Porque ele é justo naquilo que ele traduz. Se o cara aparece todo dia fazendo julgamento, julgamento, o povo diz: vem cá, não tem nada certo? Eu acho que esse país vai passar por um processo de reflexão profunda. Para o bem do Brasil. Vamos ter que avaliar muita coisa.

Pergunta: Como está hoje a situação da Bolívia?

Lula: Sabe o que eu fico com pena? É que as pessoas tentam tirar proveito da crise da Bolívia para dizer "o Lula tem que ser macho". Tem dois motivos para você demonstrar força: um é quando você está fraco e precisa fazer barulho, gargantear, fazer bravata. Agora, quando está forte, não tem que demonstrar. Eu tenho a nítida noção da supremacia brasileira diante da Bolívia. Então por que tenho que fazer bravata? Olha, se a Petrobras deixar de explorar gás, vai faltar gás de cozinha e gasolina na Bolívia. Quando conversei com o Evo Morales, eu peguei o mapa da América do Sul e mostrei a situação da Bolívia, onde estava a Venezuela. Eu disse "não adianta colocar a espada na minha cabeça. Se eu não quiser o gás de vocês, vocês vão sofrer mais que nós". É como relação de marido e mulher. Dá uma olhada (estende a mão): eu tô nervoso? Vocês acham que se fosse uma coisa que me deixasse nervoso eu estava aqui? Eu tenho enorme noção da situação da Bolívia e quero ajudá-los. O Brasil tem que ajudar a Bolívia. Não tem jeito.

Pergunta: Mas e o decreto?

Lula: Decreto é decreto, não é lei. Foi congelado. Outro ministro faz outro decreto.

Pergunta: O Evo faz um pouco de bravata?

Lula: Eu diria que eles têm problemas sérios internos. Eu fico pensando que se nós tivéssemos ganhado as eleições em 89, talvez estivéssemos na mesma situação. Eu sempre agradeço a Deus não ter vencido em 89 e ter esperado 12 anos para chegar porque esses 12 anos me deram muita experiência. Então o Brasil precisa do gás na Bolívia, a Bolívia precisa do Brasil. Nós vamos sair dessa numa boa. Veja o seguinte: eu nunca bati no meu filho. Não vou brigar com a Bolívia, o Uruguai, o Paraguai. Eu tenho que saber a dimensão, a correlação de forças. Em 2004, a Marta concorria à prefeitura e eu aumentei os juros. Faltavam 15 dias para a eleição. E agora também faltam. Eu não vou fazer bravata eleitoral. Não é relação de político para político, é de Estado para Estado.

Pergunta: A Marta perdeu.

Lula: Não por causa dos juros. Ela perdeu porque o Serra teve mais votos que ela.

Pergunta: É verdade que o senhor vai fazer demissões a partir de novembro? O Henrique Meirelles fica no governo?

Lula: Olha, a priori, todos ficam. Isso é o mais fácil. O mais difícil... o que eu quero é propor um pacto de responsabilidade com o país. Quando eu digo construir um pacto, é estabelecer quais são os principais projetos que não são de interesse do Lula, mas que interessam a todos os brasileiros, como o Fundeb, a Lei das Micro e Pequenas Empresas. Em torno disso, vamos pactuar algumas coisas. Porque se você fizer isso, o cotidiano você vai tocando, aos trancos e barrancos. É um pacto de bom senso. É todo mundo tomar algum remédio contra azia de manhã e se encontrar no Congresso para discutir. Se quiser colocar o nome deles para patentear, pode colocar. Eu aceito.

Pergunta: Isso não pode andar junto com a reforma política.

Lula: Tem que andar junto, sim. Porque eles também haverão de querer a reforma.

Pergunta: O senhor vai fazer a reforma tributária e a fiscal com corte de gastos?

Lula: A reforma tributária, em abril de 2003, eu e 27 governadores fomos ao Congresso Nacional entregar a reforma da previdência e a tributária. O que aconteceu é que foi votada a parte federal e a estadual, não. Os governadores queriam continuar fazendo a guerra fiscal. Mas está lá. O relator já terminou.

Pergunta: O senhor vai continuar dando aumentos de salário mínimo?

Lula: Vou, vou. Quando puder dar mais, eu dou. Quando não puder, dou menos. Mas vamos dar.